terça-feira, 31 de março de 2009

Os Reformadores

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Os Reformadores
Para reforçar suas alegações para a verdade do Calvinismo, os calvinistas freqüentemente recorrem à suposta doutrina calvinista dos outros líderes da Reforma. Às vezes são apenas afirmações gerais como o Calvinismo é “a teologia da Reforma,”[1] ou o Calvinismo foi “adotado por todos os reformadores.”[2] Mas em outras ocasiões é mais específico: “Lutero, Calvino, Zwinglio e todos os outros notáveis reformadores daquele período foram completamente predestinacionistas.”[3] Já avaliamos a doutrina de Agostinho e visto que, embora ele tenha ensinado as doutrinas do que hoje é chamado Calvinismo, essa é a única coisa que ele tem em comum com os calvinistas modernos, pois eles repudiariam quase todas as outras coisas que ele ensinou. Mas e quanto aos outros reformadores? Eles ensinaram a predestinação usualmente associada a João Calvino? Como presentemente vimos, quando um calvinista cita o nome de um reformador como um aliado de Calvino sobre a predestinação ele está usualmente correto. Mas isto levanta questões sobre a extensão, a ênfase, a relevância, e as razões para o “Calvinismo” dos outros reformadores.

Visto que Sproul alega que “realmente nada na concepção de predestinação de João Calvino, entretanto, não estava primeiro em Martinho Lutero, e antes de Lutero em Agostinho,”[4] nós examinaremos Lutero primeiro. Não há o que discutir que Lutero defendeu o que seria considerado doutrinas calvinistas, independente das opiniões de seus descendentes luteranos.[5] O que é disputado, entretanto, é quão calvinista ele era. Lutero, como muitos dos reformadores, acreditava na dupla predestinação de eleitos e reprovados.[6] Mas como Cunningham comenta sobre as doutrinas calvinistas de Lutero, ele “nunca foi levado a explicar e aplicar, para ilustrar e defender algumas delas, tão completamente quanto foi Calvino.”[7] Todavia, Sproul ainda mantém que Lutero escreveu mais sobre predestinação do que Calvino,[8] enquanto Augustus Toplady (1740-1778) insistiu que Lutero “aceitou esta doutrina tão animadamente quanto o próprio Calvino. Ele até a afirmou com muito mais entusiasmo, e prosseguiu até extensões muito mais severas ao defendê-la do que Calvino jamais fez, ou qualquer outro escritor que eu já conheci daquela época.”[9] Mas qualquer um que lê as obras de Lutero e as compara com as obras de Calvino veria imediatamente que tal não é o caso. O “Calvinismo” de Lutero deve ser extraído de seus escritos vastamente ecléticos, pois ele nunca escreveu uma defesa sistemática ou exposição da predestinação como Calvino fez. O fato que Lutero adotou a doutrina da predestinação, entretanto, é aparente em seu livro De Servo Arbitrio (The Bondage of the Will), escrito em 1525 contra uma obra de 1524 de Desidério Erasmo (1467-1536) intitulado Diatribe Seu Collatio De Libero Arbitrio (Discussion or Collation Concerning Free-Will).[10] Em The Bondage of the Will, que ele considerou como sua melhor obra,[11] Lutero recorre a Agostinho quando ele ardentemente nega que o homem tenha livre-arbítrio.[12]

Embora seja a Lutero quem primeiro recorrem, os outros reformadores são da mesma forma citados como companheiros na busca por reformadores calvinistas. Huldreich Zwinglio (1484-1531), o reformador alemão em Zurique, Suíça, da mesma forma cria na predestinação.[13] Muitas vezes referido como o “terceiro homem” da Reforma,[14] Zwinglio alegou: “Eu não aprendi minha doutrina de Lutero, mas da própria Palavra de Deus.”[15] De fato, Zwinglio é conhecido por sua disputa com Lutero sobre o significado da Santa Ceia.[16] George argumenta que as “doutrinas da providência e predestinação [de Zwinglio] foram, no geral ou em parte, ainda mais claramente delineadas” do que as de Lutero.[17] Heinrich Bullinger (1504-1575), o sucessor de Zwinglio em Zurique e autor da Segunda Confissão Helvética (1566), é freqüentemente chamado de uma testemunha da predestinação,[18] embora seja admitido que ele foi mais moderado no assunto do que Lutero e Zwinglio.[19] Martin Bucer (1491-1551), o principal reformador alemão em Estrasburgo, é um outro reformador citado como ensinando predestinação.[20] Bucer teve uma tremenda influência de Calvino, e Calvino testificou de Bucer que “ninguém que lembro foi dotado de mais exigente aplicação na interpretação das Escrituras.”[21] Mas como um dos biógrafos de Bucer afirmou: “Talvez Calvino também escolheu muitas de suas crenças teológicas da coleção de Bucer, como alguns respeitados historiadores têm alegado. Infelizmente eles não foram capazes de encontrar evidência externa suficiente sobre o assunto para retirar do campo da controvérsia.”[22] Theodore Beza (1519-1605), o sucessor de Calvino em Genebra e o editor do Novo Testamento Grego, é muitas vezes dito, até pelos calvinistas, ser mais “calvinista” do que Calvino.[23] Philip Melanchthon (1497-1560), um amigo íntimo de Lutero e autor da Confissão de Augsburg (1530), é um reformador de quem os calvinistas se envergonham. Embora ele primeiramente cria em uma doutrina da predestinação rígida, Melanchthon moderou suas concepções consideravelmente.[24] Ele manteve correspondência com Calvino mas não foi persuadido de suas concepções sobre a predestinação.[25] Cunningham lamenta que “influência ele [Melanchthon] parece ter exercido ao levar as igrejas luteranas a abandonar o Calvinismo de seu mestre, e até contribuindo eventualmente para a difusão do Arminianismo entre as igrejas reformadas.”[26]

As concepções calvinistas dos reformadores sobre a predestinação e o livre-arbítrio foram uma reação direta às falsas concepções de salvação propagadas pela Igreja Católica Romana na época. Assim como a doutrina da predestinação de Agostinho era uma reação a Pelágio, assim a predestinação dos reformadores era uma reação a Roma. Ninguém pode negar que a maior antítese da salvação pelas obras é a salvação por um decreto absoluto, irresistível da predestinação. Isto explica por que os reformadores tenderam a adotar o “Calvinismo.” Mas a questão fundamental da Reforma foi a salvação pela graça por meio da fé apenas versus a salvação pela fé mais mérito ou obras ou a Igreja. Se ou não a salvação era por um decreto eterno da predestinação que resultava em um dom irresistível da fé aos eleitos não era a preocupação inicial. Pelo fato dos calvinistas freqüentemente confundir a questão que muitos que desprezam o ensino da salvação pelas obras são levados a aceitar as doutrinas do Calvinismo pois eles não vêem nenhuma outra alternativa. Uma coisa é certa, qualquer que seja o “Calvinismo” que Agostinho e os reformadores tinham: “Foi Calvino que desenvolveu este sistema de pensamento teológico com tal clareza lógica e ênfase que desde então tem levado seu nome.”[27] E é para João Calvino que nos viramos agora.

[1] Steele e Thomas, p. 21.
[2] Charles Hodge, Theology, vol. 2, p. 333.
[3] Boettner, Predestination, p. 367.
[4] Sproul, Grace Unknown, p. 139.
[5] Cunningham, Reformers, pp. 108-109.
[6] George, p. 77; Schaff, History, vol. 8, p. 547.
[7] Cunningham, Reformers, p. 109.
[8] Sproul, Eleitos de Deus, p. 10.
[9] Augustus Toplady, Prefácio a Zanchius, The Doctrine of Absolute Predestination, p. 16.
[10] J. I. Packer e O. R. Johnson, “Historical and Theological Introduction,” em Martinho Lutero, The Bondage of the Will, trad. J. I. Packer e O. R. Johnson (Grand Rapids: Fleming H. Revell, 1957), pp. 37, 39.
[11] Ibid., p. 40.
[12] Luther, p. 109.
[13] Schaff, History, vol. 8, pp. 91-93.
[14] George, p. 119.
[15] Ibid., p. 113.
[16] Schaff, History, vol. 8, pp. 85-87.
[17] George, p. 122.
[18] Talbot e Crampton, p. 79; Boettner, Predestination, p. 1.
[19] Schaff, History, vol. 8, pp. 210, 618.
[20] George, p. 232; Talbot e Crampton, p. 79; Boettner, Predestination, p. 1.
[21] Calvino, citado em Hastings Eells, Martin Bucer (New Haven: Yale University Press, 1931), p. 233.
[22] Ibid., p. 236.
[23] Schaff, History, vol. 8, p. 873; Cunningham, Reformers, pp. 349, 358; Sell, p. 1.
[24] Schaff, History, vol. 7, pp. 371-372.
[25] Ibid., vol. 8, p. 392.
[26] Cunningham, Reformers, p. 345.
[27] Boettner, Predestination, pp. 3-4.

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