terça-feira, 13 de novembro de 2007

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Aniversário do meu sobrinho!!!!!!










quarta-feira, 7 de novembro de 2007

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Sofrimento e liberdade.

Ricardo Gondim

Na teologia, a grande discussão, o principal nó a ser desatado, tem a ver com a relação entre Deus, felicidade, e liberdade.

E os questionamentos da teodicéia (definida como conjunto de doutrinas que procuram justificar a bondade divina, contra os argumentos da existência do mal no mundo) principiam qualquer debate. Por que sofremos? Por que Deus, sendo simultaneamente bom e onipotente, permite tanta maldade? Não poderia o Todo-Poderoso ter criado um mundo isento de dor?

Para piorar a angústia humana, o sofrimento não só existe, como é percebido. Quando animais irracionais sofrem, a dor não é antecipada, não é analisada e não lhes causa ansiedade. Homens e mulheres, porém, padecem para além da dor física.

Ademais, a dor humana é fonte inesgotável de questionamento, tanto pela sua concretude (dói mesmo) como pela sua subjetividade (existem dores que não sabemos explicar, como a saudade).

Todos sofrem e se angustiam ao mesmo tempo – corpo e mente padecem. Portanto, não bastam as aspirinas, as morfinas, os ansiolíticos.

Também não adianta questionar se é possível um mundo sem dor. O sofrimento é universal, esmurra nossa cara todos os dias. Mesmo quando o dente não dói e o rim não provoca urros, existe a percepção de que agora mesmo, em algum lugar, alguém está chorando.

Os gregos enxergavam o sofrimento como uma tragédia, na qual os seres humanos eram reduzidos a um fantoche. A história seguia por trilhos que eles chamavam de destino e ninguém conseguia se libertar dessa cadeia inexorável. O fatalismo grego provocava passividade (estoicismo), negação (cinismo), permissividade (hedonismo) ou um salto transcendental (platonismo). O mal, contudo, permanecia absoluto, já que nada, e ninguém, poderiam anulá-lo. Nesse sentido, as forças que governavam o mundo permaneciam essencialmente cegas.

Então, o nó górdio da filosofia, e posteriormente, da teologia, se expressava nos paradoxos: “Se existe um Deus onipotente, ele não pode eliminar o mal e o sofrimento? Se existe um Deus bom por que ele não deseja acabar com a dor? Se pode e não faz, não é bondoso. Se quer e não faz, não é onipontente. Se ele não for onipotente, não é Deus. Se não for bondoso, não merece ser servido”.

Reconheço minha limitação. Não tenho a pretensão de dar uma resposta definitiva que desalinhe o novelo que intrigou Heráclito, Sócrates, Agostinho, Tomás de Aquino, João Calvino, Soren Kierkegaard e tantos outros. Meu conhecimento é bem intuitivo e minha contribuição, mínima. Mas como bom cearense, vou ser atrevido.

Para começar a arranhar a superfície do assunto, falemos de liberdade. Tanto divina como humana. Até que ponto existe liberdade no universo? No raciocínio grego, Deus era preso a si mesmo. Compreendido a partir de conceitos absolutos (convém lembrar que no universo semítico não se falava em absolutos), o deus grego era impassivo, já que nada poderia ser tão forte que o afetasse; era inerte, porque o perfeito jamais poderia mudar.


Os gregos restringiam, portanto, a liberdade a uma mera inserção harmônica do indivíduo na polis e da polis no cosmos divino. As bitolas do destino, ou do cosmos, é que conduziam cada indivíduo, cada sociedade e toda a história.

O ser humano não tinha como reverter, adiar ou antecipar o que estivesse determinado pelas engrenagens do fatalismo. Sua liberdade era bem pequena. Ele podia até fazer micro-ações que lhe dariam um pouco de satisfação, mas jamais concretizar macro-ações, aquelas capazes de alterar o que “já estava escrito e determinado”.

A revelação judaico-cristã nunca concordou com essa compreensão grega do “motor imóvel” (Deus como um motor que põe tudo em movimento, mas ele mesmo, por nada é movido). Nem aceitava que o futuro não pudesse ser alterado por estar determinado à priori.


Se os gregos não acreditavam na possibilidade de alterar o curso da história, os profetas judeus, e mais tarde os evangelistas cristãos, convocavam o povo a mudar o futuro.

Aceito o argumento de Jose Comblin de que a compreensão da liberdade não evolui porque se manteve restrista ao conceito grego. A propalada democracia ateniense “somente valia para uma minoria de privilegiados”; a rigor, só havia aristocracia na Grécia. Poucos, muito poucos, conheciam a liberdade.

Portanto, proponho que o debate sobre o sofrimento humano considere a liberdade dentro do campo de compreensão judaica. Deus é livre e os seres humanos, criados à sua imagem, também possuem liberdade de arbítrio.

Deus é onipotente; Deus usou de sua soberania para criar pessoas dotadas de arbítrio. Para mim, essas duas afirmações não comportam discussão.

Mas como podem co-existir duas liberdades, sendo uma delas infinitamente mais poderosa do que a outra? Como os seres humanos poderiam ser livres de verdade se Deus não lhes desse espaço? Feuerbach afirmava que a onipotência divina esmaga a dignidade humana e que se Deus for tudo, não somos nada. Muitos, depois dele, trabalharam dentro da mesma lógica: para Marx, Deus promove alienação; para Nietzsche, empobrecimento; para Freud, infantilização.

O esvaziamento de Deus em Cristo, acaba com o paradoxo da onipotência versus liberdade humana. Cito Andrés Torres Queiruga:

“Talvez não exista mal-entendido mais terrível e mais urgente a ser erradicado do que aquele que Feuerbach pôs – ou melhor, detectou – na raiz do ateísmo moderno: o Deus que em Cristo, “sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com sua pobreza (2Co 8,9), é rechaçado como o vampiro que vive à custa do empobrecimento do homem: “Para enriquecer a Deus, deve-se empobrecer o homem; para Deus seja tudo, o homem deve ser nada".

Portanto, a liberdade humana só é possível porque Deus concede espaço. Eis a maior de todas as manifestações da Graça. Deus se esvaziou, entrou na hístória "manso e humilde de coração", voluntariou-se a viver todas as contingências às quais estamos submetidos, sofreu e morreu como qualquer um.

“O ser humano participa da divindade no sentido de que é feito livre como Deus é livre. Para que a pessoa seja livre, Deus renuncia seu poder. Entrega o poder ao ser humano – juntamente com toda a criação – para que ele construa a sua vida com toda liberdade. Deus se retira para não se impor. A sua presença no mundo manifesta-se na vida e na morte de Jesus. Deus fez-se um crucificado para que o ser humano fosse inteiramente livre. Esta liberdade pode ser para o bem e para o mal. Não há liberdade se não houver possibilidade de escolha” (Comblin).

Segundo Jürgen Moltmann, a fé cristã “liberta para a liberdade”. A reação moderna e atéia, segundo Moltmann, foi na direção oposta:

“No mundo moderno, pelo contrário, os homens entendem liberdade como o fato do sujeito dispor livremente de sua própria vida e de sua propriedade e liberdade coletiva como o fato de corporações políticas, povos ou estados disporem soberanamente sobre seus próprios interesses. Aqui a liberdade é entendida como o ‘direito de autodeterminação’ do indivíduos ou dos povos. Liberdade aqui é domínio sobre si mesmo”.

Mas a fé cristã segue outra lógica. Deus soberanamente decide valorizar as pessoas como cooperadoras com ele na construção da história.

“Mas para a fé cristã a verdadeira liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade cósmica ou histórica, nem no dispor com autonomia sobre si próprio e sobre sua propriedade, mas sim no ser tocado pela energia da vida divina e no ter parte nela. Na confiança no Deus do Êxodo e da Ressurreição o crente experimenta esta força de Deus que liberta e desperta, e dela se torna participante" (Moltmann).

O mal, portanto, inerente à liberdade que Deus soberanamente decidiu conceder aos humanos, existe simultâneo ao bem. No espaço dessa contingência, o bem e o mal não são apenas possíveis como podem ser potencializados e anulados pelo arbítrio dos filhos de Deus.

A trama das Escrituras consiste em mostrar que essa liberdade foi usada perniciosamente, mas que Deus nunca desistiu da sua criação. Ele revela seu pesar pelo mal; fielmente fornece princípios e verdades que podem tornar a vida bonita; chama seus filhos para que se arrependam das suas más escolhas e os convoca a serem artesãos de uma nova história.

Soli Deo Gloria.

Bibliografia:

Queiruga, Andrés Torres - "Do Terror de Isaac ao Abbá de Jesus" - Paulinas.
Moltmann, Jürgen - "O Espírito da Vida" - Editora Vozes.
Comblin, Jose - "A Vida - Em Busca da Liberdade" Editora Paulus.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

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Minha prece ao Todo-Poderoso.

Ricardo Gondim

Senhor, tu habitas no inacessível e operas no mistério. Sei que te aproximas do abatido e do contrito, por isso, peço-te: Ouve meu clamor, pois meu pecado está diante de mim e não arvoro nenhuma virtude para ser aceito por ti. Não pretendo impressionar-te com falsas onipotências, sou carente de tua misericórdia.

Não te imploro que me poupes das contingências da vida. Estou disposto a trafegar existencialmente por estradas esburacadas e cheias de remendos. Abro mão de imaginar-me blindado e que não experimentarei percalços, doenças, mortes ou angústias. Não, Senhor meu, não espero uma sorte melhor do que a de milhões de irmãos meus.

Cada vez que tento orar por algum favor material, sinto-me péssimo. Lembro-me do Sermão da Montanha e por reconhecer teu cuidado e tua graça, proíbo-me de pedir-te comida e vestimentas. Como posso suplicar que te concentres em mim quando existem milhões sofrendo miseravelmente nas redondezas das grandes cidades? Não posso me considerar único quando existem inúmeros idosos morrendo antes de conseguirem ser atendidos nos hospitais públicos. Dá-me a graça de buscar em primeiro lugar o teu Reino.

Sou um pequeno burguês que jamais poderia pedir-te qualquer benefício além do que já tenho. Antes de bater em tua porta, assalta-me a visão de mães carregando seus filhos com paralisia cerebral para intermináveis sessões de fisioterapia; vejo as casas de taipa sem feijão; não posso evitar as cenas de meninos com latas d’água na cabeça. Como ansiar por privilégios enquanto existirem Darfur, Luanda, Nampula, Mumbai, Pirambu e tantos lugares esquecidos?

Espero de ti um coração de poeta que sofre com a angústia não percebida dos esfomeados. Dá-me uma zanga profética para encarnar tua ira diante da injustiça. Imploro-te o saber do cientista social para explicar os porquês da rapinagem do sistema econômico selvagem que promove tanta desgraça.

Quero achegar-me à sala do trono e achegar-me ao misterium tremendum, onde os anjos escondem o rosto, para ouvir de teus lábios o mandado de levar adiante a tua causa. Dá-me o teu Espírito para que nunca me intimide diante do olhar sisudo dos confortáveis. Permita que eu encarne o teu poder compassivo e expresse tua missão.

Aspiro um coração manso e um espírito tranqüilo para viver com integridade. Espero poder estender minha mão para quem tombou na beira da calçada. Reconheço que muitas vezes me acovardo com a agonia humana. Não quero esconder-me atrás de afirmações religiosas. Se evito ajoelhar-me diante dos piores pecadores para não lhes lavar os pés, não sou digno de chamar-me teu discípulo.

Por isso, preciso aprender o significado mais profundo do que significa participar de teus sofrimentos. Se ainda não assimilei o valor de abrir mão da vida para ganhá-la, de perdê-la para achá-la é porque não aprendi que o grão de trigo precisa morrer para dar muito fruto.

Peço-te que me ajudes a enfrentar corajosamente os riscos e os acasos deste mundo perigoso, hostil e imprevisível. Entendo que viver sem apelar para socorros mágicos e extraordinários continua difícil demais para mim. Assim, instrui-me e tua Palavra será suficiente para que eu organize minhas escolhas. Espero poder afirmar: bastam-me tuas verdades e princípios para que eu seja mais que vencedor.

Em momentos tristes, ajuda-me a repetir as palavras de Jesus: “Agora meu coração está perturbado, e o que direi? Pai, me salva desta hora? Não; eu vim exatamente para isto, para esta hora. Pai, glorifica o teu nome!” (João 12.27-28). Preciso de tua companhia para resistir a tentação de esperar livramentos que me pouparão da arena da vida. Assim eu seria um covarde.

Não quero que teus inimigos digam que eu te sigo como uma fuga. Não pretendo viver alimentando ilusões em nome da esperança.

Pai, põe um guarda em meus lábios, para que não jorrem palavras irresponsáveis quando falar contigo. Sei que posso ter o mesmo sentimento que houve em Jesus que se esvaziou de toda pretensão onipotente para doar-se amorosamente pelos seus irmãos.

Silenciosamente eu me prostro e suplico: Ajuda-me a andar humildemente ao teu lado fazendo o bem e praticando a justiça e isso será tudo.

Amém.

Soli Deo Gloria.

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Viver não cansa.

Ricardo Gondim

Viver não cansa, o que fatiga são as perguntas imbecis de quem não quer ter opinião própria, os comentários emburrecedores de quem não gosta de pensar, as lógicas dos religiosos que adoram encabrestar e serem encabrestados.

Viver não cansa, o que exaure é precisar debater com quem só lê a ‘Veja’; é ter que ouvir a opinião de quem adora o Diogo Mainardi; é ter que debater com quem aprendeu toda a Verdade com o Max Lucado e se acha apto para converter o mundo islâmico.

Viver não cansa, o que desespera é ter que calar diante das vaidades maquiadas como piedade; é ter que respeitar os narcisismos travestidos de desprendimento; é ter que fazer vista grossa diante dos escroques de colarinho clerical: “porque eles também podem estar ganhando almas e despovoando o inferno”.

Viver não cansa, o que chateia é ter que explicar para fariseus de plantão que beber um cálice de vinho não significa automática embriaguez, que dançar a valsa na formatura da filha não é pactuar com o mundo; é ter que arrazoar com analfabetos funcionais para mostrar-lhes que não existe diferença entre música cristã e do mundo (Só existe música boa ou ruim!).

Viver não cansa, o que amarga é ter que ficar calado diante dos maiores descalabros éticos, “porque a igreja ‘X’ está crescendo e o que importa são os resultados”; é ter que assistir a um monte de gente se esforçando para jogar a dignidade do Evangelho pelo ralo e precisar engolir seco porque: “aquela igreja 'X' é como um hospital de emergência onde as pessoas se convertem, mas depois procuram as igrejas sérias”.

Viver não cansa, o que horroriza é conseguir detectar as agendas escondidas dos Benny Hinns da vida, a volúpia por poder dos que vivem das politicagens denominacionais, os cinismos teológicos dos evangelistas triunfalistas e ainda assim precisar explicar-se porque não participa de eventos, de marchas e de conferências ao lado deles: “já que o Corpo de Cristo não pode se dividir”.

Viver não cansa, o que exaure é ver as igrejas lotadas de incautos em busca de um Mega Milagre porque: “ao fazerem a sua parte, Deus ficará obrigado a fazer a dele”; é saber que cada campanha de oração que “vai destrancar os cadeados do céu”, na verdade, foi projetada para arrancar mais dinheiro dos simples; é notar que muitos nas elites religiosas não diferem em nada dos políticos que só sabem defender seus interesses.

Viver não cansa, o que debilita é ter que lidar com a fofoca de quem não tem brilho próprio; é ter que admitir que vários fazem do sacerdócio um jeito de progredir com um esforço mínimo; é saber que a indústria da “música gospel” fatura em cima da vaidade de cantores que jamais dariam certo fora das igrejas e que, para compensar a falta de talento, vivem a fazer biquinhos, vertendo lágrimas forçadas.

Viver não cansa, realmente, não cansa.

Faz bem à alma lidar com jovens grávidos de sonhos, com mulheres íntegras, que não medem esforços para acolher os esquecidos e com anciãos que destilam uma sabedoria acumulada pela experiência.

Os poetas com suas intuições, os músicos com suas percepções, os professores com sua erudição, os pastores com sua dedicação, continuam a encantar.

Os atletas com sua disciplina, os profetas com sua veemência, os missionários com sua coragem, são um bálsamo que cura as feridas da desesperança.

Viver é tão bom que dá ganas de continuar, continuar...

Soli Deo Gloria.

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Perco o medo de viver.

Ricardo Gondim

Só agora, muito mais velho, é que venho perdendo o medo de viver. Estranho, não?

Perco o medo de dizer não. Antigamente, negociei vários momentos preciosos que poderia passar ao lado de pessoas queridas porque temia magoar quem cobrava minha presença. Aconteceu que comecei a levar pontapés no traseiro exatamente daquelas pessoas para quem eu me desdobrava em não magoar. Decidi que serei mais franco, mais honesto quanto ao meu tempo.

Perco o medo de ser eu mesmo. Outrora, escondia-me do olhar dos religiosos que se escandalizavam se eu vestisse uma bermuda ou andasse de chinelas. Adiei por anos a decisão de parar de me enforcar com gravatas e me derreter dentro de paletós, “porque seria inadmissível que um pastor usasse a Escrivaninha Sagrada sem a indumentária própria” – Que horror!

As concessões ridículas foram muitas: a tradução da Bíblia tinha que ser a mais antiga; no culto, devia encaixar uns dois cânticos do hinário “para não magoar os mais tradicionais”; era obrigado a proibir que mulheres vestissem calça comprida, “porque só a próxima geração suportaria tamanha mudança nos costumes”. Aconteceu que meus olhos se abriram. Vi a hipocrisia dos religiosos que se engasgavam com farelos e engoliam tijolos. Portanto, para mim chega de fazer concessão aos falsos moralismos dos colegas de Anás de Caifás.

Perco o medo do olhar sisudo dos xerifes da fé. Há pouco tempo eu ficava consternado em saber que um professor de seminário envenenava seus alunos contra mim e que o “mainstream” evangélico me enxerga como um herege. Fui sistematicamente caçado por alguns notórios e queridos teólogos que me consideraram pernicioso para a fé.

Confesso que me abati tremendamente, mas quando soube que um deles afirmou que considerava a guerra do Iraque uma bênção “porque abriria portas para a evangelização do mundo Árabe”, pensei: “Êpa! Quer dizer que perguntar, provocar tensão conceitual, é uma apostasia inominável? O que dizer então de quem se posiciona ao lado do facínora que bombardeou inocentes”?

Dá um tempo, por favor. Sim, é verdade. Critico a literatura comercial do Max Lucado, o americanismo obturado do Pat Robertson e o fundamentalismo do tipo “fogo-enxofre” do John McArthur. Mas nada do que já escreveram ou disseram foi tão abjeto quanto a defesa ostensiva que prestaram ao presidente George W. Bush, quando ele precisou de apoio para destruir uma nação inteira. Quero só saber se os fundamentalistas brasileiros terão coragem de cobrar um “mea culpa” dessa turma.

Perco o medo de afirmar meu gosto musical, minha liberdade etílica, meus passatempos irracionais (correr maratonas, por exemplo), meus êxtases artísticos, minha repulsa a banana e meu medo de barata. Acredito que um homem já coroa pode dar-se ao luxo de viver com mais leveza, e é isso o que venho fazendo. Até porque, foi para a liberdade que Cristo me libertou.

Soli Deo Gloria.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

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AS DÚVIDAS QUE TOMÉ NÃO TEVE

Elienai Jr

Preciso começar falando de mim. Sou um homem de muitas dúvidas. Sou alguém que duvida sempre. Por esta razão a história da minha é marcada por momentos de intenso e angustiante conflito. Conflitos comigo e com as estruturas de fé pelas quais fui educado. Foi na igreja da minha juventude que sempre ouvi coisas como: ele quer ser diferente de todos! Foi assim no seminário de onde terminei sendo convidado a me retirar, de tanto que duvidava. Também foi assim em casa com meus pais, mas confesso não precisar bem o que foi inquietação de adolescente em busca de afirmação e o que foram questões consistentes. Mas, em algum momento de minha vida, resolvi que uma que não sobrevivesse aos questionamentos e dúvidas não valeria a pena. Eu não a queria. Isso me rendeu uma aventura difícil na fé e no trabalho pastoral. O ambiente religioso, o que mais absorve meus engajamentos, não é permeável à dúvida. Ou seria mais bem dito, a dúvida torna o ambiente da religião desconfortável e, por isso, pouco profícuo para a experiência do culto?

Parafraseando Kierkegaard, na sua afirmação de que a angústia é a vertigem da liberdade, podemos dizer que a dúvida é a vertigem do pensamento. Vertigem é a sensação de insegurança de quem está em alta velocidade, ou em queda livre. É a sensação angustiante de quem não tem muito controle do desfecho dos acontecimentos. Assim é com o exercício racional. Não há pensamento sem a dúvida. Ela é a questão aflita que promove investigação e novas descobertas. Primeiro, desestabiliza o que já está estruturado e sobre o que calcamos nossas crenças, valores, projetos e esperança. Desestrutura a convicção que garante alguma segurança. Desestabiliza e por isso é desconfiança. Desconfiar que aquilo em que acreditávamos ser verdadeiro pode não ser é desconcertante sempre, mas é o único ponto de partida para as mudanças, ou mesmo para o amadurecimento de antigas compreensões. Suficientemente angustiados, obrigamo-nos à aventura de descobrir, reinventar, ressignificar, de viver, portanto. A dúvida é a sensação vertiginosa que confirma nossa humanidade. Porque é constituinte da nossa humanidade o pensamento e do pensamento, a dúvida.

Apesar de o ambiente protestante ser avesso à dúvida, mais, talvez, que qualquer outro ambiente, nosso conceito de conversão é seu devedor confesso. O indivíduo que se converte é com freqüência alguém que duvida radicalmente de sua própria história. De suas crenças, de suas ambições, de seus valores, de suas relações, de sua moralidade, de tudo o que lhe confere significado. A abertura do converso à mudança deve-se à instabilidade insustentável com que vinha vivendo. A proposta cristã é uma resposta que só cabe dentro de uma grande dúvida existencial. Na conversão, a dúvida é tão radical que o transforma em um discípulo completamente entregue à nova compreensão. Abandona o mundo não protestante para se deixar conduzir ao mundo protestante. Certo e errado. Bom ou mau. Divino ou diabólico. Belo ou feio. Tudo será reaprendido na proporção do estrago causado por sua dúvida inicial.

Quanto maior a crise que potencializou a conversão maior será a capacidade do novo crente de absorver o novo modelo de vida. Não por acaso tornam-se pastores com paixão destacada aqueles que experimentaram rupturas radicais em suas histórias, como os que viveram na marginalidade das drogas. Não nos esqueçamos, então, que a intensidade do envolvimento dessas pessoas é devedora, às avessas, de suas histórias duvidosas. Talvez, por isso, ao explicar a extravagância da mulher que chorou aos seus pés, enxugou-os com os cabelos e depois o perfumou com ungüento caríssimo trazido em alabastro, Jesus tenha contado a parábola dos devedores perdoados por seu credor. A pergunta embaraçosa foi: quem desses devedores mais ama? A resposta é tão evidente quanto escandalosa: aquele a quem mais foi perdoado.[1]

Apesar disso, é o ambiente da fé, o que mais foi beneficiado pelas dúvidas radicais de seus conversos, o que mais milita contra a manifestação da dúvida na jornada comum dos crentes. A dúvida que fragilizou o candidato à conversão e, por isso, fez-se a grande oportunidade para a nova fé, é agora a maior inimiga. A dúvida perde a posição de amiga do evangelho para tornar-se sua mais diabólica adversária.

Desenvolveu-se no ambiente da a idéia de que a dúvida é um fenômeno de segunda classe da espiritualidade. Isto quando não a tratam como demoníaca. Crente que duvida é visto com desconfiança. Não nasceu de novo. Ainda não teve uma experiência com o poder de Deus. É um crente fraco e sem valor! Precisa orar mais e estudar menos. Precisa construir mais e questionar menos. Precisa ler mais Bíblia que filosofia. Precisa ser mais crente.

Dentro dessa concepção de que a dúvida é má, um dos discípulos de Jesus passou a ser cruelmente maltratado pelo imaginário cristão: Tomé. Seu nome virou xingamento religioso. Chamar alguém de Tomé é chamá-lo de encrenqueiro, estraga prazer, carnal, raso, imaturo. – ‘Você é um Tomé’ significa: Cala a boca! Que você está atrapalhando a festa, está acabando com o clima! Ou então, você precisa se converter!

Faz algum tempo que tenho desgostado do tratamento dado a Tomé. Não me faz bem vê-lo relegado ao segundo plano, segunda categoria de discípulo. Não consigo vê-lo desta forma. Talvez porque me identifique com ele. Sinto-me muito mais próximo de Tomé e suas dúvidas, repleto de imagens de fraqueza e humanidade, que de Pedro e seus arroubos de fé, cheio de falsas onipotências. Mas também não pretendo promover um concurso do que vejo e avalio nos discípulos de Jesus. Acredito que em cada personagem bíblica somos apresentados aos nossos valores e desvalores, luzes e sombras, ímpetos e medos. Meu convite a você é para se aproximar com mais cuidado de Tomé e, quem sabe, descobrir ao meu lado o valor de suas dúvidas.

João é o responsável em sua narrativa pelo que podemos saber sobre o nosso amigo inquiridor. Há muito pouco, mas o bastante para arriscarmos algumas compreensões preciosas. A narrativa cuja interpretação descuidada transformou Tomé no protótipo do crente inconveniente está no final do evangelho de João.[2]

Fim de tarde de um domingo ainda sombrio. São três dias desde que o nervosismo dos donos do poder descambou na morte de Jesus. O mundo virou do avesso. Deu tudo errado. Todos se dispersaram. Pedro não anda nada bem. Não pode ouvir um galo que chora em desmantelo. Todos cabisbaixos. Tomé foi dar uma volta, mas os demais discípulos permaneceram trancafiados na casa de um amigo em comum. Não dá para fingir, só as mulheres tiveram coragem de sair de casa logo cedo e, de tão histéricas, dizem terem visto o sepulcro vazio. Maria Madalena vai mais longe, afirma que Jesus falou pessoalmente com ela. Tudo muito embaçado. João tem uma cara de que acredita na versão das mulheres para o sumiço do corpo. Quem sabe?

É preciso que se diga que o medo de que qualquer um seja o próximo a morrer paralisa. Mas o indubitável acontece. Jesus aparece dentro da casa. Não dá para negar. Sua voz tem um timbre feliz inconfundível. Ele sugere que o medo dê lugar à paz. Mas não somente, convida para o toque. Suas mãos têm as marcas da cruz. Por um instante os olhos marejados dos discípulos ficam vagos, passeiam na memória sofrida dos pregos cravando os pulsos. A lança atravessando seu corpo. Mas essas lembranças logo se dissolvem na surpreendente presença do amigo. E Tomé? Não está aqui. Diremos para ele. Ele não vai acreditar...

Tomé chega em casa apressado e tenso. Estranha as janelas abertas e a porta apenas encostada. Questiona o descuido, mas se assusta com os semblantes descontraídos. Todos falam ao mesmo tempo. Maria não é tão histérica quanto pensamos. Bem que João tinha razão. Jesus está mesmo vivo. Nós tocamos nele, Tomé. Suas mãos têm as marcas das feridas. Não há dúvida. Tomé pede para que se acalmem. Não consegue se empolgar com os depoimentos. Imediatamente é repreendido pelo olhar inconformado de todos. Como pode ser tão desconfiado. Se todos crêem, como pode duvidar? A dúvida coletiva é certeza consentida. Mas a dúvida que difere da comunidade, é incredulidade incômoda, herege. Mas Tomé não abre mão de também tocar no corpo que todos dizem ter tocado.

O retorno de Jesus pela segunda vez faz o primeiro parecer apenas o ensaio para o espetáculo decisivo. Perdoe-me a predileção por Tomé. Mas parece até que Jesus reeditou a entrada na casa somente por Tomé e sua dúvida atrevida. Tomé tem os olhos arregalados. A presença do Cristo tão desejada sublima tudo o mais. A fala parece decorada. Paz. Toque, Tomé. Jesus parece estar dizendo com os olhos que veio só para ele. Corpo tocado, voz ouvida, fé devolvida. Dúvida satisfeita. Poucas palavras. Senhor meu e Deus meu.

Não vejo Jesus censurando Tomé aqui. Também não o vejo dando uma bronca em Tomé. Não se livra nem de quem duvida, nem de sua dúvida. Ao contrário, aproxima-se dele o suficiente para dar à sua dúvida a importância devida. Mesmo sendo a dúvida mais preguiçosa, a última, a mais adiada. O único aspecto negativo da dúvida de Tomé, aparentemente, foi o da revelação que Jesus faz de que não duvidar é uma condição bem mais tranqüila que a de duvidar: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”. Mas sobre isso há outras coisas a considerar.

Na verdade, a dúvida de Tomé alimentou o nosso cristianismo com verdades lindas. Basta um olhar retrospectivo na narrativa de João. Certa vez, depois de Jesus afirmar que os discípulos não precisavam ficar preocupados com sua morte, pois sabiam o caminho para onde ele ia, Tomé apresentou a sua dúvida da forma mais estraga-prazer possível: Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho?”[3] A resposta de Jesus é uma pérola do evangelho: “Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim. Se vocês realmente me conhecessem, conheceriam também o meu Pai. agora vocês o conhecem e o têm visto”.

E como já foi dito, a única aparente repreensão de Jesus à dúvida de Tomé é muito mais uma promessa de que o testemunho dos apóstolos teria êxito: Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”. Uma referência provável ao fato de que muitos iriam crer apenas pelo testemunho dos apóstolos.

Mas com Tomé nós descobrimos que podemos duvidar de muita coisa, mas há algumas coisas das quais não precisamos duvidar. Tomé nos ensina que é possível duvidar de tudo sem duvidar de sua própria fidelidade. Em outra narrativa de João, aprendemos de novo com Tomé. [4] Mesmo sem entender boa parte das coisas que Jesus falava e fazia, mostrou ter uma disposição radical de não dar as costas a Jesus. Mostrou-se mais fiel que crente.

Jesus tinha amigos muito especiais em Betânia. Eram três irmãos, Marta, Maria e Lázaro. Este adoecera mortalmente. Jesus que já curara tanta gente com quem não tinha nenhum laço afetivo, agora estava longe dos amigos. Avisado da morte do amigo, demorou ainda dois dias para reunir os discípulos e tomar as providências da viagem. Logo foi advertido de que a última passagem pela Judéia fora desastrosa. Há risco de morte. Mas Jesus despreza o risco sem desmentir a viagem temerária. Avisa que Lázaro está dormindo e de que vai acordá-lo. Falava de ressurreição. Mas ninguém estava entendendo a conversa de Jesus sobre Lázaro não estar morto, mas dormindo, mesmo todos sabendo de que ele havia morrido. Todos discordavam da idéia de Jesus de volta à Judéia. O texto sugere que havia séria resistência entre os discípulos em acompanhar Jesus. Quando entra em cena Tomé. Também duvidando e apesar disso, estava disposto a não abandonar Jesus. Tomé tinha uma convicção, todos morreriam. E ele estava disposto a morrer com Jesus. Suas palavras não são uma expressão de otimismo, mas de amor fiel: “Vamos também para morrermos com ele”.

Tomé mostra-se mais fiel que crente. Sua fidelidade era maior que seu otimismo. Sua capacidade de ser fiel era mais forte que sua capacidade de crer. Descobrimos com Tomé que é mais importante ser fiel que acreditar. É mais importante obedecer que ter . O que dá todo sentido ao que Jesus declarou serem suas grandes expectativas sobre os discípulos. Não eram de grandes e heróicos atos de fé, mas em atrevidos atos de amor: “Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço.”[5]

Recentemente ouvi alguém justificando a vocação ministerial de uma pessoa questionável. Dizia que apesar dele ser um mau caráter, Deus o usava muito porque era um homem de . eu me lembrei de certo político paulistano, sobre quem se dizia algo parecido: “rouba, mas faz.” Esta não é a lógica do Reino: é infiel, mas tem . Jesus esvazia esta lógica: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!”[6]

Chego a pensar que a neurose protestante com as dúvidas tem gerado a pior dúvida: a dúvida da integridade. Tomé não duvidou de sua integridade. Há uma dose atrevida de integridade em sua dúvida. É preciso repetir, todos duvidaram. A casa caiu para Tomé porque duvidou contra todos. A interpretação que damos à dúvida de Tomé é devassadora porque enxergamos na sua dúvida o que mais tememos: alguém duvidar do que todos não mais duvidam. É a dúvida do herege. É necessário olhar de novo.

Todos os demais discípulos estavam com medo. “Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus”. Todos os demais discípulos somente creram quando viram Jesus e as marcas da crucificação. “Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se quando viram o Senhor”. Todos os demais discípulos duvidaram do testemunho das mulheres de que o sepulcro estava vazio e Jesus, vivo. (Lc 24.11) Mas eles não acreditaram nas mulheres; as palavras delas lhes pareciam loucura.” Apenas Tomé duvidou quando todos não mais duvidavam. Apenas Tomé colocou em questão o discurso já aceito por todos “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”. E Tomé não condenado por agir assim. Quem o condenou? Os demais discípulos? De forma alguma e em momento algum. Talvez porque ainda não existisse uma estrutura de poder construída em torno da fé. Quem condenou Tomé foi a (des) leitura religiosa do texto. Nossas estruturas religiosas têm muito que defender. A instituição não pode ser desestabilizada pela dúvida já superada. A dúvida teimosa é heresia. Nós condenamos Tomé. Por nossa causa Tomé é rejeitado. Por causa da estabilidade de nosso discurso é que assimilamos e propagamos a visão dominante que faz de Tomé um crente sem valor e nele, todo o que duvida. Mas não é assim que a narrativa enxerga nem Tomé nem os demais.

A dúvida de Tomé é uma manifestação de integridade que não pode ser desperdiçada pelo autor de nossa fé. Ele volta para Tomé e faz parecer apenas ensaio tudo o que já aconteceu. O Reino de Deus é de Tomé, de quem tem coragem para não se deixar corromper pelo medo da dúvida teimosa, da dúvida do herege.

Não se deixou amputar em sua dúvida como parte preciosa de sua fé. Mas também a sua dúvida o conduziu a superar qualquer dúvida sobre o que mais importa na fé em Cristo, a dúvida do amor. Tomé não duvidou do quanto Deus estava ocupado com suas angústias. A grande verdade de Tomé foi internalizada. Sua grande verdade foi o amor que toca mais que discursa.

A cena é constrangedora. Jesus não tinha necessidade de ser acreditado. A crença de Tomé nada acrescentaria à ressurreição de Jesus. No entanto, Jesus não apenas volta como se sujeita à dúvida de Tomé. Convida-o para tocar nas marcas de sua maior humilhação. Expôs para Tomé, para tirá-lo da dúvida, as marcas de suas dores e fraqueza. Humilhou-se à baixeza das exigências de quem duvida.

Mais, o texto sugere que Jesus volta com uma única missão: visitar Tomé em sua dúvida. A dúvida de Tomé é dona da agenda de Jesus para aquele dia. Na primeira vez que Jesus visita os discípulos, Tomé não estava . Ele volta e João dá a entender que o faz apenas para servir Tomé nas exigências sofridas de seu coração aflito. Diante de tão grave gesto de amor, Tomé consegue dizer uma coisa: Senhor meu e Deus meu!”.

Muitas vezes eu desperdicei oportunidades de amar meus filhos. A menina se feriu fazendo algo que estava proibido. Ao invés de simplesmente acolher e amar, ocupei-me, irritado, de tão obcecado em ter razão, ou de apenas em me livrar de uma falsa culpa, ou em ser justo, ou ainda, bem sucedido na educação, em derramar broncas e lições de moral. Como me arrependo de ter agido assim tantas vezes. Acho que aprendi a lição. Deus não faz assim. O momento do ferido é apenas o momento de amar. É como faz com Tomé. Como anunciado por Isaías: “Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido, em quem tenho prazer. Porei nele o meu Espírito, e ele trará justiça às nações. Não gritará nem clamará,nem erguerá a voz nas ruas. Não quebrará o caniço rachado, e não apagará o pavio fumegante. Com fidelidade fará justiça.” [7]

A dúvida em Tomé é um convite a não desperdiçarmos nossas questões, nem as mais aflitas. Vertigens de nossa humanidade. Manifestações da nossa maior verdade, a verdade de sermos e não a de sabermos. Janelas que escancaram nossa alma para a brisa libertadora do amor de Deus. Que só é amor porque somos tão livres quanto imprecisos.



[1] Lucas 7.36-50

[2] João 20.19-29.

[3] João 14.5

[4] João 11.6-16

[5] Jo 15.10

[6] Mt 7.21-23

[7] Is 42.1-3

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

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TEMA – “A busca do caráter cristão: aprendendo com homens e mulheres da Bíblia”.

Eliezer de Lira e Silva

A) INTRODUÇÃO

Damos início ao terceiro trimestre letivo do ano de 2007, que tem como tema “A busca do caráter cristão: aprendendo com homens e mulheres da Bíblia”, de autoria do pastor Eliezer de Lira e Silva, pastor das Assembléias de Deus em Curitiba/PR e Diretor do Projeto Missionário Ide e Ensinai em Moçambique, país da África, cujo idioma oficial é o português.

Trata-se de um tema de Teologia Prática, demonstrando que o novo currículo da CPAD decidiu, neste ano de 2007, fazer predominar temas práticos, temas relacionados com as atitudes e ações dos cristãos em meio aos dias difíceis que estamos a viver, dias imediatamente anteriores à volta de Cristo.

Neste trimestre, analisaremos, sob o ponto-de-vista do caráter, as vidas de homens e mulheres de Deus que nos servem de “nuvem de testemunhas” (Hb.12:1), de exemplos e referências ao longo de nossa jornada rumo ao céu.

Um dos objetivos divinos ao revelar a biografia de algumas pessoas nas páginas sagradas é, precisamente, o de nos dar exemplos de vidas que se relacionaram com Deus, a fim de que, através destas narrativas, tenhamos elementos para construir um sólido e frutífero relacionamento com o Senhor e sejamos vitoriosos ao final da caminhada.

Com exceção de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, todos os homens pecaram e, por isso, destituídos foram da glória de Deus (Rm.3:23). O resultado disto é que ninguém, nem um ser humano sequer, é apresentado nas páginas sagradas como sendo pessoa que não tenha cometido erros ao longo de sua existência terrena. A constatação divina prossegue sendo a narrada pelo salmista: “Desviaram-se todos e juntamente se fizeram imundos; não há quem faça o bem, não há sequer um.”(Sl.14:3), assertiva que é repetida pelo apóstolo Paulo em Rm.3:10.

Entretanto, se vemos que todos os homens não alcançaram a perfeição, também podemos perceber, nas Escrituras, que Deus sempre esteve disposto a perdoar o homem que se arrependesse de seus erros. Por isso, apesar das inevitáveis demonstrações de imperfeição, o texto sagrado mostra-nos como podemos nos chegar ao Senhor e reconstruirmos a retidão que era inerente à natureza humana (Ec.7:29).

Já fazia algum tempo que não estudávamos a biografia de personagens bíblicos e este estudo é sempre salutar, pois nos anima na senda da fé, pois, com estas vidas, aprendemos o que devemos e o que não devemos fazer, como agradar a Deus e como alcançar a vitória tão almejada.

Como disse o escritor aos hebreus, todos estes homens e mulheres servem-nos de “testemunhas”, ou seja, provas de que Deus é bom e de que a Sua benignidade dura para sempre. Ao contemplarmos estas vidas e como Deus as conduziu, não temos outra atitude senão a do salmista que, ao lembrar que o homem é tão insignificante em comparação a Deus, mas, mesmo assim, tão abençoado pelo Senhor, apenas exclama: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o Teu nome sobre toda a Terra!” (Sl.8:9).

Depois de uma lição introdutória, em que se analisará qual é o caráter cristão e como ele tem de ser construído por intermédio da obra salvífica de Cristo Jesus (lição 1), adentraremos no estudo de algumas personagens bíblicas, lembrando sempre que a seqüência das lições não está na ordem cronológica, mas, sim, diretamente relacionada à questão do caráter.

Assim, iniciaremos o estudo das personagens bíblicas com o rei Davi, um homem segundo o coração de Deus (lição 2), um tipo de Jesus Cristo, quando verificaremos que a primeira característica de um servo de Deus é a humildade de espírito, como bem salienta o Senhor no sermão do monte (Mt.5:3 ARA).

Em seguida, estudaremos o profeta Elias (lição 3), quando ressaltaremos a necessidade de a humildade de espírito, já aprendida em Davi, ser acompanhada de determinação e obediência.

Na lição 4, será a vez de aprendermos o que significa o altruísmo, esta característica básica de quem tem o amor de Deus, estudando, para tanto, a vida da rainha Ester. Depois, veremos a importância da integridade como meio de servir a Deus, através da história de José, o patriarca hebreu que se tornou governador do Egito (lição 5).

Ainda na seqüência da necessidade de termos uma vida de santidade e justiça, estudada será a vida do patriarca Noé, um exemplo em dias de tanta corrupção como os da geração antediluviana (lição 6). Na lição 7, veremos o valor da coragem na vida da profetisa e juíza Débora.

Nas lições 8 e 9, analisaremos os dois grandes apóstolos, Paulo e Pedro, a fim de aprendermos com eles como devemos agir ante a obra de Deus, na tarefa que nos deu o Senhor de pregarmos o Evangelho e sermos dinâmicos em tal missão.

Na lição 10, com Sara, a matriarca, estudaremos o verdadeiro significado da submissão feminina, algo indispensável para bem compreendermos o papel de cada sexo no serviço a Deus, num mundo tão transtornado em seus fundamentos (Sl.11:3), tendo ocasião para verificar como deve ser nosso comportamento familiar.

Ao estudarmos a vida de Moisés, na lição 11, teremos a oportunidade de observar como deve se comportar o líder, figura cada vez mais escassa em dias de autoritarismo e de indevido domínio sobre o povo de Deus ou sobre as sociedades seculares.

Na lição 12, com o patriarca Abraão, veremos que a presença de um verdadeiro caráter de acordo com a vontade de Deus leva-nos a uma vida de amizade com Deus e que, sendo amigos de Deus e, conseqüentemente, inimigos do mundo (Tg.4:4) exige muito mais do que um estado mental e teórico.

Por fim, na lição 13, estudaremos o modelo perfeito, Aquele que jamais pecou, Aquele cujas pisadas temos de seguir (I Pe.2:21), Aquele a quem devemos imitar (I Co.11:1): nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Que o estudo destas biografias ao longo do trimestre possa nos ajudar a melhorar os nossos caminhos diante de Deus e a atingirmos um caráter que agrade ao Senhor.

B) LIÇÃO 1 – A NATUREZA DO CARÁTER CRISTÃO

O homem salvo por Jesus é uma nova criatura e, por isso, seu caráter é completamente transformado pelo Espírito Santo, restaurando a imagem e semelhança de Deus distorcidas com o pecado.



INTRODUÇÃO

- Neste trimestre, o tema é a busca do caráter cristão, ou seja, uma proposta de melhoria da nossa vida espiritual, um estímulo para o crescimento espiritual de cada um, através da análise da vida de homens e mulheres de Deus. A vida cristã exige de cada um de nós um contínuo aperfeiçoamento e é este o objetivo do Setor de Educação de Cristã da CPAD ao nos introduzir neste estudo. Que, ao término do trimestre, possamos todos ter a convicção de que as lições nos serviram para que tenhamos atendido ao clamor do profeta: “…melhorai os vossos caminhos e as vossas ações.” (Jr.18:11 “in fine”, isto é, a parte final do versículo).

- Antes de estudarmos algumas personagens bíblicas para com o seu exemplo obtermos uma melhoria de nossa vida cristã, analisaremos, nesta primeira lição, o que é o caráter cristão, ou seja, precisamos, antes, saber o que é o caráter e como ele é transformado quando da nossa salvação.

I – O QUE É CARÁTER

- Sabemos que cada ser humano é diferente do outro, que não existe um indivíduo idêntico a outro, porque Deus não produz homens em série, como costumamos ver nas indústrias, mas, sim, dentro de Seu supremo poder, cria cada homem individualmente, como vemos, aliás, no relato da criação de nossos primeiros pais, cada um feito separadamente e com cuidado especial de Deus (Gn.2:7; 2:21,22). Por isso, cada homem deve responder individualmente perante o Senhor (Ez.18:30; Rm.14:10; Ap.20:13).

- Como ensinam os psicólogos, porém, esta individualidade do homem, conhecida como personalidade, deve ser dividida, basicamente, em dois elementos básicos: o temperamento e o caráter. “…Muitas teorias utilizam o conceito de caráter como uma parte integrante da personalidade e que define uma forma definida de conduta, que não é inata mas constituída pela história de vida de cada sujeito, considerando a condição social, ambiente familiar, educação e todos os aspectos importantes para a construção das características de cada um. O temperamento é definido como um estado orgânico e neuropsíquico constitucional e que define atitudes e atividades espontâneas, sendo inato. As influências do temperamento dos seres humanos são do sistema nervoso, composição bioquímica, hereditariedade e características físicas, enquanto que o caráter é influenciado pelo ambiente. Estas características definem o temperamento como algo imutável, embora possa ser controlado e dominado. O caráter é construído ao decorrer da vida do indivíduo e pode ser modificado.…” (Caráter e temperamento. Enciclopédia Digital. Disponível em Acesso em: 28 nov.2004).

- Percebemos, portanto, que o indivíduo nasce com uma constituição (que é única no mundo) que trará o seu temperamento, enquanto que será moldado pelo ambiente em que vive em seu caráter. Este é um dos fatores pelos quais, embora sejamos crentes em Cristo Jesus, não somos iguais uns aos outros. Pelo contrário, cada um, embora tenha em si a mesma essência, ou seja, o espírito vivificado por Cristo, que nos torna conscientes e sensíveis à voz do Senhor, tementes à Sua Palavra e que nos impede de viver pecando, somos diferentes uns dos outros, a ponto, inclusive, de o apóstolo Paulo ter comparado a Igreja a um corpo humano, que é uma unidade, mas cujos membros são bem diferentes uns dos outros. Embora tenhamos a mesma essência, temos uma FORMA diferente, para aqui se utilizar da feliz expressão utilizada pelo pastor Rick Warren.

OBS: “…Não nos damos conta de como cada um de nós é verdadeiramente único. As moléculas de DNA podem se reunir em um número infinito de formas. A possibilidade de você algum dia vir a encontrar alguém exatamente igual a você é de 1 para 10 elevado a 2 400 000 000ª potência. Se você escrever esse número com cada zero da espessura de uma polegada, seria necessário uma tira de papel com 60 mil quilômetros ! Para que você coloque isso em perspectiva, alguns cientistas acreditam que o número de todas as partículas do Universo não passa de 10 seguido de 76 zeros, um número muito menor que as possibilidade de seu DNA. Sua singularidade é um fato científico da vida. Quando Deus o fez, Ele quebrou a forma. Nunca houve nem haverá alguém exatamente igual a você.(…). Você foi formado pelas experiências que teve na vida, estando a maioria delas além de seu controle. Deus as permitiu para o seu propósito na sua formação.…” (Rick WARREN. Uma vida com propósitos, p.213).

- Desta maneira, quando falamos que ocorre uma mudança na pessoa quando ela aceita a Cristo como seu Senhor e Salvador, não queremos dizer, com isto, que a pessoa passa a ser idêntica a tantas outras que seguiram o Senhor Jesus. As pessoas, quando aceitam a Cristo, não deixam de ser indivíduos, não perdem a sua individualidade, a sua distinção das demais pessoas, pois quem a fez foi Deus e operando Ele, quem pode impedir ? (Is.43:13). Embora a salvação seja a manifestação da graça de Deus (Tt.2:11), sabemos que Deus não pode negar a Si mesmo (II Tm.2:13b), de forma que a salvação jamais representaria a aniquilação do ser humano que foi criado pelo Senhor, mas a sua submissão à vontade do Senhor.

- A salvação, portanto, não altera a individualidade do salvo, e, portanto, não muda o seu temperamento, que é a parte da personalidade que está ligada à criação, mas, como se trata de uma mudança radical, pois, como ensina o Senhor Jesus, quem é salvo passa da morte para a vida (Jo.5:24), temos uma transformação completa não no temperamento, mas no caráter.

- “…Em contraste ao temperamento, que é principalmente herdado, o caráter é ‘menos herdado’ e é moderadamente influenciado pelo aprendizado social, pela cultura e eventos casuais da vida únicos ao indivíduo(…)Três traços principais de caráter foram distinguidos: auto-direcionamento, cooperatividade e auto-transcendência(…).Auto-direcionamento quantifica a intensidade com a qual o indivíduo é responsável, confiável, disponível, objetivo e auto-confidente.(…). A cooperatividade quantifica a intensidade com a qual os indivíduos se consideram partes integrantes da sociedade humana.(…). A auto-transcendência quantifica a intensidade com a qual as pessoas se consideram partes integrais do universo como um todo. …” (Décio Gilberto NATRIELLI. Neurobiologia da personalidade. Disponível em < http://www.google.com/search?q=cache:PkzTLCHLmRkJ:www.psiquiatriageral.com.br/

psicopatologia/Neurobiologia_da_Personalidade.htm+car%C3%A1ter,+personalidade,+temperamento&hl=pt-BR Acesso em: 28 nov.2004).

- Vemos, pois, que, para os psicólogos, o caráter é aquilo que é adquirido ao longo da vida, aquilo que é apreendido pelo homem no seu convívio com o ambiente onde vive, ou seja, aquilo que incorpora, conscientemente ou não, ao longo da sua história. Ora, a Bíblia mostra-nos, claramente, que o homem, ao fazer opção entre servir a Deus ou não, acabou optando por conhecer o mal, o que lhe foi altamente desfavorável, pois, em assim fazendo, morreu espiritualmente, pois pecou e isto fez divisão entre ele e Deus. Em virtude deste pecado, o homem se sujeito ao domínio do pecado (Gn.4:7; Jo.8:34), de tal maneira que, adquirindo a consciência, o homem, que se encontra dominado pelo pecado, cuja natureza é pecaminosa (que é a “carne” mencionada em varas passagens bíblicas, notadamente em Romanos), acaba pecando e construindo um caráter contrário à vontade de Deus.

- O homem sem Deus, portanto, dotado de uma natureza pecaminosa, outra coisa não faz senão desobedecer ao Senhor e satisfazer aos desejos da carne, praticando atitudes e ações que revelam um sentimento de auto-suficiência e de egoísmo (são “amantes de si mesmos”, cfr. II Tm.3:2), que levam a um caráter altamente reprovável, despido de auto-direcionamento (não segue a sua vontade, mas o curso deste mundo – Rm.7:15; Ef.2:2), de cooperatividade (não leva em conta o próximo, mas única e exclusivamente a si próprio, aos seus deleites – Lc.8:14, I Tm.5:16; Tg.4:1) e de auto-transcendência (são cegos e não reconhecem a Deus como o Senhor de todas as coisas – Mt.15:14; Jo.9:41; Rm.2:17-29).

- Entretanto, quando o homem aceita a Cristo, ocorre uma verdadeira transformação no seu ser. O espírito do homem (que é a parte do homem encarregada da ligação do homem com Deus, que é responsável pela consciência e pela fé natural) é vivificado em Cristo (I Co.15:22), pois, com o perdão dos pecados mediante o sacrifício de Cristo no Calvário, que é aceito pelo homem que se converte a Jesus, somos justificados e passamos a ter paz com Deus (Rm.5:1). Vivificado, o espírito passa a controlar a alma e o corpo e se submete ao Espírito Santo, mantendo com Ele comunhão pelo qual clama “Abba, Pai” (Rm.8:9-17). Neste momento, ocorre o que Jesus denominou de novo nascimento (Jo.3:3).

- A partir do novo nascimento, o homem passa a ter um novo ambiente, que é o ambiente da comunhão com o Senhor, pois o próprio Senhor vem habitar no crente (Rm.8:9, Jo.14:23) e isto fará com que seja modificado o seu caráter. Sim, a experiência da salvação transformará a parte da personalidade do homem que é adquirida, ou seja, o caráter, que passará a ser igual a de todos os demais crentes, pois “…há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos.” (Ef.4:4-6).

- Entretanto, cada um continua a ser diferente um do outro, porque a individualidade, como vimos, não pode ser destruída nem aniquilada, de tal sorte que o mesmo apóstolo Paulo, após enfatizar a unidade de caráter entre os crentes, faz questão de dizer que “…a graça de Deus é dada a cada um de nós, segundo a medida do dom de Cristo.…” (Ef.4:7) e, em outra passagem, “…o corpo é um e tem muitos membros e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo(…)o corpo não é um só membro, mas muitos…” (Rm12:12,14).

- Assim, se adquirimos um novo caráter, o caráter cristão, que é o que Paulo denomina de “o fruto do Espírito”, que é idêntico a todos os crentes, pois resultado da atuação do mesmo Espírito que habita em cada um deles, não devemos nos esquecer de que cada crente tem seu temperamento, que o faz diferente um do outro, mas que, necessariamente, tem de estar sob o controle do Espírito Santo. Assim, cada crente é diferente um do outro, pois tem um temperamento distinto do de cada irmão em Cristo, e este temperamento não é modificado pela salvação, pois é resultado de obra divina, que não pode ser aniquilada pelo próprio Deus, mas este temperamento é dirigido e controlado pelo Espírito Santo, de forma que as ações e as obras do crente não são feitas em detrimento da doutrina, pois há um controle do Espírito sobre o nosso espírito e do nosso espírito sobre o nosso temperamento.

OBS: “…Você é a única pessoa na Terra que pode usar suas habilidades. Ninguém mais pode assumir o seu papel, porque ninguém mais possui a configuração exclusiva que Deus lhe deu. A Bíblia diz que Deus equipa você com tudo o que [você necessita] para fazer a sua vontade.(Hb.13:21 – A Bíblia Viva).…” (Rick WARREN. Uma vida com propósitos, p.211).

- O segredo, portanto, de apresentarmos um caráter cristão e de controlarmos o nosso temperamento para que este caráter se forme e, portanto, que produzamos o fruto do Espírito, é o de nascermos de novo, de realmente crermos em Jesus e deixarmos que o Espírito Santo domine a nossa vida, que submetamos o nosso espírito ao Espírito Santo e, desta forma, apesar de nosso temperamento, produziremos o fruto do Espírito. Por isso, não podemos concordar com pessoas que querem servir a Deus “do jeito que são”, que “Deus respeita o meu modo de ser”, pois não é isto que dizem as Escrituras. Embora reconheçamos a individualidade de cada um e de que ninguém é igual a ninguém, não podemos concordar com a teoria de que “ninguém é de ninguém”. Somos de Cristo e a Ele pertencemos, se é que realmente cremos nEle como nosso Salvador. Somos Sua propriedade, porque fomos comprados por Ele por bom preço (I Co.6:20a).

II – O CARÁTER DO HOMEM ANTES DA QUEDA

- Pelo que vemos até aqui, o homem, ao ser salvo por Cristo Jesus, tem uma transformação de caráter, caráter este que se encontrava corrompido por causa do pecado. Entretanto, quando o homem foi criado por Deus, este caráter era bom, até porque tudo quanto Deus foi muito bom (Gn.1:31).

- Logo quando o Senhor anuncia a criação do homem, afirma que este ser será feito à Sua imagem conforme a Sua semelhança (Gn.1:26), numa clara demonstração, pois, de que o homem teria um caráter exemplar, uma estrutura moral e espiritual que faria lembrar a do próprio Deus. É, aliás, este o significado das palavras de Salomão, ao dizer que Deus fez o homem reto (Ec.7:29).

- Sendo imagem e semelhança de Deus, o homem era dotado de um caráter que o tornava o reflexo da glória do Senhor. Olhando para o homem, era possível enxergar o próprio caráter divino, pois o homem era uma projeção de Deus na criação. Assim como o querubim ungido, que “era perfeito nos seus caminhos, desde o dia em que foi criado até que se achou iniqüidade nele” (cf. Ez.28:15), assim também era o homem.

- A primeira característica apontada por Deus neste caráter de Sua mais sublime criatura é a capacidade de liderança, o domínio sobre a criação terrena. Ao anunciar a criação, Deus disse que o homem dominaria sobre a criação terrena (Gn.1:26). O homem, a exemplo de Deus, teria a habilidade de controlar a criação terrena, de demonstrar sua superioridade em relação a ela, a tudo dominando, a tudo administrando. A capacidade de domínio e de liderança é essencial para que se tenha um caráter de acordo com a vontade divina e isto exige, em primeiro lugar, a separação do pecado, a santidade.

- Jesus nos ensinou ao afirmar que somente pode ter esta capacidade de domínio sobre todas as coisas, inclusive sobre si mesmo, aquele que não peca: “…Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado.” (Jo.8:34b). Dizer que o homem dominaria sobre a criação terrena era o mesmo que dizer que ele não pecaria, que seria separado do pecado, que seria santo.

- A santidade, pois, é a primeira nota que se anuncia no caráter do homem, feito reto por Deus. Não é, pois, surpreendente, como se viu supra, que a entrada do pecado no mundo tenha corrompido este caráter original do ser humano. O próprio Deus, ao advertir Caim, foi claro ao mostrar-lhe que era dever do ser humano impedir que esta capacidade de domínio fosse perdida por causa do pecar (Gn.4:7). O homem deveria viver sem pecar, construindo, assim, um caráter santo.

- Mas, além da santidade, que é apresentada pelo seu efeito no texto sagrado, ou seja, o domínio sobre a criação terrena, o Senhor também nos mostra que o homem feito reto era, também frutífero. “Frutificai” foi a primeira ordem dada por Deus ao homem, revelando, assim, outra capacidade que tinha o homem que criara (Gn.1:28).

- Este “frutificar” tem sido, muitas vezes, confundido com a reprodução biológica. Entretanto, se bem analisarmos o caso, veremos que não se trata, propriamente, da reprodução, porque a ordem divina prossegue com a determinação de “multiplicação” para que se enchesse a terra, estando, assim, a reprodução da espécie relacionada com esta última determinação, mais do que a primeira.

- Ante esta consideração, a idéia da “frutificação” encontra-se vinculada a algo mais sublime que a reprodução biológica, a algo atinente à dimensão espiritual, como, aliás, o Senhor Jesus nos deixa perceber quando nos conta a parábola do semeador, em que mostra que quem frutifica é aquele que tem boa terra para acolher a Palavra de Deus (Mt.13:23). Frutificar nada mais é que ouvir e compreender a Palavra de Deus, é crescer espiritualmente, ter comunhão com Deus.

- O profeta Oséias afirma que devemos conhecer e prosseguir em conhecer ao Senhor (Os.6:3 “in initio”, isto é, a parte inicial do versículo). Ora, entre os hebreus, “conhecer” tem um significado de ter intimidade, de se unir profundamente, tanto que o relacionamento íntimo entre um homem e uma mulher é chamado de “conhecer” (Gn.4:1; Mt.1:25). Assim, o que o profeta nos convida a fazer é termos intimidade com Deus, buscarmos nos unir a Ele cada vez mais, de modo ininterrupto.

- Este é o significado da determinação divina primeira no instante em que o Senhor cria o homem, a mostrar que, no caráter deste ser, estava o desejo de buscar incessantemente o seu Criador. O homem foi feito para buscar a presença de Deus, procurar, de modo ininterrupto, o conhecimento de Deus, ou seja, a comunhão, a presença constante, a companhia do seu Criador. Chegar-se a Deus é um traço característico do ser humano e a explicação do porquê do grande vazio que está presente nas milhões de vidas que, por causa do pecado, distantes estão do Senhor. Esta ausência de “frutificação” é a principal responsável por tudo que o homem faz ser, como aponta o mais sábio de todos os homens, apenas vaidade (Ec.12:8 “in fine”).

- Outra nota do caráter humano que nos aponta o Senhor é a sociabilidade, ou seja, a capacidade que o homem tem de viver em sociedade, de conviver. O homem deveria se relacionar não só com Deus, o que é representado pela “frutificação”, mas, também, com outros seres humanos, pois deveria se multiplicar e encher a Terra (Gn.1:28). O homem foi feito um ser social e, como tal, deveria saber conviver com outros seres humanos.

- Notamos, assim, que o homem deveria aprender a conviver com os outros seres humanos, a se relacionar com eles de forma salutar, a levar em conta o outro em suas atitudes e ações. Além de compartilhar a sua vida com Deus, deveria fazê-lo em relação ao próximo. Vemos, pois, que o homem deveria desenvolver o amor, seja o amor a Deus, seja o amor ao próximo, que, não por acaso, são os dois grandes mandamentos da lei (Mt.22:36-40).

- O homem foi feito para amar, amar a Deus e amar o próximo, inclusive amar a si mesmo. A falta de amor é uma das grandes mazelas do mundo sem Deus e sem salvação, é a própria negação do propósito divino ao ser humano, uma criatura feita para projetar aquilo que de mais essencial há em Deus, que é definido pelo apóstolo João tão somente como amor (I Jo.4:8).

- Este homem santo, que busca incessantemente a Deus, que ama a Deus e ao próximo é o homem reto de que fala Salomão. O caráter do homem se deveria, pois, construir, na separação do pecado, na busca incessante de Deus e no desenvolvimento do amor a Deus e ao próximo. Tudo isto, porém, foi perdido quando o homem pecou, pois o pecado fez com que o homem perdesse a santidade, não pudesse mais ter comunhão com Deus e, como conseqüência, perdesse o amor a Deus, ao próximo e a si mesmo.

III – O CARÁTER DO HOMEM DEPOIS DA QUEDA

- Com a entrada do pecado no mundo, através de um homem (Rm.5:12), temos a perda do caráter original do ser humano. Como vimos, o caráter é adquirido através da convivência, do convívio do homem com o seu semelhante e o primeiro casal, ao pecar, perdeu o convívio com Deus e, diante disto, não tinha como construir um caráter que se conformasse aos propósitos divinos. Esta separação entre Deus e o homem, por causa do pecado, é a morte, morte já anunciada pelo Senhor quando de Sua advertência para que houvesse obediência à Sua Palavra (Gn.2:16,17).

- A morte espiritual impediu que o homem pudesse desenvolver um caráter de acordo com os propósitos divinos. Separado de Deus, o homem foi dominado pelo pecado e surge dentro de si a natureza pecaminosa, a natureza corrompida, a iniqüidade que impede que o homem seja reto, como havia sido criado por Deus. A retidão, que nada mais é que o desenvolvimento do caráter segundo o propósito do Criador, é perdida e, em seu lugar, surgem as “muitas invenções”, as “muitas intrigas” em que o homem é envolvido, para se utilizar aqui do texto de Ec.7:29 da “Bíblia Hebraica”, como foi denominada a tradução recente em língua portuguesa feita por David Gorodovits e Jairo Fridlin.

- Após a queda, o homem passou a ser um servo do pecado (Jo.8:34), nada mais fazendo senão o desejo de sua natureza pecaminosa (Rm.7:14-24), que o atrai e o leva, inevitavelmente, ao pecado (Tg.1:14,15). Seu caráter, portanto, passa a ser moldado pelo pecado, distorcendo a imagem e semelhança de Deus que lhe foram impressas no momento de sua criação.

- Desde a narrativa da queda do primeiro casal, percebemos como é diferente o homem pecador daquele propósito estabelecido por Deus. De dominador, de capaz de sujeitar toda a criação terrena, o homem passa a ser dominado pelo pecado que nele está. A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (I Jo.2:16) fazem com que o homem, seguidamente, vá desagradando a Deus, numa escalada ilimitada, um abismo chamando outro abismo (Sl.42:7), numa continuidade da prática do mal (Gn.6:5), que consegue superar a medida da longanimidade e da misericórdia do Senhor, a ponto de exigir dEle a aplicação de juízos, como o dilúvio, a confusão das línguas, a destruição de Sodoma e Gomorra, as pragas do Egito, a destruição dos povos que habitavam Canaã, entre outros.

- Este caráter pecaminoso tem se mantido ao longo dos séculos e perdurará até o instante do juízo final que Deus aplicará sobre todos aqueles que O rejeitaram e a Seu Filho. Lamentavelmente, milhões e milhões serão aqueles que, apesar da obra salvadora de Jesus Cristo, optarão pela manutenção sob a escravidão do pecado e, por causa disto, não alcançarão a vida eterna, mas serão lançados no lago de fogo e enxofre. Que Deus nos guarde e que possamos, o quanto antes, aceitar o convite da salvação na pessoa bendita de Cristo Jesus e passarmos a ser uma nova criatura, passando da morte para a vida.(Jo.5:24), passagem esta que se verifica pela mudança de caráter, pois só quando nos separamos do pecado, buscamos incessantemente a Deus e, por causa disto, amamos a Deus e a nossos irmãos, podemos dizer que, realmente, temos a vida eterna (I Jo.3:14).

- O caráter do homem pecaminoso está bem descrito pelo apóstolo Paulo em II Tm.3:1-5, texto, aliás, que serviu de base para o estudo da EBD no trimestre anterior. Numa extensa lista, o apóstolo apresenta quais são as notas marcantes do caráter do pecador. Ante o estudo exaustivo no trimestre passado, limitar-nos-emos aqui a apenas atestar em que tais características destoam do propósito originalmente estabelecido para o Criador. Senão vejamos.

- A santidade originariamente estabelecida por Deus ao homem é completamente distorcida pelo pecado. Em sendo santo, como vimos, o homem teria a capacidade de dominar sobre toda a criação terrena, de sujeitá-la. No entanto, vivendo em pecado, seu caráter apresenta um homem escravizado, sem domínio sequer sobre si mesmo, que dirá sobre as demais criaturas. O caráter do homem pecador tem as seguintes notas que negam o propósito divino da santidade, a saber:

a) avarento – o homem pecador está escravizado pelo amor do dinheiro. Serve a Mamom, é um idólatra (Mt.6:24; Lc.16:13; Cl.3:5).

b) desobediente a pais e mães – o homem pecador é um desobediente, não aceita qualquer autoridade, inclusive a de seus próprios pais.

c) incontinente – o homem pecador não tem domínio sobre si mesmo, é escravo do pecado e, por isso, não consegue conter os seus desejos e paixões, é um desequilibrado.

c) profano – o homem pecador não distingue o que é santo do que é profano, o que é dedicado a Deus do que não o é, gerando a abominação do Senhor.

d) tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela – o homem pecador não tem a essência divina, nele não habita o Espírito Santo e, por isso, todas as suas atitudes negam a imagem e semelhança de Deus que ele parece ostentar.

- Mas, além de não ser santo, o homem pecador também não frutifica, não busca a Deus nem está interessado em dele se aproximar. Cada vez mais se distancia do seu Criador, desprezando-O completamente. O caráter do homem pecador tem as seguintes notas que negam o propósito divino da frutificação, a saber:

a) presunçoso – o homem pecador acha-se superior aos demais e ao próprio Deus e, por isso, nem sequer procura a presença de Deus ou a Sua companhia.

b) soberbo – o homem pecador é auto-suficiente, acha que não precisa de pessoa alguma, inclusive de Deus. Por isso, não vai ao encontro do Senhor nem pede a Sua misericórdia. Deixa Jesus do lado de fora da sua vida, como fizeram os crentes de Laodicéia, que, por se acharem ricos e sem falta de coisa alguma, assim fizeram com o Senhor, que ficou à porta, batendo (Ap.3:17,20).

c) blasfemo – o homem pecador, como não busca a Deus, injuria-O, ataca-O com palavras, pois a boca fala do que procede do coração (Mt.15:18) e, portanto, como o coração do homem pecador despreza a Deus, a boca revela este desprezo por meio de blasfêmias.

d) obstinado – o homem pecador não ouve a voz de Deus, sempre endurece o seu coração, é uma pessoa obstinada, surda à sabedoria divina.

- Por fim, o caráter do homem pecador não tem amor, seja o amor a Deus, seja o amor ao próximo. Separado de Deus por causa do pecado bem como sem querer buscá-lO, o homem não tem, mesmo, como ter amor, vez que Deus é amor e não há outra fonte possível de obtê-lo a não ser no Senhor. O caráter do homem pecador tem as seguintes notas que negam o propósito divino do amor, a saber:

a) amante de si mesmo – a primeira nota que Paulo aponta no homem pecador é a total impossibilidade de relacionamento com Deus e com o próximo. O pecador somente olha para si mesmo, ama a si mesmo, ou melhor, acha que ama a si mesmo, pois, se realmente se amasse, aceitaria a oferta de salvação na pessoa de Jesus Cristo. O homem pecador tudo faz apenas para saciar a natureza pecaminosa que o domina, o “corpo da morte” mencionado por Paulo (Rm.7:24).

b) ingrato – o homem pecador é incapaz de agradecer e retribuir ao favor seja de Deus, seja do próximo. Não sabe nem tem condições de aprender o que é agradecer, ser grato.

c) sem afeto natural – o homem pecador é incapaz de ter afetividade, de ter afeição por alguém. Só pensa nele, ou antes, em satisfazer os desejos incontidos que estão em si mesmo, a concupiscência.

d) irreconciliável – o homem pecador é incapaz de ter verdadeiros relacionamentos com os outros. Não consegue se reconciliar com quem frustrou os seus interesses, jamais perdoa ou quer bem a outrem.

e) cruel – o homem pecador tem prazer no sofrimento do outro, desde que isto signifique a satisfação dos seus interesses imediatos.

f) sem amor para com os bons – o homem pecador não tem amor, é ruim e, por isso, a existência de pessoas boas o incomoda e gera nele um ódio, que o leva ao desejo de eliminação dos bons que se encontram à sua volta.

g) traidor – o homem pecador não sabe o que é honrar a confiança do outro, não sabe o que é lealdade. Não tem amigos, apenas interesses e, por isso, trai com facilidade, desde que isto lhe traga benefícios imediatos.

h) orgulhoso – o homem pecador, na sua convivência com os demais, em vez de aprender com os outros e lhes dar valor, engrandece-se, entende-se superior aos demais, “incha” e, por isso, menospreza os demais, inclusive a Deus. Não sabe se relacionar, isola-se, esquecendo-se de que é menos que nada (Is.40:17).

i) mais amigo dos deleites do que amigo de Deus – o homem pecador não tem interesse algum em amar a Deus. Ama tão somente aos prazeres buscados pela sua natureza pecaminosa e entre esta satisfação e Deus, sempre busca a satisfação.

- O homem pecador adquire, ao longo de sua existência, maus hábitos, na sua convivência com o pecado, distancia-se cada vez mais do Senhor. Por isso, diz o apóstolo, “aprendem sempre e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade” (II Tm.3:7). São homens que “…resistem à verdade, (…) corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé. Não irão, porém, avante, porque a todos será manifesto o seu desvario…” (II Tm.3:8,9).

- Este caráter tão distante do propósito divino é o produtor do que o apóstolo denomina, na sua carta aos gálatas, de “obras da carne” (Gl.5:19-21), uma lista extensa e que é tão somente enumerativa, ou seja, as ações são tantas que o apóstolo, após ter apontado dezesseis condutas reprováveis, termina dizendo que existiam outras “semelhantes àquelas”, não esgotando, assim, as maldades possíveis, pois o homem pecador, lamentavelmente, possui uma imaginação continuadamente má (Gn.6:5). Por isso, o pecado se multiplica, máxime nos dias em que estamos a viver (Mt.24:12).

IV – A SALVAÇÃO EM JESUS CRISTO TRANSFORMA O CARÁTER DO HOMEM E RESTABELECE O PROPÓSITO DIVINO DA SANTIDADE E DA FRUTIFICAÇÃO

- No entanto, é esta é a boa notícia que Deus traz ao homem, o “Evangelho”, o homem pode ser liberto da sua natureza pecaminosa e tornar a ter a imagem e semelhança de Deus que foi distorcida quando da queda do primeiro casal. Jesus veio trazer vida, isto é, tornar a estabelecer um convívio, uma comunhão entre Deus e o homem.

- Ao vir ao mundo para morrer por nós na cruz do Calvário, o Senhor Jesus tinha como objetivo tornar possível a reconstrução do caráter do homem. Morrendo em nosso lugar na cruz, Cristo pagou o preço do pecado e, assim, tirou o pecado do mundo (Jo.1:29 “in fine”). Tirando o pecado, tirou a parede de separação que havia entre Deus e o homem (Is.59:2; Ef.2:13-19), de modo que podemos nos tornar santos uma vez mais(I Co.1:2; 6:11; 10:10,14). Tendo sido santificados e nos mantendo santos em toda a nossa maneira de viver (I Pe.1:15), tornamos a ter domínio sobre o pecado e, desta maneira, voltamos a corresponder ao propósito divino da santidade. Por isso, Jesus foi tão enfático: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente, sereis livres” (Jo.8:36).

- Mas, quando Jesus veio, não só tirou o pecado do mundo, mas nos trouxe a revelação completa do Pai, apresentou em toda a sua plenitude a Palavra de Deus, pois Ele é o Verbo (Jo.1:1). O Senhor Jesus nos fez conhecer tudo quanto havia ouvido do Pai (Jo.15:15). Ora, a Palavra de Deus, além de ser o principal instrumento da nossa santificação (Jo.17:17), é também a semente que, caindo em boa terra, permite a frutificação (Mt.13:19,23). Assim, Jesus, também, trouxe ao caráter do homem, novamente, o propósito divino da frutificação.

- Em vez das “obras da carne” produzidas pelo caráter pecaminoso, Jesus nos chama para que demos fruto e fruto permanente (Jo.15:16), o fruto do Espírito, como o denomina o apóstolo Paulo (Gl.5:22). Este fruto do Espírito é o que caracteriza o verdadeiro discípulo de Jesus, como o Senhor deixa explicitado na abertura do sermão do monte, ao falar das bem-aventuranças (Mt.5:3-12). Senão vejamos.

- A primeira característica do fruto do Espírito é o seu próprio pressuposto: o amor. Sem que haja o verdadeiro amor na vida do crente, nenhuma das outras características poderão se manifestar na vida do homem. O amor e o seu contínuo desenvolvimento, como vimos, é o que deve ser buscado pelo cristão a cada dia, até o dia do arrebatamento da Igreja. Um amor que não é meramente teórico, que não é somente um belo discurso ou um estado mental, mas, sim, um amor prático, que faz boas obras e que faz os homens glorificarem a Deus que está nos céus(Mt.5:16).

- Este amor é resultado de nossa submissão ao Espírito Santo, de nossa aceitação de Cristo como nosso Senhor e Salvador. Daí porque estar relacionado com a primeira bem-aventurança mencionada por Jesus no sermão do monte. "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus"(Mt.5:3). Somente quem reconhece a Jesus como Senhor e Salvador, que se humilha diante do Senhor, quem nega a si mesmo e passa a fazer a vontade de Deus, tem a salvação, entra no reino dos céus. A "pobreza de espírito" ou " humildade de espírito", ou, ainda, "pobreza em espírito" nada mais é do que a qualidade decorrente do amor, esta qualidade fundamental do fruto do Espírito.

- A segunda característica do fruto do Espírito é o gozo ou alegria. Só o salvo pode ser uma pessoa alegre, pois a verdadeira alegria é conseqüência da salvação (Sl.51:12). É nesta alegria, inclusive, que recebemos força por parte do Senhor (Ne.8:10 "in fine"). A alegria é resultado de uma satisfação e o homem somente alcança este estado de satisfação quando entra em comunhão com seu Criador, algo que acontece quando nos arrependemos dos nossos pecados e aceitamos a Cristo como nosso Senhor e Salvador. Alegria não é um instante, um momento esporádico, mas é uma continuidade, um estado de satisfação. O crente desfruta de alegria, porque sente, permanentemente, o perdão dos seus pecados e a comunhão com o Senhor. Verdade é que, enquanto estivermos neste mundo, teremos aflições, tristezas e dores (Jo.16:33), mas estas adversidades não têm o condão de nos roubar a alegria. Eis aqui a grande diferença entre o crente e o ímpio: enquanto o homem do mundo corre atrás de momentos fugazes de contentamento, de descontração, de alegria (que o diga a indústria do entretenimento, um dos maiores negócios do mundo, sem se falar nas promessas de instantes de prazer apresentadas pela indústria do sexo), o servo de Deus tem instantes de tristeza, de dificuldade, mas sempre tem um gozo em seu coração.

- Esta alegria é mostrada por Jesus no sermão do monte, ao dizer que " bem-aventurados os que choram, porque serão consolados." (Mt.5:4). O servo de Deus está, ainda, sujeito a ter dificuldades, dores e tristezas nesta vida. O próprio Jesus, por duas oportunidades, chorou publicamente (Lc.19:41; Jo.11:35), mas, diz-nos as Escrituras, que sempre foi consolado nos seus momentos mais cruciais (Lc.22:43). A alegria do crente não é roubada, porque temos conosco e em nós o Consolador (Jo.14:16,17) e, por isso, mesmo mantemos a esperança e continuamos o nosso caminho para o céu. " 'Stou andando para o céu onde os santos já estão: 'stou alegre e satisfeito ! Minha pátria é Sião, morte lá não entrará; que alegria ali será ! Oh ! Glória e aleluia! Meu desejo é estar no céu; ' stou alegre e satisfeito. Oh1 Glória e aleluia! Meu desejo é estar no céu; que alegria ali será!" (1ª estrofe e refrão do hino 485 da Harpa Cristã).

- A terceira característica do fruto do Espírito é a paz. Quando a pessoa aceita a Jesus como Senhor e Salvador, passamos a ter paz com Deus (Rm.5:1) e, se temos paz com Deus, temos condição de termos paz interior e, no que depender de nós, ter paz com todos os demais homens (Rm.12:18). Paz é outro conceito que tem sido confundido ao longo dos séculos, pois o homem, no mundo, sem Deus e sem paz (Is.48:22), não pode, mesmo, saber o que é, verdadeiramente, a paz. A paz tem sido entendida como a ausência de conflitos, a falta de guerras, mas, quando verificamos tal situação, podemos dizer, seguramente, que não é na falta de guerras que temos paz. O chamado estado de beligerância, ou seja, a situação em que não há um conflito aberto, mas tão somente uma predisposição para o conflito, não pode ser considerado como sendo um período de paz. A verdadeira paz tem de ser entendida como um estado em que não só não há conflito, mas que não existe qualquer disposição para que ele exista. Temos paz quando há um clima de confiança, de intimidade, de compartilhamento entre as pessoas. A chamada paz do mundo nada mais é do que uma trégua, do que uma "guerra fria". No mundo, não há paz, pois só Jesus, o Príncipe da Paz (Is.9:6), pode dar a paz verdadeira, que é uma paz diferente da do mundo (Jo.14:27). A paz traz uma tranqüilidade ao crente, que não vive com medo ou com receio, que não se apavora, mas ouve sempre seu Senhor a dizer: "não temais". Vivemos dias em que as pessoas têm medo, insegurança, desconfiam até da própria sombra e, por causa disto, cometem os maiores desatinos e loucuras. O crente não é assim, mas desfruta a paz do Senhor.

- Esta paz que existe no crente faz com que ele seja bem-aventurado. Jesus disse que "bem-aventurados são os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus" (Mt.5:9). O crente, por ter a paz que o mundo não tem, acaba distribuindo esta paz aos demais homens, removendo as discórdias, conciliando as diferenças, proporcionando o bem-estar dos que estão à sua volta, sem violência, sem guerra. O crente surge no meio dos ímpios como aquele que traz a paz de Cristo. O gesto de saudarmos as pessoas com a paz do Senhor não deve ser um simples costume, mas uma real demonstração daquilo que estamos a oferecer ao próximo. Temos sido promotores da paz ? Temos posto "água fria" na fervura, ou somos daqueles que "põem fogo e saem de mansinho" ? Um filho de Deus é um pacificador e, mesmo que seja incompreendido e até violentamente morto, como foi o pastor norte-americano Marthin Luther King, passa para a história como alguém que teve e distribuiu a paz.

- A quarta característica do fruto do Espírito é a longanimidade (ou paciência). Se somos filhos de Deus, temos de ter a natureza divina e a Bíblia nos ensina que Deus é longânimo (Nm.14:18). Se Deus assim é, seus filhos têm de ser também. A longanimidade, ou seja, o longo ânimo, é a qualidade de suportar o próximo, de entender a sua fragilidade e saber esperar o instante adequado, o momento oportuno. Se Deus não fosse longânimo, nenhum ser humano estaria vivo sobre a face da Terra, pois Deus, certamente, já teria destruído esta geração pecaminosa e rebelde. O longânimo não é apressado, não se precipita, sabe esperar a hora certa. O longânimo não tem "o pavio curto", nem é "estourado". Nos dias atuais, onde todos querem tudo de imediato, em que o tempo real é a tônica, em que tudo é para agora, para já, ser longânimo é difícil, mas quem é nascido da água e do Espírito é longânimo, é paciente. Para gerar esta paciência no crente, Deus o submete a tribulações, pois é a tribulação que cria paciência em nós (Rm.5:3), que o diga o patriarca Jó (Tg.5:11). Sejamos pacientes, é o conselho que nos dá Tiago, o irmão do Senhor (Tg.5:7,8), Senhor que tudo suportou por amor a mim e a você (Hb.12:1,2).

- Esta longanimidade também gera uma bem-aventurança. É mais do que feliz o longânimo, porque, como Jesus nos ensinou, "bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus." (Mt.5:10). Aqueles que suportam a perseguição, a aflição, esperando no Senhor, terão a vitória, porque não confiam em carros nem em cavalos, mas fazem menção do nome do Senhor (Sl.20:7), não o negando com atos precipitados e carnais. " Sê bom soldado de Cristo Jesus, sofrendo as aflições. Não sufocando a mensagem da cruz nas perseguições. Vai Seu amor proclamando, novas de paz, sim, levando, aos que estão aguardando a salvação." (3ª estrofe do hino 394 da Harpa Cristã). O cristão sabe que, se padece com Cristo, com este mesmo Cristo será glorificado (Rm.8:17).

- A quinta característica do fruto do Espírito é a benignidade. O amor é benigno e quem tem o amor de Deus produz benignidade. A benignidade é a qualidade da boa-fé, da ausência de más intenções, de malícia e de maldade no coração ou no pensamento de alguém. Uma pessoa benigna é uma pessoa pura de propósitos e de objetivos. Jesus disse que não veio para condenar, mas para salvar o mundo (Jo.3:17). Nós, como filhos de Deus, co-herdeiros de Cristo (Rm.8:17), também não estamos no mundo para o condenarmos, mas para contribuir para a sua salvação, daí porque termos o dever de pregar o Evangelho (Mc.16:15), que é a salvação de todo aquele que crê (Rm.1:16). Quais têm sido os nossos pensamentos e intenções?

- Esta benignidade é indispensável para que possamos ver a Deus. Jesus, no sermão do monte, foi claro ao afirmar que "bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus" (Mt.5:8). Para que tenhamos a visão de Deus, ou seja, para que haja comunhão entre o homem e Deus, é indispensável que haja pureza de coração, ou seja, não adianta sermos puros exteriormente, mas devemos ter uma pureza interior, de intenções, de propósitos e de objetivos, para que possamos ver a Deus. Esta pureza é resultado de uma vida de santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb.12:14).

- A sexta característica do fruto do Espírito é a bondade, ou seja, o verdadeiro e autêntico servo do Senhor é uma pessoa boa. Devemos aqui distinguir a benignidade da bondade. Enquanto a benignidade é um estado interno, subjetivo, da alma e do espírito, que resulta numa pureza de propósitos e de objetivos, a bondade é a realização de atos que promovem o bem de alguém. A bondade aqui apresentada como qualidade do Espírito Santo é a misericórdia, ou seja, a bondade em ação. Não basta ser puro em suas intenções, é preciso fazer o bem aos outros. Ser bom é isto, é fazer o bem. Ora, a Bíblia nos fala que Deus é bom(Sl.52:8)e não fosse a Sua misericórdia, já teríamos sido consumidos(Lm.3:22). Jesus andou fazendo bem (At.10:38) e se somos Seus imitadores, devemos também ser bons. A bondade não é algo próprio do homem, ninguém é bom por seus próprios méritos (Mt.19:17), mas algo que é transmitido ao homem mediante a salvação. Temos feito o bem? A Bíblia é taxativa ao dizer que é pecado não fazer o bem quando o sabemos fazer (Tg.4:17).

- É, também, uma bem-aventurança a bondade, a ação de fazer o bem, que é a misericórdia. " Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia" (Mt.5:7), disse Jesus no sermão do monte. Os filhos de Deus, por serem bons e estarem semeando o bem, certamente colherão a bondade divina e, no dia do arrebatamento, serão poupados da ira do Senhor (I Ts.1:10), em mais uma demonstração de misericórdia do Senhor para com o Seu povo.

- A sétima característica do fruto do Espírito é a fé. Esta fé não deve ser confundida seja com a fé salvadora, que é a fé dada por Deus através da Sua Palavra, que leva o homem a aceitar a Cristo como seu Senhor e Salvador, nem com a fé que é dom espiritual de poder, uma confiança episódica e momentânea que leva a uma demonstração do poder de Deus. A fé aqui mencionada é a fidelidade, a lealdade, um relacionamento de confiança em Deus em cada atitude, em cada gesto, em cada passo que é dado pelo crente nesta vida. A Bíblia diz que Deus é fiel (I Co.1:9;10:13; II Ts.3:3), permanecendo fiel mesmo que nos tornemos infiéis (II Tm.2:13). A fidelidade é o cumprimento do compromisso assumido, é a imutabilidade de porte e de conduta. Jesus é o exemplo maior de fidelidade, a ponto de Suas últimas palavras antes da morte terem sido " Está consumado", ou seja, ele cumpriu tudo o que o Pai lhe havia determinado a fazer. Temos sido fiéis a Deus ? A fidelidade não leva em conta as circunstâncias que nos cercam, nem mesmo a nossa própria vida. Daniel, por exemplo, foi fiel, mesmo que isto lhe tenha custado a cova dos leões. Como diz corinho que cantávamos na nossa infância na Escola Bíblica Dominical: "Fiel, ser fiel, fiel, ser fiel, crentes como Daniel, meus irmãos devemos ser!"

- A bem-aventurança da fidelidade encontra-se reproduzida no sermão do monte também. "Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por Minha causa" (Mt.5:12), disse Jesus. Nossa fidelidade a Jesus ocasionará, inevitavelmente, o ódio do mundo contra nós (Jo.15:19-21). Entretanto, devemos, diante destas dificuldades, exultar e nos alegrarmos, porque grande será o nosso galardão nos céus (Mt.5:12). Vale a pena ser fiel e honrar a Deus em nossas vidas, pois Deus honra aqueles que O seguem (Jo.12:26).

- A oitava característica do fruto do Espírito é a mansidão. O filho de Deus é manso, pois é participante da mesma natureza de Jesus, que é manso e humilde de coração (Mt.11:29), de quem, necessariamente, temos de aprender. Não podemos concordar que haja crentes irritadiços, irados, briguentos e que se conformem em ser assim, achando que isto é resultado de seu temperamento, é genético ou, como já chegamos a ouvir, é algo que Deus tolera e que somente será mudado por ocasião do arrebatamento ou da morte física. Quem está em Cristo é uma nova criatura e se o Espírito Santo habita em alguém, este Espírito é doce e meigo como a pomba, não arisco e violento como o tigre ou o leão. Se a Bíblia nos mostra que Moisés, um homem tão violento que, ao apartar uma briga alheia, houve receio de que matasse um dos contendores (Ex.2:13,14), tornou-se o homem mais manso sobre a terra (Nm.12:3), após ter se encontrado com Deus, por que admitiremos crentes que não sejam mansos? Quem manso não for, não é filho de Deus, não tem o fruto do Espírito.

- A mansuetude é uma bem-aventurança. "Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra" (Mt.5:5), ensinou Jesus no sermão do monte. Embora os homens achem que a terra será herdada pelos grandes guerreiros, pelos grandes estrategistas, pelos donos das armas mais poderosas do mundo, na verdade, quem vai herdar a terra são os mansos, aqueles que forem discípulos do Senhor. O povo de Israel chegou até a Terra Prometida, porque, entre outras coisas, tinha um líder manso, mansidão que foi fundamental para manter a unidade e a sobrevivência do povo durante a mudança de geração no deserto. Esta mesma mansidão tem de estar na liderança da igreja, neste instante em que as Assembléias de Deus estão, também, mudando de geração.

- A nona e última característica apontada por Paulo no fruto do Espírito é a temperança, ou seja, o domínio próprio, o autodomínio, o autocontrole. Quem foi transformado no ato da salvação passa a estar sob o Espírito de Deus e, assim sendo, tem domínio sobre si próprio, sobre o "eu", sobre a carne, a natureza pecaminosa, o velho homem, que está sempre pronto a se manifestar. O homem pecador é incontinente (II Tm.3:3), ou seja, não consegue se conter, não tem domínio sobre si mesmo. Na sua vida de pecado, vai sempre de mal a pior (II Tm.3:13), pois as Escrituras nos ensinam que um abismo chama outro abismo (Sl.42:7). O crente, entretanto, é moderado, sóbrio, modesto, equilibrado, porque é temperante, sabe controlar-se. Esta moderação faz com que o cristão não seja um extremista, não sendo justo ou injusto em demasia (Ec.7:16). Aqui vale a expressão popular: "o que é demais, é sobra". Os que confiam no Senhor são como o monte de Sião, que não se abala, mas permanece para sempre (Sl.125:1). Uma pessoa temperante não se deixa levar pelas circunstâncias, pelo desespero, mas sabe se controlar. É óbvio que moderação, autocontrole não significa insensibilidade. Naturalmente que o crente irá chorar, sorrir, vibrar, enfim, sentir emoções, mas nunca perderá o bom senso, jamais se descontrolará e perderá o rumo ou o norte, porque é alguém que tem o fruto do Espírito e que é conduzido pelo Espírito do Senhor. Jesus jamais Se descontrolou e tudo o que fez, fez sob medida e no momento e hora certos. Não podemos admitir que existam "crentes estourados, explosivos", nem admitir que pessoas que se digam filhas de Deus sejam tomadas, vez por outra, de gestos de desvario e de loucura, perdendo a razão.

OBS: Muitos procuram justificar seus gestos tresloucados com o episódio de Jesus no templo, quando afugentou os mercadores, mas, para tanto, pintam um quadro distorcido, que não se encontra nas Escrituras. Este episódio, sem dúvida um dos mais fortes do ministério terreno de nosso Senhor, mostra-nos tão somente um zelo por parte do Senhor, não um descontrole, tanto assim que o texto sagrado não afirma sequer que tenha sido quebrado algum dos objetos dos mercadores (cfr. Mt.21:12,13). Foi uma reação apropriada e adequada para a profanação que se realizava e que, tudo indica, tenha ocorrido já no término do ministério de Jesus, ou seja, a revelar, também, uma obstinação dos mercadores durante toda a pregação do Senhor sobre a santidade do templo.

- A temperança encontra-se, também, na relação das bem-aventuranças que abre o sermão do monte. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos" (Mt.5:6). Ser moderado é saber aguardar o momento oportuno e correto para suprir as suas necessidades. É ter consciência de que Deus está no controle de todas as coisas e que o mais importante é controlar a sua ansiedade, é ter domínio sobre si mesmo e confiar que Deus trará a solução. A temperança é muito similar à paciência, mas se a paciência representa uma capacidade de suportar uma adversidade, a temperança é uma qualidade que permite o autocontrole, ou seja, havendo, ou não, adversidade, o temperante sabe se controlar, pois muitas vezes o autocontrole é necessário nos tempos de bonança, pois as benesses podem levar, também, a uma empolgação que ponha tudo a perder, como, por exemplo, aconteceu com o rei Salomão(I Rs.11:1-4).

V - A SALVAÇÃO EM JESUS CRISTO TRANSFORMA O CARÁTER DO HOMEM E RESTABELECE O PROPÓSITO DIVINO DO AMOR

- Mas, no trabalho de Cristo Jesus, temos, ainda, a restauração do caráter em conformidade com o propósito divino no tocante ao amor. Já na frutificação, vimos que a qualidade mais importante do fruto do Espírito é o amor, o amor de Deus que é derramado em nossos corações (Rm.5:5). Por isso, o apóstolo é tão incisivo, na sua primeira carta aos coríntios, ao afirmar que não é possível haver um caráter cristão sem amor. Se houver amor, tudo o restante pode faltar, que ainda se terá um verdadeiro cristão, mas se o amor faltar, tudo o mais não torna alguém um genuíno e verdadeiro filho de Deus (I Co.13).

- Mas quais são as características deste amor que nos é dado pelo Espírito Santo no momento em que nascemos de novo ? Paulo apresenta-as no já referenciado capítulo 13 de I Coríntios e, resumidamente, poderemos elencá-las aqui.

- O amor é sofredor (I Co.13:4), ou seja, quem tem o verdadeiro amor proveniente de Deus não se importa com o sofrimento, com o padecer. Quem ama, sofre se este sofrimento representa o bem do ente amado. O amor divino é altruísta, ou seja, vê o benefício do outro e vive em função do outro, não de si mesmo. "… A caridade é sofredora, tendo paciência com pessoas imperfeitas.…" (BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE, nota I Co.13.4-7, p.1190). Por causa do amor divino, Jesus tudo padeceu e sofreu para nos salvar. Paulo adverte-nos que o amor tudo sofre (I Co.13:7). Quem não admite o sofrimento, quem não tolera o padecer (como os defensores da confissão positiva ou da teologia da prosperidade), não ama e, portanto, não é filho de Deus. Nós admitimos sofrer? Nós somos capazes de sofrer? Eis um belo termômetro do amor divino em nós!

- O amor é benigno (I Co.13:4), ou seja, quem tem o verdadeiro amor proveniente de Deus não é malicioso, não tem má-fé, más intenções (ou, como se diz, "segundas intenções"). Quem ama sempre é movido pela boa-fé, pela pureza de propósitos, de intenções e de pensamentos. "…Como temos pensado ? O que temos imaginado ? É algo puro e próprio de alguém que tem uma mente limpa e que só deseja o bem dos que o cercam ? Se não há este tipo de pensar, de vontade e de intenção, não podemos dizer que amamos e, assim, não seremos um autêntico filho de Deus. Jesus bem demonstra esta qualidade ao perdoar aqueles que O cravavam na cruz !

- O amor não é invejoso (I Co.13:4), ou seja, quem tem o verdadeiro amor não cobiça o que é do próximo, não se incomoda com o sucesso, o êxito e o bem-estar do seu semelhante. A inveja, diz-nos a Escritura, é a podridão dos ossos (Pv.14:30b) e, em razão dela, ocorreu o primeiro homicídio. Queiramos o progresso e o sucesso do próximo, alegremo-nos com a alegria do outro, não cobicemos as suas bênçãos, nem a sua posição. Jesus, sendo o próprio Deus, fez questão de prometer e destinar aos Seus servos maior êxito e maior sucesso ministerial do que o dEle próprio (Jo.14:12). Se não agüentamos o bem do próximo, o sucesso do nosso vizinho, do nosso irmão, do nosso companheiro de trabalho, cuidado, este é um sinal evidente de que nós não amamos e que, portanto, não é um verdadeiro filho de Deus.

- O amor não trata com leviandade (I Co.13:4), ou seja, não busca a vanglória, não tem o objetivo de alcançar a vaidade, o poder pelo poder, a satisfação pela satisfação. Muito pelo contrário, o verdadeiro amor sempre tem uma finalidade: o de obter a glorificação de Deus. Jesus tudo fez neste mundo para que o nome do Senhor fosse glorificado (Jo.17:4) e deve ser este o comportamento de todo verdadeiro cristão (Mt.5:16). Quais têm sido os objetivos, os fins perseguidos por nós ? Se é a vanglória, a glória vã, a glória humana, a glória do mundo, passageira e transitória, este é um fator que está a indicar que não se tem amor, que não se é um filho de Deus.

- O amor não se ensoberbece (I Co.13:4), ou seja, o amor não gera orgulho. O amor proveniente de Deus não cria uma auto-suficiência no homem, não o faz sentir melhor do que os outros, não faz nascer um senso de superioridade em quem ama. Por isso, em lições anteriores, reafirmamos que nenhum dom espiritual ou o batismo com o Espírito Santo podem gerar no crente uma sensação de santidade diferenciada em relação aos demais crentes. Isto não pode ocorrer, pois, se o crente batizado com o Espírito Santo ou portador do dom espiritual permanece no amor de Jesus (Jo.15:9,10), o amor não gera o orgulho. O orgulho só exsurge quando se acha iniqüidade no ser orgulhoso, exatamente do mesmo modo que ocorreu com o diabo (Is.14:12-14 c.c. Ez.28:15). Jesus dá-nos o exemplo, pois é o professor da humildade (Mt.11:29).

- O amor não se porta com indecência (I Co.13:4), ou seja, quem ama não é indecente, segue os bons costumes, demonstra pudor, recato e respeito. Quem ama é puro, tem autoridade moral, sendo transparente e de excelente reputação. Será, sim, criticado, mas as críticas que lhes forem feitas, apenas servirão para evidenciar o seu bom testemunho e o bom porte apresentado diante de Deus e dos homens (I Pe.2:12). Jesus mostrava esta autoridade (Mt.7:29; Jo.8:46) e nós devemos ser Seus imitadores (I Co.11:1). Podemos dizer que nos portamos com decência? Só os decentes são autênticos filhos de Deus.

- O amor não busca os seus interesses (I Co.13:5). Como já dissemos, o amor proveniente de Deus é altruísta, leva em conta o outro, não está interessado em si mesmo, nem em seu próprio benefício, mas antes quer o benefício do outro. "… À diferença do amor passional e egoísta, a caridade (agapé) é um amor de dilecção, que quer o bem do próximo. A sua fonte está em Deus, que amou primeiro ( I João 4,19), e entregou Seu Filho para reconciliar consigo os pecadores…" (A Bíblia de Jerusalém - Novo Testamento, nota s, p.470). Jesus é o exemplo supremo de desprendimento e de busca exclusiva do interesse do outro (Rm.5:8). Será que temos corrido em busca do benefício dos outros, ou temos pensado apenas em nós mesmos ? Se somos egoístas, se o "eu" prevalece nas nossas atitudes, não amamos e, portanto, não somos autênticos filhos de Deus.

- O amor não se irrita (I Co.13:5), ou seja, o amor apresenta uma mansuetude, uma tranqüilidade, irradia uma paz que é diferente das promessas de paz oferecidas pelo mundo. A paz daquele que ama é, precisamente, a paz de Cristo (Jo.16:33), a paz verdadeira. O amor não é irritante, não provoca contendas, divisões, nem se envolve em competições e em tarefas de destruição do próximo. O amor tudo suporta (I Co.13:7). Temos tratado as pessoas com brandura, com ternura? Damos respostas brandas, oportunas, ou somos estúpidos e irritadiços? A agitação “da vida moderna tem-nos feitos estressados, nervosos, estourados”? Quem ama, não importa qual circunstância esteja vivendo, não se irrita, não causa contenda, nem provoca dissensões. Somos co-herdeiros daquele que é o Príncipe da Paz (Is.9:6).

- O amor não suspeita mal (I Co.13:5), ou seja, quem ama não faz suposições maldosas contra o próximo, não é preconceituoso, não julga precipitadamente pela aparência, não se acha superior aos demais. Jesus determinou que não devemos julgar com base na aparência, mas de acordo com a reta justiça (Jo.7:24). O amor tudo crê (I Co.13:7), é crédulo, não é desconfiado nem tendencioso. Será que temos tratado as pessoas sem preconceitos, sem suspeitas, ou temos estado com nossos espíritos prevenidos, levando em conta tão somente a aparência do próximo, como se fôssemos juízes dos demais (Tg.4:12). Jesus nunca suspeitou os outros mal, a ponto de, mesmo sabendo que estava sendo traído, ter chamado Judas de amigo (Mt.26:50).

- O amor não folga com a injustiça(I Co.13:6), ou seja, o amor não compactua com a injustiça, nem a admite ou tolera. Quem ama, não pratica a injustiça, pois o filho de Deus é um praticante da justiça (I Jo.3:10). Jesus, a quem devemos imitar, é justo (At.3:14). Somente quem pratica a justiça poderá habitar no tabernáculo do Senhor (Sl.15:1,2).Temos sido justos com nossos semelhantes ? Temos dado a cada um o que é seu ?

- O amor folga com a verdade (I Co.13:6), isto é, o amor sempre opta pela verdade, jamais se manifesta através ou por intermédio da mentira ou do engano. Por isso, Deus, que é amor, também é verdade (Jr.10:10). Jesus, como Deus que é, também é a verdade (Jo.14:6). A Palavra de Deus é a verdade (Jo.17:17) e, por isso, quem ama tem prazer em obedecer aos mandamentos do Senhor. Aliás, permanecer no amor de Deus é obedecer a estes mandamentos (Jo.15:10). Temos falado a verdade? Temos desejado a verdade, ou temos nos enganado e enganado aos demais? Temos prazer e vontade em cumprir a Palavra de Deus, ou estamos a questioná-la ? Quem ama, alegra-se com a prática da verdade.

- Como podemos perceber pelas características do amor divino, que é o amor do Espírito Santo que é derramado nos corações dos filhos de Deus (Rm.15:30; Cl.1:8), fazem deste amor algo bem prático, isto é, o amor divino não é uma teoria, não é um estado mental, mas é um conjunto de ações concretas, de atitudes efetivas que devem ser feitas pelos servos de Deus, não apenas faladas, pensadas ou meditadas. "…Nos vv.4-7, a caridade é descrita por uma série de quinze verbos. É caracterizada não de maneira abstrata, mas pelo comportamento que ela suscita.…" (A Bíblia de Jerusalém - Novo Testamento, nota u, p.471). Como Jesus deixou bem explícito na parábola dos filhos(Mt.21:28-32), o filho que agrada a Deus é apenas aquele que faz o que o Pai deseja, não o que fala que vai fazer e não faz. Jesus não somente ensinou, mas também fez (At.1:1; 10:38). O amor divino não é um amor de palavras, de língua, mas um amor de ações, de atitudes e gestos concretos que revelam este amor (I Jo.3:18; Tg.2:14-26). Preocupamo-nos muito, nestes nossos dias tão difíceis, com pessoas que se dizem crentes, mas que se recusam a ajudar os necessitados, mesmo os domésticos da fé. Estes, segundo as Escrituras, não são verdadeiros filhos de Deus (I Jo.3:17). As obras não salvam pessoa alguma, mas quem ama, pratica boas obras. "… Discipline-se na prática do amor (agape) em cada atitude, pensamento, palavra e ação." (BÍBLIA DE ESTUDO PLENITUDE. Verdade em ação no livro de I Coríntios, p.1197).

OBS: "…Essa seção descreve o amor divino através de nós coo atividade e comportamento, e não apenas como sentimento ou motivação interior. Os vários aspectos do amor, neste trecho, caracterizam Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Sendo assim, todo crente deve esforçar-se para crescer nesse tipo de amor." (BÍBLIA DE ESTUDO PENTECOSTAL, nota a I Co.13:4-7, p.1759).

- Este é o caráter que deve apresentar todo aquele que for salvo na pessoa de Jesus Cristo. É evidente que este caráter vai sendo moldado a cada dia, pois, como visto, o caráter é adquirido, é uma nota da personalidade que depende da convivência, do passar do tempo. Por isso, devemos correr a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, o autor e consumador da nossa fé (Hb.12:12:1,2). Olhar para Jesus é olhar para a Palavra de Deus, pois Jesus é a Palavra (Ap.19:13). Eis o motivo pelo qual estaremos, a partir da próxima lição, estudando a vida de algumas personagens bíblicas, a fim de que, com elas, aprendamos a moldar nosso caráter cada vez mais para cumprirmos este tríplice propósito de santidade, frutificação e amor. Que possamos aprender na Palavra a agradar mais e mais ao nosso Deus. Amém!

Colaboração para o Portal EscolaDominical: Prof. Dr. Caramuru Afonso Francisco.