quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

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Deus habita na impureza


por Jefferson Ramalho
Confio na Graça, não consigo não confiar na Graça, não é possível viver sem confiar na Graça! Minhas impurezas, meus pecados, meus maus desejos e sentimentos, minhas perversidades, minha arrogância, minha maldita ansiedade, meu materialismo, meus interesses e toda sorte de malignidade que me habita, me condenam e me fazem depender o tempo todo da Graça de Deus, em Jesus. Só em Jesus! Tudo por Jesus! Nada sem Jesus, e, suficientemente em Jesus.
Estou ouvindo algumas canções do grande amigo Stênio Marcius. Faz meses que não nos vemos. Mas sempre que o ouço, parece que nos vimos há poucos minutos. Costumo dizer para mim mesmo que se Deus toca algum instrumento de cordas, o nome desse instrumento é Stênio Marcius. E o que mais me constrange é que ao ouvir suas canções, minha alma parece ser lançada a um mar de Graça. Nas palavras de cada letra que o Stênio compõe, percebo que sem Cristo eu nada posso fazer. A Bíblia tinha razão!
Para mim, a Mensagem de Deus está no cânon, mas o cânon foi feito sagrado. Não que ele, por si só, o seja. A Mensagem do Evangelho está ali e é capaz de me causar paz e desespero, ao mesmo tempo. Paz, porque tranqüiliza a minha alma fazendo-me perceber que se eu me esconder no abrigo do Altíssimo, poderei descansar tranqüilamente.
Ora, e o desespero? O Evangelho me desespera, também. Porque, apesar da clareza da Graça impressa nas páginas do cânon, percebo que minha sujeira existencial consegue se esconder de tudo e de todos, mas não do olhar dAquele que é. Você sabe quem eu sou? Por onde passei nessa semana? Se eu fui aos lugares mais santos ou aos mais promíscuos? Não sabe e nem saberá. Mas Ele, antes que eu pensasse em ir a algum desses lugares, já sabia que pra lá eu iria.
Que Deus é este que sabe que vamos em direção à perdição e não nos livra? Mas que também sabe que vamos aos lugares supostamente sagrados e nos envergonha com sua Santidade diante de nossa imundície? A minha vida é dEle. Só pode ser dEle. Se fosse minha, nem em lugar sagrado eu pisaria. Freqüentaria apenas os lugares que proporcionariam satisfação e prazer ao meu corpo. Só que a minha vida é dEle. Por causa disso, não vou aos lugares, mas a estes sou levado. Levado aos lugares supostamente santos para ser constrangido. Levado aos lugares impuros para ser identificado com minha própria condição.
Meu amigo Carlos Bregantim disse certa vez: “não há mais lugar!” Exatamente! O cristianismo autêntico – não o da história que só nos desvia e nos distancia de Deus – mas o do Evangelho, não tem forma, não tem lugar, não tem dia sagrado, não cabe num pacote, não cabe num livro de Teologia Sistemática, não pode ser transformado ou resolvido em/ou através de Códigos, Confissões de fé, Catecismos, de nada disso. Nós até gostamos dessas coisas e com elas aprendemos o máximo que conseguem nos ensinar.
Mas elas não passam de fôrmas, apesar dos bolos deliciosos que muitas vezes assam! Mas dessas fôrmas também saem bolos ruins. Bons ou ruins, o fato é que dessas fôrmas saem apenas bolos, não o Evangelho. O Evangelho não cabe numa fôrma nem é uma receitinha de bolo. É o Cristo!
Santo Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica, que é sem dúvida a mãe de todos os pacotes doutrinários e teologias sistemáticas, com toda erudição, superioridade e incomparabilidade se colocado ao lado de todos os teólogos de toda a História – inclusive Santo Agostinho – concluiu que: “tudo o que havia escrito sobre Cristo lhe parecia palha!”
Portanto, não há mais lugar. Na verdade, nunca houve. E quando houve, a arrogância e a confiança na justiça própria tomaram conta do lugar que deveria pertencer à Graça. Que lugar é esse? O coração humano. Nele cabe arrogância, nele cabem sentimentos de justiça própria, nele cabe a ingenuidade de que pelas obras somos salvos, nele cabe a inocência de que os rituais conseguem simbolizar a reverência diante dAquele que não pode ser reverenciado de outra maneira senão através de um silêncio constrangido do ser.
Não há tempo nem espaço que Ele possa ocupar ou habitar. Não existe Casa de Deus, mas casa de Deus, isto é, nossas almas perversas. Deus não habita templos feitos por mãos humanas, onde a santidade apenas parece existir. Isso não seria Graça.
Mas Deus habita em corpos perversos, pecadores, imundos, desejosos do pecado e da perdição. Isso é Graça! Deus habitar em lugares sujos, sendo Ele quem é! Os templos, os rituais, as liturgias, as representações humanas do Sagrado, não passam de representações. Eu diria ironicamente que essas coisas são santas demais para Deus habitar. Ele, ao contrário, por Ser Santo, só habita no que não é santo. Assim, sua Graça transformada em Sangue, purifica as impurezas das paredes e móveis dessa habitação. Os lugares santos não precisam de Deus lhes habitando!
É por isso que o dr. Milton Schwantes, incontestavelmente o principal teólogo brasileiro vivo, diz: “A Bíblia, graças a Deus, está cheia de homens safados”. Quem não concorda com esta afirmação, não entendeu o Evangelho. E ele complementa: “Graças a Deus, pois assim percebemos que os homens da Bíblia são exatamente como você e eu!”
E foi entre esses safados que Deus resolveu habitar, na Encarnação. E só teve problemas quando se viu diante dos “santos”, dos “religiosos”, “dos preocupados com rituais e liturgias”, “dos guardiões e protetores da sã doutrina”. Deus é o santo que resolveu habitar na impureza para fazer da impureza, santidade e, para mostrar, que aquilo que se chama “santidade” é o que de fato é impuro e ofensivo ao Seu Nome.
na Graça,
Jefferson
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Quarenta livros que fizeram a cabeça dos evangélicos brasileiros nos últimos quarenta anos

Ricardo Quadros Gouvêa

Toda lista é pessoal, e esta não é uma exceção, mas busquei seguir aqui critérios objetivos: livros que foram campeões de vendagem, citados e debatidos, que influenciaram e continuam influenciando os evangélicos brasileiros, livros muito lidos com alto índice de rejeição, e também os que hoje estão operando uma mudança paradigmática na cultura evangélica contemporânea. Escolhi no máximo um livro por autor e procurei incluir alguma diversidade cultural e de gênero literário, bem como denominacional e teológica, sem que isso nos tirasse do projeto original: listar os quarenta livros que, nos últimos quarenta anos, fizeram a cabeça do povo evangélico brasileiro. Ordenei a lista por ordem de importância: dos livros mais influentes aos menos influentes dentre os quarenta selecionados, independentemente da data. Divirta-se concordando ou discordando, corrigindo meus equívocos e fazendo sua própria lista.

1. “Mananciais no Deserto” -- Lettie Cowman [Betânia]Não há outro livro mais amado pelos evangélicos brasileiros. Este campeão de vendagem é um livro de leituras devocionais diárias que conquistou nosso país. O livro é, de fato, bom, mas desconfio que a tradução deu uma mãozinha.

2. “Uma Igreja com Propósitos” -- Rick Warren [Vida]O maior “best-seller” evangélico de todos os tempos é uma catástrofe literária. É ainda difícil calcular o dano que esta obra equivocada causou e ainda irá causar, com sua filosofia de ministério inteiramente vendida ao “Zeitgeist”, propondo a homogeneização das igrejas e um pragmatismo de dar medo.

3. “A Quarta Dimensão” -- David Paul Yonggi Cho [Vida]Este livro fez mais pelo movimento pentecostal no Brasil do que qualquer televangelista. O testemunho bem escrito do pastor coreano que vive cercado de milagres causou “frisson” até mesmo nos grupos mais conservadores. Seu modo de ver a vida com Deus e o ministério marcaram as últimas décadas.

4. “A Agonia do Grande Planeta Terra” -- Hall Lindsay [Mundo Cristão]Calcado no pré-milenismo dispensacionalista de Scofield, este “best-seller” apocalíptico empolgou os profetas do fim do mundo no Brasil, com sua interpretação literalista imprudente e seu patriotismo norte-americano acrítico. Lindsay foi o arauto de três décadas das mais absurdas especulações escatológicas em nossas igrejas.

5. “O Ato Conjugal” -- Tim e Beverly La Haye [Betânia]Sexo é um assunto importante, e o povo ansiava por uma orientação em face da revolução sexual dos anos 60. Daí o sucesso de um livro bem escrito como este, didático e conservador, ao gosto da moral evangélica, mas sem ser inteiramente obtuso. Mesmo assim, muitos o chamaram de pornográfico. Nada mais injusto.

6. “Este Mundo Tenebroso” -- Frank Peretti [Vida]A ficção convence mais rápido. Revoluções acontecem inspiradas por romances, e não por tratados filosóficos. Peretti, com seu horror cristão, nos ensinou o significado da batalha espiritual nos anos 80, reencantou o submundo evangélico, inspirou pregadores e, o que não é nada ruim, motivou muitos adolescentes a ler obras de ficção bem melhores.

7. “A Morte da Razão” -- Francis Schaeffer [ABU]A intelectualidade evangélica adotou este livro como alicerce nos anos 70, para enfrentar o existencialismo, o movimento “hippie”, o marxismo e a contracultura em geral. O livro convencia que o cristianismo não era incompatível com o estudo e a reflexão. É um pena que Schaeffer estivesse tão equivocado em suas idéias centrais.

8. “Celebração da Disciplina” -- Richard J. Foster [Vida]Este clássico da espiritualidade cristã, escrito por um quacre, fez um tremendo sucesso no Brasil a partir dos anos 80. É excelente, mas será que todos que o compraram de fato o leram? Gostaria de perceber uma maior influência das idéias de Foster em nosso povo, mais oração, silêncio, calma, estudo, empenho, enfim, disciplina espiritual.

9. “De Dentro para Fora” -- Larry Crabb [Betânia]Os livros devocionais evangélicos de viés psicológico ou de auto-ajuda são os títulos que mais vendem. Dentre eles, alguns se destacam não só por serem campeões de vendagem, mas porque são os melhores do gênero. Crabb é o melhor autor do gênero e este é seu melhor livro, que impactou o nosso povo nos anos 90.

10. “Louvor que Liberta” -- Merlin R. Carothers [Betânia]Este pequeno e poderoso manifesto em forma de testemunho revolucionou, nos anos 70, o louvor e a adoração no Brasil. O bom capelão ensinou a todos nós a espiritualidade da adoração, o poder do louvor, impulsionando as guerras litúrgicas que marcariam a vida de nossas comunidades a partir de então.

11. “Vivendo sem Máscaras” -- Charles Swindoll [Betânia]Outro “best-seller” devocional dos anos 90, de viés psicológico e de auto-ajuda, com o vigor característico das obras de Swindoll, escritas a partir de suas pregações. Muitos se sentiram não apenas edificados, mas tocados e transformados.

12. “A Cruz e o Punhal” -- David Wilkerson [Betânia]Outro opúsculo dos anos 70 que, na forma de um testemunho pessoal, inspirou os jovens evangélicos a uma fé mais comprometida. Curiosamente, não levou as igrejas a um investimento em missões urbanas, idéia que permeia todo o livro. Talvez o Brasil evangélico dos anos 70 não estivesse pronto para missões urbanas.

13. “Crer é Também Pensar” -- John Stott [ABU]Stott é um ícone no Brasil, um nome respeitado pela sua erudição e sua notável produção literária, apesar de estar invariavelmente sob suspeita de heresia pelos mais neuróticos. O fato é que a qualidade de seus livros varia. Seu excelente “Ouça o Espírito, Ouça o Mundo” merece mais atenção. Já o opúsculo selecionado, tão conhecido desde os anos 70, não tem muito a dizer além do título.

14. “O Senhor do Impossível” -- Lloyd John Ogilvie [Vida]Outro devocional que emplacou no Brasil nos anos 80, não sem méritos. É o maior sucesso do autor, ainda que inferior a “Quando Deus Pensou em Você”, que o antecedeu. O livro estimula a fé e nos faz mais esperançosos, apesar da teologia rasa.

15. “A Família do Cristão” -- Larry Christenson [Betânia]Antes de Dobson e tantos outros, Christenson já era “best-seller” nos anos 70. Pioneiro entre os que se pretendem auxiliares da vida familiar cristã, ele foi estudado nos lares por grupos e células, em escolas dominicais etc. Sua eficácia é comprovada.

16. “O Jesus que Eu Nunca Conheci” -- Philip Yancey [Vida]Os anos 90 assistiram ao aparecimento de um dos mais argutos e estimulantes autores evangélicos de todos os tempos: o audaz Yancey, que começou a apontar para o paradigma emergente em livros como “Alma Sobrevivente”, “Descobrindo Deus nos Lugares mais Inesperados”, “Maravilhosa Graça”, “Rumores de Outro Mundo”, “Decepcionado com Deus” e tantos outros livros excelentes. E o mais conhecido e lido parece ser mesmo “O Jesus que Eu Nunca Conheci”.

17. “O Discípulo” -- Juan Carlos Ortiz [Betânia]Poucos livros foram tão impactantes nos anos 70 quanto esta obra que, excepcionalmente, não vinha do mundo anglo-saxão, mas da Argentina. Por isso mesmo, Ortiz tinha uma outra linguagem, um discurso que convencia os jovens brasileiros da seriedade e do valor de se tornar mais do que um mero freqüentador de igrejas, um genuíno discípulo de Cristo.

18. “Bom Dia, Espírito Santo” -- Benny Hinn [Bompastor]O neopentecostalismo brasileiro é, em grande parte, de inspiração norte-americana. Talvez o nome mais importante nesse processo seja o do “showman” evangélico Benny Hinn, que desde os anos 90 assombra os norte-americanos pela televisão com seus feitos espetaculares. Mesmo quem não o leu conhece sua influência no Brasil.

19. “O Refúgio Secreto” -- Corrie Ten Boom [Betânia]O testemunho desta nobre senhora holandesa encantou também o Brasil, onde seu livro foi um grande sucesso nos anos 70. Suas aventuras durante a Segunda Guerra Mundial, sob o pano de fundo de sua educação em um lar cristão, são comoventes e inspiradoras.

20. “A Autoridade do Crente” -- Kenneth Hagin [Infinita]Hagin foi um divisor de águas no mundo evangélico, pois desde sua influência os crentes “tomam posse”, “determinam”, “amarram” e “exigem”. Uma nova forma de falar se fez presente, o que gerou muitas novas piadas também.

21. “Entendes o que Lês?” -- Fee e Stuart [Vida Nova]Que bom que um livro sério como este foi tão lido e estudado no Brasil. Trata-se de um compêndio de hermenêutica bíblica sem complicações, em linguagem acessível, adotado por quase todos os seminários e estudado até mesmo nas EBD’s e pequenos grupos. Este livro fez muito pela educação bíblica dos evangélicos brasileiros.

22. “Culpa e Graça” -- Paul Tournier [ABU]Não há, com raras exceções, psicólogo cristão que não considere este livro um fundamento e um marco do pensamento cristão. Mas ele não se limita a isso, tendo tido considerável influência na teologia evangélica brasileira nos anos 90, preparando nosso povo para o paradigma emergente do século 21.

23. “Novos Líderes para Uma Nova Realidade” -- Caio Fábio D’Araújo Filho [Vinde]Este opúsculo foi, se não o mais lido, certamente o mais importante dos numerosos livrinhos do pastor Caio Fábio, fenômeno de popularidade no Brasil nos anos 80 e 90, pastor midiático, influente, contundente, imitado, adorado e odiado. Caio nos ensinou a ver as coisas de outro jeito, e seu legado não vai desaparecer.

24. “Vida Cristã Normal” (ou “Equilibrada”, na reedição) -- Watchman Nee [Editora dos Clássicos]O controverso evangelista e autor chinês Nee teve muita influência nos anos 70 e 80, com sua visão mística do que significa ser um cristão evangélico conservador. Este livro foi seu maior sucesso, um comentário de Romanos, ainda que seu livro mais objetivo e claro seja “A Liberação do Espírito”.

25. “É Proibido” -- Ricardo Gondim [Mundo Cristão]Gondim é um dos melhores e mais polêmicos autores evangélicos contemporâneos. Seus livros, como Eu Creio, Mas Tenho Dúvidas, O que os Evangélicos (Não) Falam, Orgulho de Ser Evangélico, são sempre interessantes. Nenhum, porém, foi tão influente e marcante como “É Proibido”, um verdadeiro libelo anti-legalista.

26. “Conselheiro Capaz” -- Jay Adams [Fiel]Adams era uma pessoa muito simpática. Sua escola de aconselhamento cristão é muito antipática. Diferentemente de Crabb, por exemplo, problemas emocionais têm origem fisiológica ou pecaminosa. Por isso, é preciso confrontar as pessoas e insistir na mudança do seu comportamento. Foi um sucesso nos anos 80. Haja behaviorismo!

27. “Quebrando Paradigmas” -- Ed René Kivitz [Abba Press]Este livro foi decisivo para que os evangélicos brasileiros começassem a enxergar a outra margem do rio, a margem pós-evangélica do paradigma emergente. Kivitz é um autor surpreendente e notável, de mente dinâmica e arejada, que propõe importantes rupturas e renovações, como em seu outro livro “Outra Espiritualidade”.

28. “O Amor Tem Que Ser Firme” -- James Dobson [Mundo Cristão]O conhecido “Dr. Dobson” é pensador e autor de grandes qualidades e grandes defeitos. Seus livros, como “Educando Crianças Geniosas”, ajudam famílias e promovem uma espécie de teologia aplicada que merece atenção. Há, porém, muito que não se deveria levar a sério, já que vai contra o que há de mais consagrado na psicologia moderna.

29. “Supercrentes” -- Paulo Romeiro [Mundo Cristão]O autor de “A Crise Evangélica” tem talento e tem algo a dizer. Seus textos, especialmente o famosos “Supercrentes”, têm apontado para os exageros e enganos de muitas posturas comuns no meio evangélico contemporâneo.

30. “Cristianismo e Política” -- Robinson Cavalcanti [Ultimato]Trata-se de um clássico. Este livro está nas origens de toda reflexão política evangélica. Robinson é importante por outras questões, como seus livros sobre sexualidade (“Uma Bênção Chamada Sexo”, “Sexualidade e Libertação”), mas sua contribuição permanente é o estímulo que deu à reflexão política evangélica.

31. “O Evangelho Maltrapilho” -- Brennan Manning [Mundo Cristão]Não há outro autor mais importante no meio evangélico nos últimos dez anos do que Brennan Manning. Seus livros devocionais, como “O Impostor que Vive em Mim”, “A Assinatura de Jesus”, “O Obstinado Amor de Deus”, estão transformando radicalmente a maneira como os evangélicos entendem a vida cristã. Eu fico muito grato.

32. “O Pastor Desnecessário” -- Eugene Peterson [Mundo Cristão]Peterson é muito estimado no meio evangélico brasileiro e um dos autores mais bem avaliados dos últimos tempos. Responsável por projetos como “The Message” (excelente paráfrase bíblica), tem nos galardoado com obras como “Corra com os Cavalos”, “A Oração que Deus Ouve”, “A Vocação Espiritual do Pastor”, “Transpondo Muralhas”, entre outros. Selecionei o que talvez seja o mais importante.

33. “Poder Através da Oração” -- E. M. Bounds [Batista Regular]Nos anos 70, quando não havia ainda bons livros sobre oração, como o de Richard Foster ou o de Eugene Peterson, os livros de Bounds sobre oração circulavam de mão em mão, trazendo avivamento às igrejas. Hoje Bounds está quase esquecido. Quase.

34. “Cristo é o Senhor” -- Dionísio Pape [ABU]No fim dos anos 60 e começo dos anos 70, o nome de Pape se destacava pela espiritualidade, profundidade e sucesso ministerial. Seu opúsculo “Cristo é o Senhor” levou muitos à consagração e ao ministério.

35. “O Caminho do Coração” -- Ricardo Barbosa [Encontro]Barbosa (junto com Osmar Ludovico, James Houston e outros) é responsável pelo retorno ao interesse pela mística cristã em nosso país. Seus livros nos ensinam uma outra atitude não somente em relação à vida, mas também em relação à teologia. Uma atitude contemplativa.

36. “O Novo Testamento Interpretado” -- R. N. Champlin [Hagnos]Não privilegiei obras teológicas e comentários bíblicos nesta lista porque tais livros, em geral, não vendem bem e sua influência é pequena. Uma exceção precisava ser feita em relação ao favorito das bibliotecas. O empenho exaustivo de Champlin precisava ser lembrado, pois ainda vende bem e é o comentário primordial dos evangélicos.

37. “Icabode” -- Rubem Martins Amorese [Ultimato]Este livro pode não ter sido tão lido quanto é citado, mas definiu um novo tipo de reflexão cristã no Brasil, que propõe diálogo com a cultura em outro nível que não o da evangelização, e sim o da discussão de valores e princípios que podem levar nossa sociedade para um patamar melhor ou pior. É uma boa influência.

38. “A Bíblia e o Futuro” -- Anthony Hoekema [Cultura Cristã]Este estudo do Apocalipse cresceu em importância no Brasil em uma época em que quase não havia obra que fizesse uma defesa do amilenismo, apesar dos pouco conhecidos esforços de Harald Schally. O livro provocou conversões em massa a partir dos anos 80, e a escatologia nunca mais foi a mesma no Brasil.

39. “Cristianismo Puro e Simples” -- C. S. Lewis [Martins Fontes]Também conhecido como “Mero Cristianismo”, a busca de Lewis pelo denominador comum da fé cristã impacta brasileiros desde os anos 70. Seleciono o livro simbolicamente, já que Lewis não poderia ficar de fora, seja por causa de “Os Quatro Amores”, “Milagres”, “Cartas do Inferno” ou “As Crônicas de Nárnia”.

40. “A Mensagem Secreta de Jesus” -- Brian D. McLaren [Thomas Nelson]Em 2007 o leitor evangélico brasileiro foi surpreendido por este livro do mesmo autor de “Uma Ortodoxia Generosa”. Fiquei admirado ao ver como todos passaram a conhecer e a comentar a obra de McLaren, que representa melhor do que ninguém o paradigma teológico evangélico emergente. Não dá pra não ler.

• Ricardo Quadros Gouvêa é ministro presbiteriano e professor de teologia e de filosofia.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

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Perdas e ganhos


Perdi a fé. Sem qualquer constrangimento, sem medo, saio do armário e confesso publicamente: Perdi a minha fé. Estou consciente que hei de constar no fichário condenatório do Santo Ofício. Corro o risco de ser torturado no garrote gospel.
Receberei inúmeras advertências. Minha caixa postal vai se entupir com mensagens de gente decepcionada. Serei aconselhado a não destruir o meu “futuro promissor”; vão lembrar-me do fogo do inferno, reservado para quem retrocede. Mas não há muito o que fazer, não planejei perder a fé.
Caminhei pelos porões escuros da humanidade. Conversei com pessoas carbonizadas no fogo do sofrimento. Vi crianças subnutridas, sem força sequer de sugar o peito mirrado da mãe. Li uma tonelada de tratados teológicos que tentavam explicar o sofrimento universal. Ouvi um sem-número de sermões sobre a condição humana. Temi os castigos eternos e aprendi sobre os meios que conduzem ao perdão divino. Entretanto, pouco a pouco, vi-me desgostoso com explanações, que julgava simplórias - a princípio, apenas antipatias. Depois, passei a rejeitar o que as pessoas chamavam de fé. Por fim, conscientizei-me que simplesmente não era mais condômino do edifício onde residiam muitos religiosos.

Perdi a fé em um Deus que precisa de pilha para mover o braço. Deixei de acreditar que a “Duracell” que faz Deus “funcionar” seja a fé. No passado, eu procurei mostrar à Deus toda a minha sinceridade. Eu acreditei, piamente, que, caso conseguisse acabar com a dúvida ou hesitação, seria testemunha ocular de grandes prodígios. Jejuei para mortificar a mente; eu precisava calar as minhas inquietações. Certa vez, ao lado do leito de morte de um amigo, chorei desesperadamente; não pelo amigo que agonizava, mas por mim. Eu sabia que, por mais que tentasse, nunca conseguiria demonstrar uma fé inabalável. Meu amigo morreu e eu carreguei por muito tempo, a culpa dele não ter sido curado.

Perdi a fé em um Deus que recusa atender qualquer petição enquanto não houver santidade total. Diziam-me que Deus só ouve os “vasos” puros. Um pensamentos furtivo era suficiente para eu me sentir um lixo humano. Imaginava os difíceis graus de devoção e pureza necessários para eu poder “reivindicar” uma bênção. Vi que jamais teria acesso à bondade divina porque as minhas penitências nunca foram suficientes. Como nunca fui devidamente alvo, minha imperfeição me condenava; um pastor sem milagres, portanto, desqualificado.

Perdi a fé em um Deus que só opera nas micro-realidades. Eu acreditava que Deus intervém pontualmente, isto é, focado e restrito às complicações e necessidades de pessoas. Mas eu não me sentia inquieto. Sequer perguntava: por que essa mesma fé intervencionista não serve para resolver, por milagre, as desgraças que assolam nações e continentes? Ora, se Deus abre uma porta de emprego para um indivíduo, porque não reverte com uma simples ordem, a crise econômica que desemprega milhões?

Perdi a fé em um Deus discriminatório. Já não consigo acreditar em um Deus que pinça alguns para premiar com milagre, mas deixa muitos outros a ver navios. Não faz sentido aplicar a lógica dos bingos e das loterias nos espaços religiosos - para cada sortudo sobram milhões de azarados. Se há razões misteriosas para Deus agir assim, e ninguém pode questionar; se ele trabalha no escuro e a vida é um tapete trançado que só faz sentido do lado da eternidade, então só resta à humanidade seguir os trilhos do destino. Fé não passa de uma mera submissão à bitola do que já foi providencialmente traçado por Deus.
Perdi a fé, mas não sou incrédulo.

Ganhei uma nova fé que celebra a imanência de Deus. Agora percebo que Deus não está longe, mas vive em nós e entre nós. Seu nome é Emanuel, o Deus conosco. Ele está mais próximo que nosso hálito, mais entranhado que nossa medula e mais íntimo que nossos pensamentos. E fez o seu tabernáculo no coração dos homens e das mulheres.

Ganhei uma fé que bendiz a compreensibilidade de Deus. Ele não mede nossa inadequação com critérios tão rigorosos que precisaríamos nos transformar em anjos. Como pai, Deus não leva em conta as nossas transgressões, pois se lembra que somos pó. Deus não rejeita, mas perdoa. Sua pedagogia é libertadora.

Ganhei uma fé que não espera por intervenções de Deus. Minha fé virou uma aposta: Creio que os valores do Reino são suficientes para que eu atravesse a vida sem perder a alma. Minha fé possui uma convicção: Jesus é o modelo digno de ser imitado. Estou certo que seguindo as suas pegadas serei justo, solidário e realizado.

Ganhei uma fé que não tem a expectativa de favoritismo. Busco a mesma atitude de Moisés que, diante da possibilidade do povo não entrar na terra prometida, disse: “Se eles não entrarem, risca o também o meu nome do livro da vida”. Antes de ser brindado por qualquer dádiva, espero que as crianças famintas do Congo, Darfur e sertão cearense, tenham água, comida, roupa, educação e muitos brinquedos.

Estou feliz pela fé que perdi, mas esfuziante com a nova fé que ganhei.

Soli Deo Gloria.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

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A doutrina dos ciclos.


Um dia, no futuro mais longínquo, daqui a bilhões de trilhões de épocas, eu voltarei a escrever esta sentença na frente deste computador; e com a mesma fatiga.
Não, não me refiro à re-encarnação ou ressurreição, mas à "doutrina do eterno retorno”. A doutrina que diz que tudo se re-encaixará em uma mesma engrenagem. E eu voltarei a ser eu, com o mesmo código genético, o mesmo nome. Vestirei, inclusive, a mesma camisa de malha; e vou reclamar do calor.
Mas isso vai acontecer lá na frente. Centilhões de eras depois que o sol apagar, a Via Láctea implodir e todo o universo se resumir a uma bola de bilhar. Acontecerá uma explosão seguida de um enorme “bang”; e vai começar tudo de novo.

Essa teoria maluca foi atribuída a Nietzsche, mas explicada, e, ao mesmo tempo, criticada por Jorge Luis Borges: “O número de todos os átomos que compõem o mundo é, embora desmedido, finito, e só capaz, como tal de um número finito (embora também desmedido) de permutações. Num tempo infinito, o número de permutações possíveis deve ser alcançado, e o universo tende se repetir. Novamente nascerás de um ventre, novamente crescerás teu esqueleto, novamente chegará a esta página às tuas mãos iguais, novamente percorrerás todas as horas até a de tua morte inacreditável”.

Simplificando: Quando alguém joga um dado muitas vezes, o número seis acaba se repetindo. Dessa forma, em algum ponto do infinito os átomos se combinarão, repetindo a realidade atual. As peças do gigantesco quebra-cabeça universal cairão no mesmo lugar e tudo voltará a ser igual ao que já foi. É meio maluco, mas teoricamente possível. Tão plausível que o Eclesiastes afirmou:
“O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada de novo debaixo do sol. Haverá algo de que se possa dizer: ‘Veja! Isto é novo!’? Não! Já existiu há muito tempo, bem antes de nossa época” (1,9-10).
Portanto, o Eclesiastes intui que somos uma reconfiguração de uma realidade universal capaz de já ter acontecido; outros mundos iguais a este já teriam existido.
Que doidice! Com tal lógica, seria possível, inclusive, conjeturar que o cosmo já se arranjou com outras configurações. Os cromossomos de Hitler, em outro arranjo, não teriam sido perversos. Nero não teria incendiado Roma, mas se convertido ao cristianismo. Lutero poderia ter sido Papa. Nova Iorque, um dia, não teria passado de um campo de refugiados. Pinochet seria digno do Prêmio Nobel da Paz. Tom Jobim, sem ir ao happy-hour com Vinicius de Moraes, não teria composto a Garota de Ipanema.

Quem sabe os déjà vu não seriam resíduos dessa memória? E as “almas gêmeas”? Saudades de amores já vividos? Ora, se toda a probabilidade acaba se concretizando, o Eclesiastes insistiu: “Aquilo que é, já foi, e o que será, já foi anteriormente” (3.15).

Considero isso tudo um desvario. Talvez elucubrações de quem não tem o que fazer. Contudo, mesmo reconheçendo a plausibilidade teórica de que eu reviva uma mesma versão de mim ou que voltei a ser eu de novo, não posso adiar o imperativo de dar signficado ao dia-a-dia . Não posso perder a chance de melhorar e desfrutar intensamente cada instante. Procurar viver o máximo, nos exíguos anos dessa oportunidade inédita, é a sabedoria do Eclesiastes:
“Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração alegre, pois Deus já se alegrou do que você faz.... Desfrute a vida com a mulher a quem você ama, todos os dias desta vida sem sentido que Deus dá a você debaixo do sol; todos os seus sem sentido! Pois essa é a sua recompensa na vida pelo árduo trabalho debaixo do sol” (9.7-9).
A próxima oportunidade só se repetirá na curva do infinito, onde as paralelas se encontram. É tempo demais para esperar.

Soli Deo Gloria.