sábado, 25 de fevereiro de 2012

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Bandeira Branca

Vamos parar com essa briga
Só pra ver quem tem razão
Se a turma do livre-arbítrio
Se a da predestinação


Se aquele que ora em línguas
Se o que fala numa só
Se quem surgiu na Azusa
Ou quem confessou em Dort

Se vão ficar por aqui
Ou vão no arrebatamento
Se a razão é a melhor
Ou se vale o sentimento


Se quem manda é a assembleia
Ou se acata o presbitério
Se o que batiza aspergindo
Ou quem usa o batistério.

Se tudo é determinado
Ou se é vago o porvir
O que importa é hoje
Que estamos fazendo aqui?

Deus é maior do que tudo
Que diz nossa teologia
Tudo o que “sei” é “aposta”
Quem me dará garantia?

Longe de mim a certeza
De dizer quem tem razão
Sempre há espaço à mesa
Sempre há de ter refeição

Sempre mais uma cadeira
Sempre mais um braço amigo
Sempre há de ter pão e vinho
Sempre um banquete servido

E se houver desavenças
Cristo, com seu sangue, banca.
nEle, toda diferença
Encontra a bandeira branca.


José Barbosa Junior





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Na sola dos “cinco solas”

Confesso que os “defensores da fé” me cansam.


Cansam porque não produzem nada a não ser a crítica de quem pensa diferente. E para julgarem quem pensa diferente, tendo “base histórica” e “bíblica”, muitos deles utilizam-se dos cinco solas, que nada mais são do que afirmações, em latim, sobre aspectos que “delineariam” a confissão de fé cristã nos tempos “reformados” (o excesso de aspas é inevitável).


O interessante é que até os cinco solas são frutos de interpretação (como toda leitura da Bíblia o é) e de um tempo, de uma era. Torná-los imutáveis e monointerpretativos seria uma afronta ao próprio espírito da Reforma que dizem acolher. E quando se tornam engessados, viram arma nas mãos de seus utilizadores e, claro, a favor da “defesa da fé”.


Ok! Mas… que fé?


Aliás, que Cristo? Que Graça? Que Escrituras? Que Glória de Deus?


Não adianta você me tirar da cartola os cinco solas… primeiro tem que me dizer do que você está falando. Pode ser que usemos a mesma frase (em latim) para dizermos coisas totalmente diferentes, entendeu?


Vamos aos exemplos:


Quando eu digo SOLA FIDE (somente a fé), falo da experiência com o sagrado, com o intangível, o numinoso, o transcendente. E essa experiência não é privilégio só dos que têm a Bíblia como “regra de fé e prática”. A fé não tem copyright. Não é propriedade exclusiva de um grupo, muito menos de um livro. Fé é algo tão pessoal e místico que não me cabe duvidar da experiência do outro. Pode ser que ele, o outro, esteja experimentando uma face de Deus que eu ainda desconheço, por isso,este outro merece, no mínimo, o meu respeito.


Quando um “defensor da fé” diz SOLA FIDE, em primeiro lugar ele está falando do seu objeto de defesa. Fé deixa de ser a experiência para ser um objeto de defesa. E se for tido como experiência TEM QUE ser a MESMA experiência dele, se não, não é “verdadeira”. A experiência que é diferente da dele é um inimigo a ser combatido! Para isso envidará esforços, elegerá hereges, acenderá fogueiras. O importante é “batalhar pela fé uma vez entregue aos santos”. Fé, neste caso, é motivo de luta, de guerra, de defesa!


Quando eu digo SOLO CHRISTUS (Somente Cristo), estou falando de uma pessoa. O Deus encarnado, a Palavra feita gente, Emanuel, aquele que traduz em si o amor de Deus pela humanidade, tornando-se humano. De tão humano, divino! É amor tomando forma, cheiro, toque, voz… e, seguindo o seu exemplo, tornamo-nos melhores seres humanos. Quando digo o SOLO CHRISTUS me vem à mente que toda salvação passa por ele, o segundo Adão, e que se o primeiro Adão torna o pecado “universal”, o segundo Adão torna a salvação “universal”, sem mérito ou demérito de quem quer que seja. Se diferente disso, o “erro” do primeiro Adão seria mais forte e mais poderoso do que o “acerto” do segundo Adão. Por que a tal “solidariedade da raça” só vale para o pecado e não para a salvação?


Porém, quando um “defensor da fé” diz SOLO CHRISTUS, ele está dizendo que só a salvação na confissão de fé dele sobre o Cristo. Que só a salvação no NOME de “Jesus”. E quem não confessar esse NOME, por mais que nunca tenha ouvido falar dele, ou por mais que já viva na prática os seus ensinamentos, é um coitado, réu do inferno eterno. Talvez um predestinado mesmo à perdição, obra do grande amor de Deus, que cria uns eleitos para a salvação e outros para torrarem eternamente numa grande fogueira que Ele mesmo criou para lançar aqueles que Ele mesmo determinou que não creriam nEle. Quanto amor! Até porque o CHRISTUS só derramou seu sangue por esses “preferidinhos”, infelizmente deixando de fora todos os outros, tão amados de Deus quanto os eleitos, mas, por sua infinita soberania e poder, incapazes de chegarem à salvação.


Quando eu digo SOLA GRATIA (Somente a Graça), estou falando de graça mesmo, sem divisão, sem preferências. Falo de algo tão louco e absurdo que faltam-me palavras para descrever sua “ação”. A graça é injusta ao salvar gente “do bem” e gente “do mal”, gente “certinha” e gente “torta”, porque é graça, e porque graça atinge gente, seja a “gente” que for. E sua abrangência é ilimitada. Não há confissão de fé capaz de detê-la! Não há conceito que possa diminuir seus efeitos e seus desmandos. Sim, a graça é um desmando de Deus! Subverte toda a lógica e toda a noção que temos de “justiça”. É manifestação de Deus para todos, indistintamente. Creio numa graça que abraça prostitutas, gays, políticos, e até mesmo… religiosos.


Mas, quando um “defensor da fé” diz SOLA GRATIA, em primeiro lugar ele precisa distinguir a graça da graça. Como assim? É óbvio! Existe uma graça “comum” e uma outra, “especial”. Sim, é isso mesmo! Existe uma graça de segunda categoria, tipo aqueles cartões de natal que mandamos pra quem nem conhecemos, desejando simplesmente “boas festas”, e há uma graça caprichada, de primeira, como cartões escritos à mão, cheios de amor, com o cheiro da pessoa amada. A graça “comum” está aí para todos, “quem quiser pode chegar”. Já a graça “especial”, infelizmente (ou felizmente – para eles) não pode atingir a todos, é privilégio dos eleitos, estes sim, podem desfrutar de toda a graça que Deus tem pra dar, mas só pra eles. E graça aqui, deve ser entendida como favor imerecido também, é claro, mas… ai daquele que não observar os mandamentos!


Quando eu digo SOLA SCRIPTURA (Somente a Escritura), estou falando de uma carta de amor, inspirada por Deus, mas escrita por homens, contando histórias de seu povo, conforme seu entendimento temporal das realidades ao seu redor. Nesta carta, que fala muito mais da percepção que os homens, em seu tempo, tinham de Deus, percebo um Ser divino em todo tempo buscando relação com toda a humanidade. Um Deus que tem prazer no diálogo, na amizade, e que como prova maior dessa busca, se diminui, se enfraquece, e se faz homem, não porque “não tinha outra opção”, mas porque tanto amor tinha que ser demonstrado e vivido na sua completude, no ser igual ao ser amado. SOLA SCRIPTURA se manifesta quando percebo a carta de amor em toda sua amplitude e carinho, culminando na Palavra encarnada, o CHRISTUS. Por isso, qualquer interpretação que fuja do CHRISTUS e do amor encarnado nEle, causa-me estranheza. Aliás, o SOLA SCRIPTURA deve sempre levar em conta que QUALQUER leitura já é, em si, uma interpretação, logo, uma aposta e, se tanto, passível de erro.


Porém, quando um “defensor da fé” fala SOLA SCRIPTURA, ele está falando de um MANUAL. E, se é um manual, tudo está ali, resolvidinho, respondido, com a seção de “perguntas e respostas” completa, sem variações. Pecou? O manual traz o castigo, a forma de reprimenda, e o modelo de re-aceitação. Com o manual, é fácil saber quem é o certo e quem é o errado, afinal a equação é simples: faz tudo o que o manual diz: é bom! Vacila em artigos do manual: é mau! E tudo está lá, detalhadamente. Pastores são ungidos do Senhor, logo não devem ser questionados. Gays queimarão no fogo eterno. Mentirosos, orgulhosos, avarentos, ops… pulemos essa parte (aqui o manual deve ter cometido algum equívoco).


Finalmente quando eu digo SOLI DEO GLORIA (Glória somente a Deus), penso num Deus que é glorificado em todo o mundo, por gente de todas as tribos, raças, línguas e nações que, mesmo não falando “O NOME”, amam uns aos outros, praticam o bem, são capazes de dividir, de compartilhar. Vejo Deus glorificado nas ações de uma Madre Teresa de Calcutá, repartindo sua vida entre os leprosos de uma índia fragmentada pelas castas, da mesma forma que vejo a glória de Deus num homem como Ghandhi, capaz de liderar uma revolução não armada e que influenciará um pastor negro nos Estados Unidos a fazer a mesma coisa. Vejo a glória de Deus quando milhares de pessoas, de todos os credos, gêneros e cores se unem numa corrente de solidariedade, como vi de perto em minha cidade, Teresópolis, atingida por uma tragédia sem precedentes em janeiro de 2011.


Entretanto, quando um “defensor da fé” diz SOLI DEO GLORIA, ele é capaz de ver a glória de Deus não nas pessoas que se solidarizam, mas na própria tragédia em si. Um Deus que mostra a sua glória através da sua ira! Um Deus que é glorificado mesmo numa atitude insana como a de um louco que invade uma escola e atira em crianças indefesas, matando vidas e sonhos. Um “defensor da fé” dá glórias a Deus por isso, e exalta a Sua soberania. A glória de Deus também é manifesta na destruição dos povos pagãos e finalmente, será exercida em toda a sua plenitude nos tempos finais, quando os eleitos herdarão os céus, e Deus, para a Sua própria glória, lançará os não-eleitos na churrasqueira da eternidade: o inferno!


E quem está certo? Não sei!


Só pretendo com este texto provocar a todos que se julgam donos da verdade. Pode ser uma pretensão descabida, mas tentem fazer esse exercício. Tentem imaginar que o “outro” pode ter razão. Assim como eu mesmo posso estar errado em muitas das minhas “visões”.


Estamos navegando naquilo que não é palpável, logo, tudo o que dissermos será fruto daquilo que somos, daquilo que pensamos, antes mesmo que o texto nos fale. E somos seres sujeitos À mudança, logo, não me cabe o julgamento de quem quer que seja. Que entendamos que, na sola dos “cinco solas”, muitas vezes colocamos nossas conveniências, aquilo que nos protege. Na sola (na base) dos nossos “cinco solas” na verdade estamos nós mesmos, com nossas esquisitices e doenças, logo, nossas interpretações falam muito mais de nós que dos reformadores.


E ainda mais, aos “reformados” cabe uma responsabilidade maior de não estacionarem em Genebra, ou em Wittemberg, ou seja lá onde for… a verdade, se é que concordamos que se manifesta em uma PESSOA, é dinâmica, tenta ouvir o seu tempo, tem o seu linguajar, tenta responder às suas próprias perguntas e não as do passado. Igreja reformada, sim, mas não engessada. Sempre se reformando!


Como disse, pode ser que eu esteja errado, e, se for um dos eleitos, riremos de tudo isso na “eternidade”. E se eu não for, sem problemas, vocês estarão ocupados demais e nem se lembrarão das pobres almas no inferno eterno.


Que Deus nos ajude!


Por José Barbosa Junior


Vi no http://www.crerepensar.com.br/na-sola-dos-cinco-solas/

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

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Angústia é ganho





Nascemos entre a bigorna e o martelo. A noção de perigo nos acompanha pela vida e não demoramos perceber: somos mortais. De repente, damos conta: o oceano onde nadamos não tem porto. Sabedores do fim, cansados de nadar contra a maré, provamos um fel chamado angústia.


Não há como fugir, é o medo existencial que faz nascer a angústia. Dela vem o choro que nunca desengasga. A angústia é mãe de pequenos surtos depressivos – que jamais entristecem totalmente. Angústia dói em todas as línguas. E lateja feito dor de dente.


A vida não se deixa domesticar. Não há unguento que cure o sofrimento de existir. E depois de toda obra e toda aventura, sobra a única certeza: a guilhotina descerá no pescoço de todos.


Não se extirpa a angústia dos ossos, da pele, do coração. Não existe antídoto para sua peçonha. André Comte-Sponville afirmou que “somos fracos no mundo, e mortais na vida. Expostos a todos os medos. Um corpo para as feridas, ou para as doenças, uma alma para as mágoas, e ambos prometidos à morte somente… Ficaríamos angustiados por menos”.


A angústia nunca se deixa descobrir. É assintomática. Oxigênio algum resolve quando falta fôlego na alma. Inexistem saídas. Tudo termina em tragédia. Fernando Pessoa constatou sobrarem pratos na mesa. Era dia do seu aniversário e, triste, disse ser “sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio….”.


Todos vestirão luto um dia.


Pascal comparou o sentimento de angústia a homens acorrentados: “Todos condenados à morte, sendo todos os dias uns deles degolados à vista dos outros. Aqueles que restam veem sua própria condição naquela de seus semelhantes, e, olhando-se uns aos outros com dor e sem esperança, esperam sua vez”. No seu pessimismo, resta enlouquecer ou “ se divertir”. Numa equação shakespeariana: fuga ou loucura, eis a questão.


A modernidade tecnológica também se apropriou do jargão antigo:“Consumamos, consumamos, porque amanhã morreremos”. Nenhum país incorporou tanto essa ideia quanto os Estados Unidos. Lá virou o paraíso do consumo, a nova Roma para onde bárbaros desejam emigrar. Na América, rodam duas vezes mais automóveis per capita que o restante da humanidade. Gasta-se mais energia com ar condicionado que toda a produção energética da China. O desembolso com sapatos tênis fica em torno de doze bilhões de dólares. Mas, o consumismo desenfreado atual deixa as pessoas mais contentes ou felizes do que em 1954? Brinquedos caros ou baratos são impotentes para tirar a vontade de chorar.


Onde está a fonte da juventude eterna? A humanidade conseguiu adiar o dia fatídico. Os avanços da medicina se tornaram espantosos. Com o culto ao corpo, países ricos refizeram padrões estéticos. A beleza atual é bem diferente da medieval. A expectativa de vida aumentou mais nos últimos quarenta anos do que nos 4.000 anos precedentes. Cresceu de 53 anos – incluindo os países mais miseráveis – em 1960 para 67 anos em 2005. Uma criança nascida hoje viverá em média 122 mil horas ou 5,83 mil dias a mais do que uma, nascida há quatro décadas.


Um desdobramento negativo desses avanços é que as pessoas foram condenadas a passar mais tempo convivendo com a realidade. A longevidade também faz crescer a angústia.


O mesmo soluço que afligiu filósofos gregos e salmistas judaicos soluça hoje. Mudaram os rótulos. Continuam as fobias do passado. O avanço da psicologia e o progresso da espiritualidade não desmentem que viver é um perigo. A força da angústia resiste a comprimidos e todas as alquimias.


Não sobram muitas escolhas. Jogados ao mundo, resta-nos aprender a viver.


O judeu itinerante, Jesus de Nazaré, falou coisas agradáveis, sem, contudo, evitar as antipáticas. Sua mensagem convidou homens e mulheres a considerarem a vida como rara e imprescindível. Ao referir-se à verdade, ensinou a necessidade de enfrentar a realidade. Ele deixou as pessoas decidirem se queriam ou não lidar com a angústia. Não receitou fórmulas fáceis de como desatar os nós da alma. Seguidores e ouvintes deviam aprender a usar a força negativa da angústia em favor da felicidade. E não basta um estado transitório – estar alegre, feliz. A vida é um convite a ser.


Jesus acreditou que viver é somar pequenas decisões; é juntar experiências boas e más na construção do ser. Fiel à tradição do Eclesiastes, ele viu que só encontramos algum sentido mínimo de existir ao somarmos choros e risos, desejos e realizações, frustrações e sonhos.


Ninguém precisa exorcizar a angústia, que, assumida, gera sede de transcendência. A vida carece também de um lado sombrio para ser eterna. Além do mais, a angústia garantiu a sobrevivência da espécie. Só os angustiados buscam companhia. A angústia fez com que os primeiros seres humanos desejassem viver em sociedade. Ao notarem que eram frágeis e iguais no sofrimento, deram as mãos.


O grito que se ouviu no Calvário – Eli, Eli, lamá sabactini?, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” – tornou-se o grito de toda a humanidade. Os lábios de Cristo passaram a representar os negros que morreram em navios fétidos, as mulheres perseguidas na Inquisição, as crianças que se exauriram em trabalho escravo, os curdos que nunca tiveram pátria. O filho de Deus desentranhou a sua angústia, que ressoou pelos quatro cantos da terra, e passou a ser o grito de todos. Cravados com ele no madeiro da solidão, seguimos o seu exemplo e encaramos qualquer sina – Ele é autor e consumador da fé.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/estudos/angustia-e-ganho/

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

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Tristeza e esperança




Chegou a grande festa brasileira, Carnaval. Aliás, como o povo brasileiro gosta de festas, feriados, dias santos, pontos facultativos. Não precisa muito para que seja decretado um feriado e uma festa. Essa característica de nossa cultura tem muito de positivo. Não levando em conta a questão econômica – vários dias sem expediente é sempre prejuízo – essa capacidade de fazermos festa por tudo é boa, mostra que sabemos escapar, ainda que por pouco tempo, da dureza da vida.


Mas fico pensando nos tristes. Não naqueles que são patologicamente tristes, esses precisam de tratamento sério e especializado, mas naqueles que estão tristes. Há pouco espaço para eles no mundo contemporâneo. Todos têm que ser felizes e alegres o tempo inteiro. Os livros que mais vendem são os que trazem receitas sobre como ser feliz seguindo alguns passos ou como desvendar o segredo para uma vida bem sucedida e coisas do tipo. A publicidade só mostra pessoas felizes. Revistas de celebridades só mostram pessoas radiantes. Nessa época de carnaval, então, todos tem que levantar os dedos indicadores alternadamente e cair na folia.


Até nas igrejas, que já foram espaços em que se podia chorar e derramar sua tristeza, já não há mais espaço para os fracassados, para os frustrados, para os perdedores, para os tristes. Na igreja é necessário sorrir e mostrar que está feliz, porque todos os seus problemas foram, ou serão, resolvidos através da oração do pastor, do padre, do bispo ou do “apóstolo” (desculpem, não consigo escrever isso sem aspas).


Como diz a canção do Frejat “rir é bom, mas rir de tudo é desespero”. Não se pode entregar-se à tristeza, isso viraria uma doença, mas é necessário entrar em contato com ela, elaborá-la, percebê-la de maneira profunda. Assim, talvez, consiga-se perceber que ela faz parte da vida. Assim como a felicidade, ela não é perene. Há momentos tristes e felizes. A vida é assim. Quem aprende isso consegue saborear bem os momentos felizes e digerir os tristes, sabendo que não serão para sempre.


A tristeza nos humaniza porque nos mostra que todos temos nossas dores, nossas dificuldades e nossos períodos de baixa. Também ajuda a compreender melhor a dor do outro. Seremos um ombro melhor para o que sofre se já sofremos também. Acolheremos e respeitaremos melhor a dor do outro se também já doeu em nós.


Isso é algo que me encanta em Cristo. Deus encarnado ficou triste, sentiu angústia, andava com alguns fracassados e ele mesmo, conforme a lógica vigente até os dias de hoje, também fracassou, morreu. É por isso que ele sabe acolher nossa dor, respeitar nossa tristeza e servir de ombro para nossas lamúrias. Em toda sua dor, sempre teve a esperança de que voltaria a sorrir. E voltou. Ressuscitado, procurou seus amigos e com eles celebrou, festejou, novamente.


Digira sua tristeza, mas o amargo dela não lhe tirará a capacidade de sentir o doce dos momentos felizes de novo.


Márcio Rosa da Silva


Vi no http://marciorosa.wordpress.com/2012/02/17/tristeza-e-esperanca/
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Fora do AMOR não há SALVAÇÃO!




Por Hermes C. Fernandes


Definitivamente, somos salvos pelo Amor. Epa! Seria esta afirmação uma heresia? Afinal, não somos salvos pela Graça somente?


Antes que me tachem de herege, permitam-me expor as justificativas a esta afirmativa.


Salvação é um assunto vastíssimo. Várias questões devem ser consideradas antes de chegarmos a uma conclusão.


A primeira delas é: De quê somos salvos?

Há várias respostas possíveis, e todas estão relacionadas entre si. Mas a que resume todas é: Somos salvos de nós mesmos.


Deixamos de viver centrados em nosso próprio umbigo, para viver para Deus e para o semelhante. O resultado de uma vida auto-centrada é a ira justa de Deus. Por isso, é certo afirmar que somos salvos da ira de Deus. O combustível que alimenta as chamas do inferno é o egoísmo humano. Portanto, também é certo dizer que somos salvos do inferno. O fundamento sobre o qual os sistemas do mundo estão alicerçados é o amor próprio. Logo, também é certo dizer que somos salvos do mundo e de suas paixões.


A segunda questão igualmente importante é: Por qual meio somos salvos?


As Escrituras falam por si:


“Pois é pela GRAÇA que sois salvos, por meio da fé – e isto não vem de vós, é dom de Deus – não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef.2:8-9).


Não haveria outro meio eficiente para salvar-nos de nós mesmos, senão a Graça. Se fosse possível sermos salvos pelas obras, por exemplo, nosso orgulho se retroalimentaria, e continuaríamos cativos de nosso eu.


Mas qual é a fonte desta GRAÇA? O que faz com que Deus Se importe com gente como nós, pecadores inveterados, cheios de defeitos, dignos de sua ira santa? A resposta está bem debaixo do nosso nariz. Trata-se da mais conhecida passagem bíblica:


“Porque Deus AMOU o mundo de tal maneira, que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo.3:16).


Portanto, a fonte de toda graça é o AMOR. O sacrifício feito na Cruz é a mais contundente prova do amor de Deus pela humanidade. Veja o que Paulo diz sobre isso:


“Mas Deus prova o seu AMOR para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm.5:8).


Não consigo entender como há gente capaz de pedir prova do amor de Deus. Não há mais nada pra se provar. Independente das lutas que tenhamos nesta vida, o amor de Deus por nós já está mais do que provado.


Sem amor, jamais haveria salvação. A graça nada mais é do que o amor de Deus em operação.


Permitam-me uma analogia: a graça é o rio de Deus fluindo por entre os homens. O amor é a fonte de onde suas águas jorram. E a fé é o canal, a calha, por onde essas águas fluem. A fé abre o caminho para que as águas do rio de Deus deságüem em nosso ser. Porém, esta fé, que também é dom de Deus, é operada pelo amor. Veja o que Paulo diz sobre isso:


“O que importa é a fé que opera pelo amor” (Gl.5:6a).


A fé dada por Deus não se articula sozinha. Sem amor, a fé seria como o leito de um rio seco.
Daí a ênfase dada por Paulo: “...ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria” (1 Co.13:2b).


Não se trata de uma fé espetaculosa, preocupada em afirmar-se. Mas de uma fé gentil e gesticulosa, que se apóia no amor ao próximo. Se tiver que remover uma montanha, será para abrir caminho para que outros passem. Uma fé que se revela mais em pequenos gestos de amor do que em grandes demonstrações de poder.


Ademais, se somos salvos por Deus, logo, somos salvos pelo Amor, porque DEUS É AMOR!


E é este amor que desloca o eixo de nossa existência, fazendo com que deixemos de viver para nós mesmos. No dizer de Paulo, “o amor de Cristo nos constrange (...) Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si...” (2 Co.5:14a-15a).


E finalmente, a última questão com que nos deparamos é: Pra quê somos salvos?


Para revelar ao mundo o amor de Deus através de nossas obras. A mesma passagem que diz que somos salvos pela graça, independente das obras, também diz que fomos "criados em Cristo Jesus para as boas obras" (Ef.2:10).


As obras não são a causa de nossa salvação, mas o resultado dela. Esta graça em nós operada deve resultar em AÇÕES de graça.


Quem quer que se atreva a declarar que está salvo, porém não age como tal, engana-se a si mesmo, e continua igualmente perdido. João arremata:


"Nós sabemos que já passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte (...) Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós. E devemos dar a nossa vida pelos irmãos" (1 Jo.3:14,16).


Afirmar que é salvo não é suficiente para comprovar nada. Salvação que não resulte em amor é como achar que mergulhou num rio, e saiu de lá seco, porque o rio não passava de uma miragem no deserto.


Assentimento intelectual não basta. Passar por um ritual batismal, idem. É necessário que sejamos batizados no AMOR.
 
 
 
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Para pensar – Espiritualidade da Criação.

Os Doze Princípios da Espiritualidade da Criação


1. O Universo, e tudo dentro dele, é fundamentalmente uma benção. Nossa relação com o Universo preenche-nos de admiração.


2. Na Criação, Deus é tanto imanente quanto transcendente. Isso é panenteísmo, que não é teísmo (Deus lá fora) nem ateísmo (nenhum Deus em lugar nenhum). Em nossa experiência, o Divino está em todas as coisas e todas as coisas estão no Divino.


3. Deus é Mãe, Filho, e Pai; é Deus em mistério e o Deus na história; está além de todas as palavras e imagens, e em todas as formas e seres. Estamos libertos da necessidade de apegarmo-nos a Deus em uma forma ou um nome literal.


4. Em nossas vidas, é através da obra da prática espiritual que encontramos nosso verdadeiro e mais profundo eu. Através das artes de meditação e silêncio, cultivamos a clareza da mente e nos movemos além do medo rumo à compaixão e comunidade.


5. Nossa obra interior pode ser compreendida como uma jornada quádrupla que envolve:

  • admiração, deleite, surpresa (conhecidos como Via Positiva)
  • incerteza, escuridão, sofrimento, abandono (Via Negativa)
  • parto, criatividade, paixão (Via Creativa)
  • justiça, cura, celebração (Via Transformativa)


Tecemos através dessas sendas como uma espiral dançada, e não como uma escada subida.



6. Cada um de nós é um místico. Podemos adentrar o místico tanto através da beleza (Via Positiva) quanto através da contemplação e do sofrimento (Via Negativa). Nascemos plenos de admiração e podemos recuperá-la em qualquer idade.


7. Cada um de nós é um artista. Seja qual for a expressão de nossa criatividade, ela é nossa oração e louvor (Via Creativa).


8. Cada um de nós é um profeta. Nossa obra profética é interferir em todas as formas de injustiça e em tudo aquilo que interrompe a vida autêntica (Via Transformativa).


9. A diversidade é a natureza do Universo. Alegramo-nos em e corajosamente honramos a rica diversidade presente no Cosmos e expressa entre os indivíduos e através de culturas, religiões e tradições ancestrais.


10. A obra básica de Deus é a compaixão, e nós, que somos todos bençãos originais e filhos e filhas do Divino, somos chamados à compaixão. Reconhecemos nossa mútua interdependência; regozijamo-nos com as alegrias uns dos outros e afligimo-nos com os sofrimentos uns dos outros, trabalhando para curar as causas desses sofrimentos.


11. Há muitas fontes de fé e conhecimento nascendo de um rio subterrâneo de sabedoria Divina. A prática de honrar, aprender e celebrar a sabedoria coletada dessas fontes é o Ecumenismo Profundo. Respeitamos e abraçamos a sabedoria e unidade que advém das diversas fontes de todas as tradições sagradas do mundo.


12. A justiça ecológica é essencial para a sustentabilidade da vida na Terra. A ecologia é a expressão local da cosmologia e, portanto, comprometemo-nos a viver à luz deste valor: transmitir a beleza e a saúde da Criação às gerações futuras.


Fonte – Os amigos Unitaristas de Pernambuco.


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/02/para-pensar-espiritualidade-da-criacao/
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O Deus inventado – Tira-se o mistério e a dúvida, o ego se torna sinônimo de fé.

- Sobre o valor dos argumentos ontológicos –


Um argumento ontológico é aquele que usa somente a razão e a intuição para chegar a uma conclusão, muitas vezes a conclusão de que Deus existe. Parece-me que qualquer tentativa de produzir conhecimento confiável sobre o mundo exterior unicamente pela combinação de palavras em algum idioma é ilegítima. É claro, o mesmo se aplica a qualquer linguagem — até mesmo a linguagem utilizada na matemática. Os fisicos reconhecem que mesmo a mais elegante das teorias elaborada em termos matemáticos deve em última instância ser testada e validada por observações empíricas. Eles projetam, a um custo assombroso, experimentos como o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) com o obejtivo de descobrir os segredos do universo. Os teólogos, contudo, parecem estar livres de tais constragimentos; eles simplesmente encadeiam palavras em algum idioma para atingir o mesmo objetivo. Seria esta abordagem válida?


Demonstrarei que todas as tentativas de gerar conhecimento devem ser fundamentadas em observações empíricas. Os argumentos ontológicos pressupõem implicitamente que palavras, aliadas à gramática e à sintaxe (ou seja, a linguagem) pode ser utilizada para a obtenção acurada de conhecimentos sobre a realidade sem a inconveniência de examinar o mundo real. Mas , de onde a linguagem vem? Ela evoluiu ao longo de milhares de anos, e reflete os pensamentos e experiências de todos os seres humanos que a utilizaram. Inegavelmente, a linguagem reflete a realidade em alguns aspectos. A palavra inglesa ‘aardvark’ é refletida por um insetívoro africano existente, e a palavra ‘zebra’ é refletida por herbívoro africano existente. Mas existem algumas palavras que não refletem a realidade; ‘unicórnio’ e ‘hobbit’ vem-me à mente. Mais seriamente, a física moderna tem mostrado que palavras como “tempo”, “partícula” e “causa”, para citar somente algumas, são problemáticas. Os significados comuns destes termos estão em desacordo com a realidade subjacente à nosso universo. A física revela que existe uma série de razões para acreditar que a linguagem distorce nossa percepção da realidade.


Considere o que os defensores dos argumentos ontológicos supõem. Usando somente a linguagem, e sem referências a uma única observação empírica que seja, eles esperam derivar uma compreensão do mais profundos níveis da realidade. Como se poderia esperar que a mera manipulação de símbolos tipográficos, isolada de qualquer observação, produza conhecimento? Ainda que isso seja o que William Lane Craig quer nos fazer crer. Este é o argumento ontológico formulado por Alvin Plantinga e defendido por Craig:

Agora, em sua versão do argumento, Plantinga concebe Deus como um ser que é ‘maximamente excelente” em todos os mundos possíveis. Plantinga considera a excelência máxima abraangendo propriedades como a onisciência, onipotência e a perfeição moral. Um ser que possua excelência máxima em todos os mundos possíveis teria o que Plantinga chama de “grandeza máxima”. Assim sendo, Plantinga argumenta:
1. É possível que um ser maximamente grande exista.
2. Se é possível que um ser maximamente grande exista, então um ser maximamente grande existe em algum mundo possível.
3. Se um ser maximamente existe em algum mundo possível, então ele existe em todos os mundos possíveis.
4. Se um ser maximamente grande existe em todos os mundos possíveis, então ele existe no mundo real.
5. Se um ser maximamente grande existe no mundo real, então um ser maximamente grande existe.
6. Portanto, um ser maximamente grande existe.


Não é minha intenção expor a falácia lógica contida neste argumento. Em vez disso, meu objetivo é argumentar que simplesmente porque expressão “ser maximamente grande” pode ser formulada em alguma língua, não se segue que podemos derivar conhecimento a respeito da realidade exterior manipulando estas palavras. São apenas palavras, sem maior pretensão de representar a realidade do que “unicórnio rosa invisível” ou “hobbit”. A palavra “zebra” é conhecida por representar um animal real porque o avistamos, fotografamos, dissecamos e assim por diante. Mas “ser maximamente grande” foi conjurado pela imaginação de Plantinga, assim como “hobbit” foi conjurada pela imaginação de Tolkien. As três palavras de Plantinga não podem revelar nada sobre a natureza da realidade, porque não são derivadas de qualquer observação da realidade.


Examinemos os outros quatro argumentos de Craig, apresentados no mesmo artigo em seu website. O Argumento Cosmológico da Contingência padece do mesmo defeito do argumento ontológico:

O argumento cosmológico aparece numa variedade de formas. Aqui está uma versão simples do famoso argumento da contingência:
1. Tudo o que existe possui uma explicação para sua existência, seja na necessidade de sua própria natureza ou numa causa externa.
2. Se o universo possui uma explicação para sua existência, essa explicação é Deus.
3. O universo existe.
4. Portanto, o universo possui uma explicação para sua existência (a partir de 1, 3).
5. Portanto, a explicação para a existência do Universo é Deus (a partir de 2, 4).


Mais uma vez, não há uma única observação da realidade — simplesmente palavras. Especificamente, “a necessidade de sua própria natureza” parece dizer alguma coisa, mas o que? Como teriam os seres humanos alguma vez observado tal fenômeno? Como aplicaríamos tal expressão a uma entidade que sabemos ser real? O que, por exemplo, seria a necessidade da natureza de um aardvark, ou do universo em questão? Se não podemos definir e explicar esta expressão em relação a um animal real, como esperaríamos defini-la em relação a alguma entidade hipotética e nunca observada?



Podemos descartar este argumento exatamente pelas mesmas razões que o argumento ontológico acima. Aqui está outro dos favoritos de Craig:


Eis um argumento moral simples para a existência de Deus:
1. Se Deus não existe, valores e obrigações morais objetivas não existem.
2. Valores e obrigações morais objetivas existem.
3. Portanto, Deus existe.


Mais uma vez, apenas palavras. Craig não oferece nenhuma outra justificação para as duas primeiras premissas além de “…as pessoas geralmente acreditam em ambas as premissas.” Bem, as pessoas em geral costumavam acreditar que o mundo era plano.


Vejamos o Argumento Kalam:

Aqui está uma versão diferente do argumento cosmológico, que eu batizei de argumento cosmológico kalam em homenagem a seus proponentes muçulmanos medievais (kalam é o termo árabe para teologia):
1. Tudo o que começa a existir tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Portanto, o universo tem uma causa.
Uma vez alcançada a conclusão de que o universo tem uma causa, podemos então analisar quais propriedades tal causa deve possuir e avaliar sua significância teológica.


E novamente, nada além de palavras. O primeiro passo está em desacordo com a teoria da mecânica quântica atual; não há razão alguma para pensar que seja verdadeira, e várias razões para duvidar dela. Mas ela soa plausível quando enunciada em português. Como acontece, “plausível” é um termo bastante favorecido por Craig. Na verdade, ele usa este termo para justificar cada um dos seus cinco argumentos.


Craig oferece um quinto argumento para a existência de Deus que aparenta, à primeira vista, possuir considerável substância:

Aqui, então, temos uma formulação simples do argumento teleológico baseado no ajuste fino:
1. O ajuste fino do universo é devido ou à necessidade física, ou ao acaso ou ao projeto.
2. Ele não é devido nem à necessidade física nem ao acaso.
3. Portanto, ele é devido ao projeto.

Craig tem uma discussão para a base deste argumento que é muito longa para reproduzir aqui. Em vez de criticar essa discussão, sugiro que visitem o site de Craig e leiam-no por si próprios. Como alternativa, vamos nos concentrar na possibilidade da necessidade física. Se uma Teoria de Tudo (TOE, na sigla em inglês) coerente empiricamente verificável chegar a ser formulada, ela destruiria este argumento. Craig argumenta corretamente que a ciência não o fez (pelo menos não ainda), e portanto ele argumenta, incorretamente, que o argumento do ajuste fino deve consequentemente ser convincente:


A segunda premissa do argumento responde a essa questão. Considere as três alternativas. A primeira alternativa, necessidade física, é extraordinariamente implausível porque, como vimos, as constantes e quantidades são independentes das leis da natureza. Assim, por exemplo, a mais promissora candidata para um TOE até agora, a teoria das supercordas ou teoria M, fracassa em predizer exclusivamente nosso universo.


O problema para Craig é que a história da ciência não corrobora este argumento. Os ciclos e epiciclos da astronomia pre-copernicana eram inexplicáveis para as melhores mentes da época; era amplamente aceito que uma explicação sobrenatural era a melhor disponível. Mas quando Copérnico e Newton apareceram, a necessidade de intervenção divina se liquefez. A complexidade da biologia, e a harmonia da natureza pareceram certa vez respaldar uma explicação sobrenatural, mas Darwin mudou tudo, ao menos para aqueles que compreendem a ciência. O magnetismo e a eletricidade já foram províncias da magia e da teologia, mas então Faraday, Maxwell e vários outros descobriram as leis que governam estes fenômenos. Por que deveríamos agora acreditar que a realidade pode ser explicada somente pelo sobrenatural? Não aprendemos nada da história da ciência?


Para concluir, eu afirmo que precisamos de mais do que combinações de palavras plausíveis para determinar a natureza última da realidade. Especificamente, precisamos de observações e mensurações. Esta é a diferença entre a teologia e a ciência — a diferença entre superstição e conhecimento genuíno.


Fonte – Rebeldia Metafísica.


Autor – Tim DeLaney


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/02/o-deus-inventado-tira-se-o-misterio-e-a-duvida-o-ego-se-torna-sinonimo-de-fe/
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A verdade não se rende aos cadáveres.

“Viver com a sensação da perda: talvez essa seja hoje a condição moral em que podemos permanecer fiéis ao nosso tempo.”

Imre Kertész.

“Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma.”

Fernando Pessoa.


É evidente que exista momentos de clareza em nossa vida aos quais Sigmund Freud ligaria a uma experiência traumática. Assim, só para deixar claro, quando falo de clareza, falo de alguma coisa real que adquire uma aparência sobrenatural; a erupção repentina, quase violenta, de um pensamento que amadurece lentamente em mim, alguma coisa expressa pelo grito antigo: “Achei”. Mas o que achei?


Essa semana, tive mais uma daquelas experiências extraordinárias que nos traz um equilíbrio apaziguador não fundamentado em dualismos ou respostas claras.


Certo homem, forte, alto, e com aquela aparência intelectual que parece buscar na história um predicado que controle os deuses, entrou numa dessas reuniões que costumo fazer com amigos para exagerar e puxar a teologia de cada dia – Isso, para nos tornarmos bons heréticos.


Com uma compostura estranha, ele bradou: “Sim, encontrei a resposta!”


Como não costumo tirar conclusões precipitadas, simplesmente dei um sorriso, lhe fiz algumas perguntas e lhe dei espaço novamente. Então ele disse:


- Fazia um bom tempo que estava procurando por uma Igreja como essa. Que bom, encontrei um suspiro!


Rapidamente respondi:


- Ótimo! Mas acho que você está enganado ao nosso respeito. Não estamos procurando por respostas aqui. Isso aqui não é uma Igreja. Não vemos as Escrituras como um punhado de idéias aonde somente alguns possuem as conclusões corretas.


Então, já desempolgado, perguntou:


- Já fui vítima de uma ilusão de ótica em que a ótica, na realidade, chama-se manipulação de idéias, afinal de contas, o que é isso aqui?


Então respondi:


Diz a lenda que certa vez um ministro cristão brasileiro se perdeu na floresta Amazônica. Por três meses esse pastor procurou, procurou por um caminho que o tirasse da selva, mas não obteve sucesso. Finalmente, um dia em sua procura, encontrou um grupo de sua Igreja que também estava perdido na floresta. Entusiasmadamente, o grupo bradou: “Pastor, como é maravilhoso tê-lo conosco! Você pode nos levar para fora dessa selva para um lugar seguro”. “Me desculpe, eu não posso ajudar vocês – respondeu o pastor de cabes baixa -, estou tão perdido quanto qualquer um aqui”. O que posso fazer é, porque tenho mais experiência em se perder, dizer como não se perder mais ainda nessa selva. Com está pobre afirmação do pastor, o grupo, agora sem distinções, decidiu procurar por outra solução – Obviamente, conformados com um possível fracasso.


Em suma, o rapaz que veio nos visitar decidiu ficar. Com um belo sorriso no rosto, agora sem modéstia, me disse: Morri mais uma vez, quando isso acontece, vejo novas oportunidades de sobreviver.


Fica a dica: Muita explicação nos separa das surpresas. Necessitamos transformar pessoas, e não oferecer respostas.


Por Nelson Costa Jr


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/02/a-verdade-nao-se-rende-aos-cadaveres/
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Por que não sou Calvinista.

Não plante uma “ Tulip” num jardim reformado.


Richard A. Muller.

A tradução não repete simplesmente o passado, mas desenvolve-o. Os intérpretes cristãos, acima de tudo, deveriam ser pessoas que têm esperança na recriação.

Vincent B. Leitch.

Devo começar com uma confissão, talvez estranha, mas sincera. Acredito que tenha vivido durante muito tempo sob ditaduras, num meio intelectual hostil e desesperadoramente estranho, para que pudesse desenvolver uma certa consciência crítica sobre sistemas. Por que não sou Calvinista? Como que alguém que viveu as convicções do poder judiciário em família, não possa aceitar tal ideologia ? Seja como for, tal experiência me colocou frontalmente numa realidade única: Sou existencialista; deixo o milagre para quando Deus quiser – mas nem isso afirmo. Em vista disso, fui assaltado por dúvidas e comecei a passar o tempo se observando. Como teria certeza sobre a vontade de Deus, se sempre, em minhas conclusões, me deparava com o conflito do meu Jonas interior? (Aqui, me refiro a experiência do profeta neotestamentário com Deus). Portanto, porque não sou um calvinista? A resposta é óbvia: Porque não acredito em mim mesmo – Ao menos, posso dizer que cheguei a essa posição sem rodeios.



Mas chega de nove horas e vamos a teologia. Afinal de contas, não é isso que trata esse blog ? Além do mais, afirmar que exista algum motivo de crer, ou não crer, num descritivo correto sobre algo devido a uma experiência familiar, não seria uma forma de absolutismo epistemológico?



Não sou Calvinista porque acredito que nenhum homem entende as Escrituras perfeitamente, a menos que tenha sido crucificado. Antes de qualquer coisa, deixem-me esclarecer uma objeção. Em primeiro lugar, será que minha abordagem é a de um fundamentalista que anseia por uma certeza subjetiva e incentiva os indivíduos a participarem de uma interpretação teológica carnavalesca? Não exatamente. Ao contrário, abracei um não-realismo crítico que não tende a retirar seu entendimento da verdade apenas de cânones do empirismo científico. Que não se aproxima de Deus somente através de uma interpretação precisa ao seu respeito.Em segundo lugar, será que minha abordagem pressupõe que a verdade da Bíblia está relacionada a sua correspondência com a liberdade de? Não necessariamente. Argumento que os cristãos confrontam a realidade de maneiras diferentes, apesar de muitos não entenderem que são como crianças da era científica ( De maneira irônica, o calvinista foi aprisionado por uma imagem enganadora, e moderna, de significado e verdade). Logo, meus motivos não estão baseados em meus esquemas interpretativos da tradição reformada, não seria tal relativismo auto-refutador ou, no mínimo, incoerente? Mas sim, na virtude teológica reformadora que pressupõe que todas as interpretações são provisórias (semper reformata pressupõe a corrigibilidade de nossas interpretações), e na clareza das Escrituras que prova não possuir nenhum valor absoluto nem uma propriedade abstrata, mas uma função específica relativa a seu objetivo particular: ser testemunha do Cristo.



É verdade que o calvinismo oferece uma maneira de terminar as divagações que com tanta freqüência caracterizam o processo de interpretação bíblica. No entanto, o caminho para dentro não leva para a Terra Prometida, mas de volta para o Egito; a certeza teológica que eles desejam só pode ser alcançada recorrendo-se a algum tipo de autoridade discursiva, intencionalmente incompleta e praticável: As Escrituras nos ensinam, que somos livres para usar, e criticar os sistemas de pensamento e os modelos descritivos – O “ Midrash” também nos ensina isso.



Acredito que os calvinistas estejam certos em sua preocupação de preservar um realismo de significado, e em seu desejo de deixar a Bíblia falar por si própria. No entanto, o realismo deles é um tanto ingênuo por tender a equacionar o significado do texto através de uma epistemologia objetivista. Infelizmente eles esquecem que o conhecimento cristão não é simplesmente uma questão de possuir as descrições certas, mas de ter as disposições certas. As interpretações bíblicas não são verdadeiras, corretas ou justificadas meramente porque alguma tradição acredita que elas sejam assim; precisamos ir atrás de descobertas incomensuráveis, e não de invenções etnocêntricas. Precisamos não simplesmente aprovar, mas continuar a provar nossas interpretações, no sentido de colocá-las à prova. De maneira específica, testamos nossas interpretações, primeiro, submetendo-as a uma epistemologia crística e, depois, entrando em uma conversação mais ampla com outros intérpretes a respeito do texto. Os calvinistas tipicamente abstêm-se do segundo teste, na verdade ignorando completamente o problema hermenêutico. Às vezes, eles dão a impressão de que a principal dificuldade interpretativa é vir a “aceitar” a Bíblia, e não determinar o que ela diz e buscar como aplicar isso. Com relação ao espectro da moralidade do conhecimento hermenêutico, os calvinistas tendem a escorregar em direção ao dogmatismo.




Um desejo deslocado de honrar a “ Sagrada Escritura” leva muitos calvinistas a ler a Bíblia como um livro de declarações verdadeiras. O problema, em minha opinião, é menos a identificação deles da Bíblia com a Palavra de Deus do que a teoria de significado e referência que têm. Uma imagem de significado mantém os calvinistas presos. Essa imagem equaciona o significado de um texto com seu referente, isto é, com sua correspondência tradicional empírica. Sem testar as leituras, tanto subjetivas quanto objetivas na prática, os idealizadores da “tradição reformada” não são consistentes literais como dizem ser .Quando uma leitura bíblica, social , histórica ou científica parecer problemática para seu próprio ponto de vista, eles alteram para uma leitura não literal. Ou seja, o letrismo reformado de hoje deixa claro que muitos (por acalentados próprios, e dogmas pessoais) não despertaram do sono reformado da razão, tradição e experiência de uma época. Não entenderam que, da mesma forma que os reformadores do século XVI redimiram o texto e, dessa forma, a possibilidade de conhecimento literário, nós temos que redimir o texto em nossa época.



Diz-se muitas vezes de mim – alguns imaginam que seja um elogio, outros uma crítica – que escrevo sobre um único assunto : Dúvida. Não tenho nada a opor. Por que eu não aceitaria, com certas restrições, a “porção destinada a mim” nas fronteiras teológicas? Mas se sou um bom calvinista, por que superar tais fronteiras ? Por que se preocupar em pensar se tudo já está predestinado ? Puxa, se Deus quisesse que dependêssemos de alguma ideologia sociocultural com raízes egocêntricas, por que Cristo teve que recontextualizar, se tornar referente do Antigo Testamento? Enfim, acredito que, elevar uma tradição teológica acima das Escrituras é fundamentalmente admitir que minha tradição interpretativa possui um valor absoluto.É tornar a tradição suplementar à Escritura, em vez de um comentário à seu respeito. Como bem demonstrado por Lutero, creio que podemos superar os ideais papistas de qualquer época. De qualquer forma, reconheço minhas contradições, e acredito que, se Calvino estivesse vivo hoje – com as informações da era – ele bateria contra o calvinismo, e principalmente contra o objetivismo ingênuo dos defensores “da tradição reformada”. Logo, como dito, o calvinismo, ou qualquer outro “ismo”, não é uma tarefa à qual fomos sentenciados. Não é a voz de Deus. Não é uma regra de fé. Ou seja, nenhuma dessas abordagens interpretativas praticam a interpretação literal de maneira coerente; todas elas escapam para outro nível de significado. O pecado delas? Omissão! O de não contar toda a verdade. Por isso digo: Não sou calvinista.


Por Nelson Costa Jr


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/01/por-que-nao-sou-calvinista/
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Em louvor ao livro




Meu pai lia obsessivamente. Todas as vezes que surpreendi papai, ao abrir a porta do quarto sem bater, eu o flagrava com um livro na mão. Ele assinava pelo menos duas revistas de notícias semanais e vários pasquins. Comprava folhetos subversivos não sei onde. Trazia, perigosamente, para casa literatura proscrita pelos ditadores. Professor de história, tinha um fascínio enorme pela II Guerra Mundial. Na biblioteca, sobravam tomos, fotografias e artigos sobre o conflito que marcou sua infância. Herdei o vício.


Só há um tipo de consumismo que não me oponho: comprar livros. Todas as vezes que entro em qualquer livraria, gasto mais do que posso – divido em prestações, pago juros altos, mas saio sempre de mãos cheias. Não cogito fazer qualquer viagem de avião sem ler o tempo inteiro. Só há um momento em que odeio o sono, quando o romance me mantém ávido pelo enredo.


Antigamente eu me contentava com textos conceituais, de não-ficção. Mas um dia eu quis aprender a escrever. Logo me disseram que se desejasse melhorar a redação – faltei às aulas de português do Liceu – eu teria de devorar literatura. Hoje, abocanho com igual apetite, biografias, romances, poesias, ficção científica, contos. Os livros grossos já não me metem medo. Sou capaz de perseverar em mil páginas.


Tenho avidez de compensar os anos perdidos em que não abri uma página e faço vigília até alta madrugada. Terminar um livro é fascinante. Só não passo a noite em claro, porque, casado, obedeço ordens superiores que zelam por minha saúde.


O livro faz parte da grande conspiração divina. Quando Deus quis falar à humanidade não fez pirotecnia celestial. Inspirou, tão somente, homens e mulheres a escreverem. Sempre que Moisés subiu a montanha, Javé ordenou que trouxesse um bloco de anotações. Tem razão a frase latina: Scripta manent, verba volant – “O escrito fica, as palavras voam”.


Afirmo sem medo: todo livro é sagrado. O livro, relicário santo, registra memórias, fantasias, angústias, medos, bravuras, grandeza e pecados da humanidade.


Não existe livro impuro, apenas o mal escrito. Literatura é a mais completa de todas as artes. Se o personagem na pintura, escultura ou cinema aparecer contemplando um relvado, ninguém conhecerá com exatidão o que cogita. O bom escritor, contudo, discerne os seus pensamentos. Sabe até o que move a suas entranhas.


Louvado seja o livro. Sem ele não conheceríamos o amor trágico de Tristão e Isolda, de Romeu e Julieta e de Bentinho e Capitu. Jamais celebraríamos a coragem enlouquecida do Quixote. Nunca saberíamos sobre a força do ciúme em Otelo. E nunca partilharíamos da coragem do capitão Acabe.


Jorge Luis Borges afirmou que procurou mais reler do que ler. “Creio que reler é mais importante que ler, embora para reler seja preciso haver lido”.


Já sem enxergar, o brilhante argentino nos legou uma declaração de amor ao livro:


Continuo fingindo não ser cego; continuo comprando livros, continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 (ele escreveu isso em 1978) da Enciclopédia Brockhaus. Senti a presença dessa obra em minha casa; eu a senti como uma espécie de felicidade. Aí estavam os vinte e tantos volumes, com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver; e, no entanto, o livro estava aí. Eu sentia como que uma gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade que temos, nós, os homens”.


Homens e mulheres não vivem só de pão. Nossa alma se alimenta de palavras. No livro não se acha sabedoria pura e simples, nele estão as fontes da beleza, tragédia, alegria, esperança e felicidade.


Deus é escritor e os que querem se achegar a Ele, devem aprender a gostar de ler.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/em-louvor-ao-livro/

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

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A Trindade e a Sociedade

Um dos maiores legados do teólogo católico contemporâneo Leonardo Boff à igreja cristã é seu tratado sobre a Santíssima Trindade: A Trindade e a Sociedade. Nesta obra, o autor não apenas nos faz pensar na conhecida, ainda que misteriosa, doutrina do Deus Triúno, como também nos faz considerá-la como modelo para a construção de uma sociedade saudável.

 
Boff argumenta que um Deus que subsiste enquanto uma comunidade (Pai, Filho e Espírito Santo) é um paradigma perfeito para a construção de qualquer sociedade. De fato, em que outro lugar é possível encontrar modelo maior para a construção de relacionamentos saudáveis, que não na harmoniosa relação entre a 1ª, 2ª e 3ª pessoa da Trindade?

 
Imagine um mundo no qual, ao invés de adversárias, as pessoas se enxergassem como aliadas umas das outras (como se enxergam as pessoas da Trindade)! Imagine relações pautadas no amor e na honra (como se pautam as relações das pessoas da Trindade), ao invés de pautadas no ódio e na desonra! Imagine uma sociedade de seres iguais na essência, mas distintos enquanto pessoas (como é a sociedade trinitária), e que lidam muito bem com as semelhanças e com as dessemelhanças!

 
Alguns chamariam tudo isso de sonho; utopia. “É muito difícil as coisas serem assim”, diriam outros! Mas o que seria do mundo sem os utópicos sonhadores? Não divagassem eles, não conheceríamos muito do que conhecemos. E desde quando dificuldade é sinônimo de impossibilidade?

 
O teólogo tem razão. Olhar para a Trindade é a melhor forma de se construir uma sociedade. O projeto foi desenhado. E caso, na caminhada, alguém dele se esqueça, basta olhar para o céu, que o encontrará novamente.
 
 
Por Daniel Guanaes
 
 
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MÁSCARA, QUEM NÃO TEM?

O uso de máscaras não é uma prática exclusiva no período do carnaval. Todos nós usamos máscaras o ano inteiro. Quero dizer: dependendo dos momentos e ambientes, temos maneiras diferentes de nos comportar. Usar máscaras é uma prática comum daquele que aprendeu a polidez. Meu comportamento numa cerimônia de casamento é um, meu comportamento em casa é outro completamente diferente; minha postura num velório não é a mesma da minha postura num aniversário. Não, isso não é esquizofrenia, mas sim polidez.


O problema é quando eu uso uma máscara não porque o ambiente me sugere um comportamento, mas porque eu quero de alguma maneira tirar vantagens. Uma coisa, por exemplo, é usar a “máscara” para um ambiente do trabalho; outra coisa é usar, no ambiente do trabalho, uma máscara para disputas de poderes e jogos políticos. Uma coisa é usar a máscara “ideal” num ambiente de negócios, outra coisa bem diferente é usar uma máscara para trapacear numa negociação. Uma coisa é usar uma “fantasia” para determinado baile, outra coisa é vender uma imagem fantasiosa para se dar bem.


Mas usar máscaras é também uma questão de sobrevivência e sanidade. Eu uso máscaras para não ferir aquilo que dói tanto em mim. Eu uso máscaras para esconder aquilo que acho feio. Eu uso máscaras porque não sei se o outro terá carinho por aquilo que eu sou. Eu uso máscaras porque minha intimidade é o que eu tenho de mais precioso. Isso é compreensível e demasiado humano!


Só os amigos e amantes conhecem um pouco mais do segredo por trás das máscaras. E como é bom encontrar alguém e segredar o nosso rosto, a nossa fragilidade, a nossa feiúra, as nossas sombras! Como é bom, por um instante apenas, descolar-nos dos ornamentos de sobrevivência, e ficarmos à mercê do outro. Quem encontra um amigo pode contar com ele não apenas nos “carnavais” da vida, mas também em dias comuns e tristes, sem bailes, máscaras, música e serpentina.


Obviamente, em Deus podemos nos despir de todo aparato polido, político, religioso, alegórico e de sobrevivência, certos de que Ele nos entende, nos recebe e nos ama gratuitamente. Mas, como os braços e colo e ouvidos de Deus é o ser humano, será em mim e em você que as pessoas poderão encontrar esse amigo confidente.


Faça um amigo, cative alguém, se aproxime do outro. É lá que Deus quer encontrar você – no “carnaval” e nos dias ordinários! Sei que não será fácil encontrar esse amigo. Você vai se decepcionar muitas vezes, em outras vai se arrepender, mas vale à pena o risco! Quem sabe, na passarela da sobrevivência humana, você e um amigo, darão doces risadas das máscaras que usam!


Márcio Cardoso


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

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Tempo de partir






Não perdi o juízo. Minha espiritualidade não foi a pique. Minhas muitas tarefas não me esgotaram. Entretanto, não cessam os rótulos e os diagnósticos sobre minha saúde espiritual. Escrevo, mas parece que as minhas palavras chegam a ouvidos displicentes. Para alguns pareço vago, para outros, fragmentado e inconsistente nas colocações (talvez seja mesmo). Várias pessoas avisam que intercedem a Deus para que Ele me acuda.


Minha peregrinação cristã está, há muito, marcada por rompimentos. O primeiro, rachei com a Igreja Católica, onde nasci, fui batizado e fiz a Primeira Comunhão. Em premonitórias inquietações não aceitava dogmas. Pedi explicações a um padre sobre certas práticas que não faziam muito sentido para mim. O sacerdote simplesmente deu as costas, mas antes advertiu: “Meu filho, afaste-se dos protestantes, eles são um problema!”.


Depois de ler a Bíblia, decidi sair do catolicismo; um escândalo para uma família que se orgulhava de ter padres e freiras na árvore genealógica – e nenhum “crente”. Aportei na Igreja Presbiteriana Central de Fortaleza. Meus únicos amigos crentes vinham dessa denominação. Enfronhei em muitas atividades. Membro ativo, freqüentei a escola dominical, trabalhei com outros jovens na impressão de boletins, organizei retiros e acampamentos. No cúmulo da vontade de servir, tentei até cantar no coral – um desastre. Liderei a União de Mocidade. Enfim, fiz tudo o que pude dentro daquela estrutura. Fui calvinista. Acreditei por muito tempo que Deus, ao criar todas as coisas, ordenou que o universo inteiro se movesse de acordo com sua presciência e soberania. Aceitei tacitamente que certas pessoas vão para o céu e para o inferno devido a uma eleição. Essa doutrina fazia sentido para mim até porque eu me via um dos eleitos. Eu estava numa situação bem confortável. E podia descansar: a salvação da minha alma estava desde sempre garantida. Mesmo que caísse na gandaia, no último dia, de um jeito ou de outro, a graça me resgataria. O propósito de Deus para minha vida nunca seria frustrado, me garantiram.


Em determinada noite, fui a um culto pentecostal. O Espírito Santo me visitou com ternura. Em êxtase, imerso no amor de Deus, falei em línguas estranhas – um escândalo na comunidade reverente e bem comportada. Sob o impacto daquele batismo, fui intimado a comparecer à versão moderna da Inquisição. Numa minúscula sala, pastores e presbíteros exigiram que eu negasse a experiência sob pena de ser estigmatizado como reles pentecostal. Ameaçaram. Eu sofreria o primeiro processo de expulsão, excomunhão, daquela igreja desde que se estabelecera no século XIX. Ainda adolescente e debaixo do escrutínio opressivo de uma gerontocracia inclemente, ouvi o xeque mate: “Peça para sair, evite o trauma de um julgamento sumário. Poupe-nos de sermos transformados em carrascos”. Às duas da madrugada, capitulei. Solicitei, por carta, a saída. A partir daquele momento, deixei de ser presbiteriano.


De novo estava no exílio. Meu melhor amigo, presidente da Aliança Bíblica Universitária, pertencia a Assembleia de Deus e para lá fui. Era mais um êxodo em busca de abrigo. Eu só queria uma comunidade onde pudesse viver a fé. Cedo vi que a Assembleia de Deus estava engessada. Sobravam legalismo, politicagem interna e ânsia de poder temporal. Não custou e notei a instituição acorrentada por uma tradição farisaica. Pior, iludia-se com sua grandeza numérica. Já pastor da Betesda eu me tornava, de novo, um estorvo. Os processos que mantinham o povo preso ao espírito de boiada me agrediam. Enquanto denunciava o anacronismo assembleiano eu me indispunha. A estrutura amordaçava e eu me via inibido em meu senso crítico. A geração de pastores que ascendia se contentava em ficar quieta. Balançava a cabeça em aprovação aos desmandos dos encastelados no poder. Mais uma vez, eu me encontrava numa sinuca. De novo, precisei romper. Eu estava de saída da maior denominação pentecostal do Brasil. Mas, pela primeira vez, eu me sentia protegido. A querida Betesda me acompanhou.


Agora sinto necessidade de distanciar-me do Movimento Evangélico. Não tenho medo. Depois de tantas rupturas mantenho o coração sóbrio. As decepções não foram suficientes para azedar a minha alma, sequer fortes para roubar a minha fé. “Seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso”.
Estou crescentemente empolgado com as verdades bíblicas que revelam Jesus de Nazaré. Aumenta a minha vontade de caminhar ao lado de gente humana que ama o próximo. Sinto-me estranhamente atraído à beleza da vida. Não cesso de procurar mentores. Estou aberto a amigos que me inspirem a alma.


Então por que uma ruptura radical? Meus movimentos visam preservar a minha alma da intolerância. Saio para não tornar-me um casmurro rabugento. Não desejo acabar um crítico que nunca celebra e jamais se encaixa onde a vida pulsa. Não me considero dono da verdade. Não carrego a palmatória do mundo. Cresce em mim a consciência de que sou imperfeito. Luto para não permitir que covardia me afaste do confronto de meus paradoxos. Não nego: sou incapaz de viver tudo o que prego – a mensagem que anuncio é muito mais excelente do que eu. A igreja que pastoreio tem enormes dificuldades. Contudo, insisto com a necessidade de rescindir com o que comumente se conhece como Movimento Evangélico.


1. Vejo-me incapaz de tolerar que o Evangelho se transforme em negócio e o nome de Deus vire marca que vende bem. Não posso aceitar, passivamente, que tentem converter os cristãos em consumidores e a igreja, em balcão de serviços religiosos. Entendo que o movimento evangélico nacional se apequenou. Não consegue vencer a tentação de lucrar como empresa. Recuso-me a continuar esmurrando as pontas de facas de uma religião que se molda à Babilônia.


2. Não consigo admirar a enorme maioria dos formadores de opinião do movimento evangélico (principalmente os que se valem da mídia). Conheço muitos de fora dos palcos e dos púlpitos. Sei de histórias horrorosas, presenciei fatos inenarráveis e testemunhei decisões execráveis. Sei que muitas eleições nas altas cupulas denominacionais acontecem com casuísmos eleitoreiros imorais. Estive na eleição para presidente de uma enorme denominação. Vi dois zeladores do Centro de Convenções aliciados com dinheiro. Os dois receberam crachá e votaram como pastores. Já ajudei em “cruzadas” evangelísticas cujo objetivo se restringiu filmar a multidão, exibir nos Estados Unidos e levantar dinheiro. O fim último era sustentar o evangelista no luxo nababesco. Sou testemunha ocular de pastores que depois de orar por gente sofrida e miserável debocharam delas, às gargalhadas. Horrorizei-me com o programa da CNN em que algumas das maiores lideranças do mundo evangélico americano apoiaram a guerra do Iraque. Naquela noite revirei na cama sem dormir. Parecia impossível acreditar que homens de Deus colocam a mão no fogo por uma política beligerante e mentirosa de bombardear outro país. Como um movimento, que se pretende portador das Boas Novas, sustenta uma guerra satânica, apoiada pela indústria do petróleo.


3. No momento em que o sal perde o sabor para nada presta senão para ser jogado fora e pisado pelos homens. Não desejo me sentir parte de uma igreja que perde credibilidade por priorizar a mensagem que promete prosperidade. Como conviver com uma religião que busca especializar-se na mecânica das “preces poderosas”? O que dizer de homens e mulheres que ensinam a virtude como degrau para o sucesso? Não suporto conviver em ambientes onde se geram culpa e paranoia como pretexto de ajudar as pessoas a reconhecerem a necessidade de Deus.


4. Não consigo identificar-me com o determinismo teológico que impera na maioria das igrejas evangélicas. Há um fatalismo disfarçado que enxerga cada mínimo detalhe da existência como parte da providência. Repenso as categorias teológicas que me serviam de óculos para a leitura da Bíblia. Entendo que essa mudança de lente se tornou ameaçadora. Eu, porém, preciso de lateralidade. Quero dialogar com as ciências sociais. Preciso variar meus ângulos de percepção. Não gosto de cabrestos. Patrulhamento e cenho franzido me irritam . Senti na carne a intolerância e como o ódio está atrelado ao conformismo teológico. Preciso me manter aberto à companhia de gente que molda a vida, consciente ou inconsciente, pelos valores do Reino de Deus sem medo de pensar, sonhar, sentir, rir e chorar. Desejo desfrutar (curtir) uma espiritualidade sem a canga pesada do legalismo, sem o hermético fundamentalismo, sem os dogmas estreitos dos saudosistas e sem a estupidez dos que não dialogam sem rotular.


Não, não abandonarei a vocação de pastor. Não negligenciarei a comunidade onde sirvo. Quero apenas experimentar a liberdade prometida nos Evangelhos. Posso ainda não saber para onde vou, mas estou certo dos caminhos por onde não devo seguir.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/estudos/tempo-de-partir/