terça-feira, 31 de março de 2009

Os Cânones de Dort

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Os Cânones de Dort
Na conclusão do Sínodo de Dort, os Cânones de Dort foram publicados:

O julgamento do Sínodo Nacional das Igrejas Reformadas Belgas. Realizado em Dort, nos anos de nosso Senhor, 1618 e 1619. No qual muitos teólogos das Igrejas Reformadas da Grã Bretanha, Alemanha, e França, estavam presentes; sobre as cinco questões de doutrina controversas nas Igrejas Belgas.[1]

Pela razão dos Cinco Pontos do Calvinismo serem tirados destes cânones, eles são mantidos em grande estima pelos calvinistas:

Nenhum sínodo ou conselho jamais foi realizado na igreja, cujas decisões, consideradas todas as coisas, merecem mais deferência e respeito.[2]

Cinco Cânones inteiramente calvinistas, nos quais as doutrinas da Reforma, e particularmente de Calvino, sobre os pontos disputados são anunciados com clareza e precisão.[3]

Os Cânones funcionam como uma proteção, uma defesa, da verdade da Palavra de Deus acerca de nossa salvação.[4]

Mas como um calvinista corretamente observa: “Poucos credos formulados pelas igrejas cristãs têm recebido ou semelhante exaltação fastidiosa ou crítica severa como os Cânones de Dort.”[5]

Os Cânones de Dort, dos quais o completo texto pode ser encontrado no apêndice 4,[6] consistem de quatro artigos com uma rejeição de erros adicionada a cada um. Havia também um prefácio, uma conclusão e uma sentença contra os remonstrantes, mas estes são usualmente omitidos quando os Cânones são impressos. Como os procedimentos do Sínodo, os Cânones foram emitidos em latim, que ainda era a língua universal nos círculos eruditos e científicos. Os Cânones na verdade contêm cinco artigos de doutrina: os Cinco Pontos do Calvinismo, mas aparecendo sob quatro artigos, sendo combinados o terceiro e o quarto. Embora seja freqüentemente imaginado que os cinco pontos apresentados pelos arminianos foram uma resposta aos Cinco Pontos do Calvinismo como expressos pelos Cânones de Dort, tal não é o caso. A ordem dos Cânones segue a da Remonstrância e das Opiniões dos Remonstrantes. Isto é diferente da designação comum TULIP, pois a Eleição Incondicional é tratada primeiro, seguida pela Expiação Limitada, a Depravação Total e a Graça Irresistível, e então a Perseverança dos Santos. Os Cânones de Dort são bem extensos, mas o acrônimo TULIP, ainda que breve, é um resumo preciso deles.

Ainda que havia delegados estrangeiros no Sínodo de Dort, os Cânones foram oficialmente adotados, com a exceção da Igreja Reformada da França (que não enviou nenhum delegado), somente pelos holandeles.[7] Os calvinistas admitem, entretanto, que os Cânones de Dort são “a mais controversa declaração de fé das igrejas reformadas.”[8] Em 1816 os Cânones foram abandonados como uma declaração de fé pela Igreja Reformada Holandesa.[9] Isto foi seguido em 1834 pela formação de uma Igreja Reformada rival pelos mais rígidos calvinistas que “não se satisfizeram com a aprovação da igreja ou do governo nacional.”[10] Uma segunda maior cisão da igreja oficial aconteceu em 1886 sob Abraham Kuyper.[11] Durante esta época de distúrbio na Igreja Reformada Holandesa, muitos calvinistas deixaram sua terra natal rumo à América, se estabelecendo em Michigan. Por conseguinte, Grand Rapids, Michigan, é um baluarte calvinista hoje. É nos Estados Unidos que os Cânones de Dort ainda vivem. Junto com a Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg, os Cânones de Dort compõem as “Três Formas de Unidade” e receberam status quase canônico pelas igrejas reformadas na América. No Reformed Bible College em Grand Rapids, Michigan, alguém pode fazer um curso completo sobre estas três formas de unidade.[12] E não apenas isso, mas a universidade “baseia sua instrução na infalível Palavra de Deus conforme interpretada” nestes documentos de profissão de fé.[13] No Calvin Theological Seminary, também em Grand Rapids, os alunos podem igualmente fazer uma curso sobre as confissões reformadas.[14] De fato, as Três Formas de Unidade são “fundamentais à vida, pensamento, trabalho e espiritualidade do seminário.”[15] A fórmula de consentimento aos ministros na Igreja Reformada diz em parte:

Nós, os abaixo-assinados... por meio desta, sinceramente e em boa consciência diante do Senhor, declaramos por este nosso consentimento que genuinamente cremos e estamos persuadidos de que todos os artigos e pontos de doutrina contidos na Confissão e Catecismo das Igrejas Reformadas, junto com a explicação de alguns pontos da supracitada doutrina elaborada pelo Sínodo Nacional de Dordrecht, 1618-’19, concordam inteiramente com a Palavra de Deus.[16]

A diferença entre os Cânones de Dort e todos os outros credos e confissões é que o documento de Dort trata de uma coisa específica: os Cinco Pontos do Calvinismo; ao passo que todos os outros credos são de natural geral, abrangendo toda sorte de assuntos e doutrinas. São os Cinco Pontos do Calvinismo, conforme contidos nos Cânones de Dort, que permanecem a soma e substância do Calvinismo. Assim, embora os reformados tenham suas Três Formas de Unidade, são os Cânones de Dort que reinam supremo. O teólogo reformado Homer Hoeksema reconhece este fato: “O Catecismo de Heidelberg e a Confissão Belga devem ser mantidos, mas sempre à luz de e em harmonia com a interpretação adicional dada em Dordrecht.”[17] Esta devoção a Dort deve ser esperada daqueles de opinião reformada, mas não dos batistas, pois os batistas que seguem os Cinco Pontos do Calvinismo estão na realidade seguindo um credo igreja-estado reformado holandês. Contudo, o batista Kenneth Good insiste que “Dort prestou um grande serviço aos batistas.”[18] Ele até sustenta que “os batistas podem, não obstante, consentir com os Cânones de Dort sem comprometimento.”[19] Repudiar os Cânones é ser arminiano.[20] Mas os batistas que consentem com estes cânones não estão apenas se sujeitando a um credo igreja-estado reformado holandês, eles estão seguindo Agostinho, pois como o teólogo reformado Herman Hanko afirma: “Nossos pais em Dordrecht conheciam bem que estas verdades demonstradas nos Cânones não podiam apenas ser remontadas à Reforma de Calvino; elas podiam ser remontadas à teologia de Santo Agostinho que viveu quase um milênio antes que Calvino fez sua obra em Genebra. Pois foi Agostinho que originalmente expôs estas verdades.”[21] Custance insiste que os Cinco Pontos foram “formulados implicitamente por Agostinho.”[22]

Embora os Cânones de Dort sejam o resultado principal do Sínodo de Dort, eles não são a única coisa que aconteceu durante o Sínodo. A primeira ordem dos trabalhos era a questão de uma nova tradução holandesa da Bíblia.[23] Foi finalmente decidido que seis homens iriam trabalhar na tradução, três para cada Testamento.[24] O trabalho não foi iniciado até 1626, e a Bíblia não foi concluída até 1637.[25] Conhecida como Statenbijbel (a Bíblia dos Estados), ela ainda está em uso hoje. A coisa irônica sobre o Sínodo de Dort é que os calvinistas fizeram exatamente aquilo pelo qual eles anatemizaram os arminianos por desejarem fazer: eles revisaram a Confissão Belga. A maior mudança foi no artigo trinta e seis sobre o magistrado,[26] mas porque os textos franceses, latinos e holandeses discordam entre si e uns com os outros, eles também foram submetidos a uma cuidadosa revisão.[27]

[1] Citado em Thomas Scott, p. 241.
[2] Cunningham, Theology, vol. 2, p. 379.
[3] Berkhof, History, p. 152.
[4] Homer Hoeksema, Voice of Our Fathers, p. 114.
[5] Peter Y. De Jong, “Preaching and the Synod of Dort,” in De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches, p. 115.
[6] The Three Forms of Unity, pp. 37-55.
[7] Schaff, Creeds, vol. 1, p. 514.
[8] Lagerwey, p. 84.
[9] Ibid.
[10] Ibid., p. 86.
[11] Ibid., p. 97.
[12] Reformed Bible College, 1990-1992 Catalog, p. 43.
[13] Ibid., p. 5.
[14] Calvin Theological Seminary, 1996-1998 Catalog, p. 114.
[15] Ibid., p. 115.
[16] Citado em Fred H. Klooster, “Doctrinal Deliverances of Dort,” em De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches, p. 93.
[17] Homer Hoeksema, Voice of Our Fathers, p. 42.
[18] Good, Calvinists, p. 80.
[19] Ibid.
[20] Ibid., p. 66.
[21] Herman Hanko, “Total Depravity,” em Herman Hanko, Homer C. Hoeksema e Gise J. Van Baren, The Five Points of Calvinism (Grand Rapids: Reformed Free Publishing Association, 1976), p. 10.
[22] Custance, p. 71.
[23] Marten H. Woudstra, “The Synod and Bible Translation,” em De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches, p. 95.
[24] Ibid., p. 101.
[25] Ibid., pp. 101, 103.
[26] Bangs, Arminius: A Study, p. 101.
[27] Schaff, Creeds, vol. 1, p. 505.

0 comentários: