quarta-feira, 28 de setembro de 2011

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Hereges e heresias

Por Ricardo Gondim, pastor e escritor.



Com quantos argumentos se estabelece uma questão? Os nazistas souberam demonizar os judeus, já os comunistas habilidosamente desmontaram a lógica de Hitler. Os americanos organizaram uma estrutura filosófica que justificou o bombardeio sobre o Iraque.



Richard Dawkins escreveu um livro em que criteriosamente procura desmascarar os evangélicos ocidentais. Mas já existem vários livros que denunciam a fragilidade dos argumentos desse ateu belicoso.



E assim se alongam as controvérsias.



Um debate de idéias, quando serve a propósitos escusos, tem vida longa e é, na verdade, interminável. Os polemistas assumem, muitas vezes, o perfil do torturador num interrogatório; ele não espanca porque busca extrair a verdade, mas para destruir a pessoa.



O que seria uma heresia? A negação de uma moldura teológica bem assumida por um grupo? Uma hegemonia dogmática? Uma outra interpretação que não se alinha à que pretende ser a melhor e mais autêntica?



Ouso redefinir o conceito de heresia.



Heresia para mim é falta de reverência pela vida. Todo sistema que não defenda os mais frágeis, os menos competentes, os mais indignos, é herética, por mais coerente que se mostre.



Heresia para mim é falta de consideração. As instituições, escolas teológicas e igrejas que descartam as pessoas com suas biografias e seu legado em nome de uma retidão conceitual são heréticas, mesmo que consigam repetir dogmas e catecismos.



Heresia para mim é falta de mansidão. Se a defesa de verdades complexas e excelentes, que extrapolam a capacidade humana, gerar pessoas soberbas, arrogantes e inclementes, isso é apostasia, mesmo que ninguém consiga discordar de seus pressupostos acadêmicos.



Heresia para mim é falta de integridade. Cada dia mais me convenço de que a linguagem religiosa camufla e dissimula a condição humana inadequada e pecaminosa. Não suporto ler tratados sobre santidade quando não percebo um mínimo de sinceridade em quem escreve de admitir suas próprias falhas.



Heresia para mim é falta de honestidade. Algumas pessoas falam de Sartre, Gustavo Gutierrez, Marx, Freud, sem nunca terem lido nem uma linha sequer do que escreveram. Tenho pena de quem não consegue comer peixe por ter medo de se engasgar com as espinhas. Esses, a priori, jogam pedra e preconceituosamente só se interessam em ler quem já criticou aquela idéia.



A tolerância nasce da admissão de que pode, sim, vir coisa boa de Nazaré, das mulheres, dos pentecostais e dos negros. Ouvir é uma arte, e quem não se dispõe ao diálogo amoroso, para mim, é um herege, mesmo que esteja coberto de razão.



O que Deus requer das pessoas? Que sejam misericordiosas, que façam justiça e que andem humildemente com ele.



Esse tipo de vida não tem muito espaço para a heresia; é assim que desejo caminhar.



Soli Deo Gloria.



Fonte: Ultimato
 
 
 
 
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Não basta dizer, é preciso fazer

Muitos gostariam que o Sermão do Monte terminasse com a conhecida “lei áurea” -- “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7.12). E o mais famoso sermão de Jesus terminaria com um bom resumo de tudo o que ele havia acabado de ensinar.

Porém, Mateus não termina assim. Ele segue com uma recomendação e conclui com uma pequena parábola, na qual Jesus deixa claro o que ele espera dos seus ouvintes. Uma forma de entender a conclusão desse sermão são os pronomes: “nem todo o que “me” diz”, “aquele que faz a vontade do “meu” Pai”, “hão de dizer-‘me’”, “apartai-vos de ‘mim’”, “ouve as ‘minhas’ palavras”. Eles nos levam a considerar quem ensina, e não apenas o que se ensina. São essas palavras que formarão o texto que definirá o julgamento, que terá como fundamento o que as pessoas fizeram com suas palavras.

Jesus começa sua recomendação dizendo: “Entrai pela porta estreita” (v. 13). Não é simplesmente um convite, mas um imperativo. No final do sermão, Jesus afirma que existem duas portas e dois caminhos. Um deles leva à morte; o outro, à vida. Jesus reconhece, com tristeza, que são poucos os que entram pelo caminho estreito (v. 14).

O caminho estreito é o herdado. É o caminho da criação, da redenção, o caminho de Jesus. Não é algo imposto a nós, é o caminho que Jesus trilhou e que agora nos convida a trilhar. O caminho largo é o imposto. Chega a nós pela imposição da maioria, da propaganda, daqueles que não suportam seguir sozinhos pelo caminho da perdição e da destruição. O caminho largo não é congruente com aquilo que fomos criados para ser.

O caminho estreito é o do reino preparado para nós antes da fundação do mundo. Jesus não diz que quem não andar pelo caminho estreito será punido. É o próprio caminho largo que nos conduz à morte. Seguir pelo caminho largo ou procurar entrar pelo estreito é uma escolha que fazemos.

O caminho estreito envolve o ouvir e o fazer. Na parábola dos dois construtores, a diferença não está no ouvir -- ambos ouviram. A diferença está no fazer. Existem duas opções: ouvir as palavras de Jesus e não praticá-las ou ouvi-las e praticá-las. A casa que cai é composta por crentes que consideram as palavras de Jesus bonitas para se ouvir, boas para se falar e ensinar, mas irreais para serem praticadas. Como diz C. S. Lewis em “O Grande Abismo”:

Só há duas espécies de pessoas no final: as que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade”, e aqueles a quem Deus diz: “A tua vontade seja feita”. Todos os que estão no inferno foi porque o escolheram. Sem essa autoescolha não haveria inferno. Alma alguma que desejar sincera e constantemente a alegria irá perdê-la. Os que buscam encontram. Para aqueles que batem, a porta é aberta.

Jesus afirma na conclusão do sermão que “nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (v. 21). Existe uma diferença entre os sinais do poder e da ação de Deus e os sinais de que pertencemos a ele. Deus pode expulsar demônios usando qualquer pessoa. Os milagres são sinais do poder de Deus, não de que pertencemos a ele. Os sinais de nosso pertencimento são os frutos da obediência, do praticar aquilo que Jesus ensinou. São estes os frutos que Jesus espera encontrar naqueles que dizem: Senhor, Senhor! Fé em Jesus não é fé real enquanto não fazemos o que ele nos manda fazer.

Nosso problema com o Sermão do Monte é mais com aquele que ensina do que com o ensino em si. Confiamos neste Senhor? Cremos que ele é bom? Estamos seguros de que ele realmente sabe o que necessitamos? Se não confiamos nele, vamos achar suas palavras bonitas de se ouvir e boas para se falar -- mas não reais para se viver. O julgamento para aqueles crentes que ouvem, mas não praticam, será a ausência da comunhão divina: “Nunca vos conheci”.

Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de “Janelas para a Vida” e “O Caminho do Coração”.


Vi no http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/331/nao-basta-dizer-e-preciso-fazer
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Andando nas pegadas do Nazareno





O mar da Galileia se descortina diante dos meus olhos. O dia está bonito, a água é límpida e as pequenas ondas chegam despretensiosamente à praia, em ritmo cadenciado. Era assim no tempo de Jesus e assim continua sendo até hoje, quando revisito o sentido desse lugar. É claro que tudo está diferente. Como em tantos outros lugares do mundo, esta e outras cidades da Galileia estão cheias de arranha-céus e de hotéis turísticos à margem do lago. Porém, o mar não mudou.

Olhando para ele, lembro-me que Jesus andou por essas águas, o que foi relevante para os seus dias. A relevância de ontem é também a de hoje, independentemente de estarmos na Galileia ou em outro lugar. No mar sereno, vejo as pequenas ondas chegarem à praia novamente e penso: É assim que Deus chega perto de nós, novamente, e o faz em todos os mares, vales e montanhas da nossa vida. Ontem ele caminhou pelas praias da Galileia e andou sobre as suas águas. Foi há muito tempo, mas a memória dos seus feitos e a realidade da sua presença ainda permanecem, por mais diferente que seja a língua que se fala, a roupa que se veste ou a comida que está sobre a mesa. Eu agradeço por ele ter estado aqui ontem e por estar aqui e em toda parte hoje, com sua palavra encarnada e seu Espírito vivificador.

Tenho o privilégio de escrever este texto olhando para o mar onde Jesus gastou parte significativa do seu tempo de vida ministerial. Molho os pés na água e lembro-me que nos arredores desse mar Jesus curou enfermos, libertou pessoas de demônios e ensinou o povo as verdades do reino de Deus. A presença, a palavra e o toque de Jesus traziam às pessoas -- a maioria pobres, doentes e cansadas -- um encontro com o sentido da vida, a alegria de viver, a paz nas relações humanas, e o próprio significado do “shalom” de Deus.
Já estive em Israel antes. Dessa vez, porém, ao andar pelos lugares onde Jesus viveu e ministrou, sou tomado de profunda gratidão.

Jantamos em Magdala, terra de Maria Madalena, e passamos por Gadara, onde Jesus curou o endemoninhado. Porém, confesso que tenho dificuldade de enxergá-lo caminhando entre os pobres, pequenos e doentes, como fez no seu tempo, anunciando-lhes a palavra presencial da salvação. Afinal, esse lugar tornou-se um centro de grande atividade turística, onde tudo é motivo para um bom negócio. Sei que para o pobre daqui o turista pode viabilizar a sobrevivência. Porém, tudo parece produzido e editado, inclusive a parte do cristianismo. Em Cafarnaum, sobre a suposta casa da sogra de Pedro -- a quem Jesus curou -- construíram uma igreja. No lugar onde ele provavelmente pregou o Sermão do Monte, há outra igreja suntuosa. O diálogo entre o episódio original e a arquitetura atual parecem denunciar que enfeitamos Jesus de tal forma que corremos o risco de não nos encontrarmos com ele, que é o sentido e a necessidade mais profunda de toda a nossa vida. O que acontece é que apenas os turistas com dinheiro podem visitar a “terra prometida”.

Então chego a Nazaré. Nesta cidade grande e povoada há, em um pequeno pedaço de terra, uma vila reconstruída para que se experimente “a Nazaré onde Jesus viveu”. Nela, algumas ovelhas seguem as ordens do pastor, uma mulher chamada Ana produz e tece os fios de algodão, e o carpinteiro José trabalha com ferramentas iguais às usadas por Jesus.
Essa foi a experiência que mais me marcou. Sua simplicidade e o seu jeito de ser gente me mostraram uma vez mais o que significa a encarnação de Jesus e o seu incalculável valor para um mundo cansado, desagregado, opresso e doente. As ovelhas pastando, Ana em seu cotidiano e José com um pedaço de madeira na mão recebem a presença de um Jesus que se torna um deles e um de nós, para nos mostrar que Deus não nos esqueceu e nos possibilita um encontro com ele e com o caminho da salvação. Na pequena vila de Nazaré foi mais fácil vê-lo e ouvi-lo a me chamar para ser dele. Não seria esse o sentido da vocação dos discípulos, chamados a estar com ele e a segui-lo? Eles prontamente o fizeram. “Abandonaram o barco e, deixando tudo, o seguiram.” Em Nazaré foi mais fácil vê-lo por entre os caminhos pedregosos abraçando crianças, curando enfermos, sorrindo para um solitário e anunciando, ao expulsar o demônio, que o reino de Deus é chegado.

Daqui a alguns dias irei embora de Israel e logo estarei na África, em contato com a nossa gente que serve às crianças e aos pobres em lugares onde a fé é absolutamente minoritária, como aqui, onde os cristãos são em torno de 1% da população. O que fazemos na África fazemos também em Israel -- cuidamos dos pobres. Em ambos queremos ser testemunhas do amor de Deus, que em Jesus nos mostrou um caminho sobremodo excelente: amar a Deus de todo o nosso coração e ao próximo como a nós mesmos. Jesus, o Nazareno, fez isso por aqui, faz isso conosco e nos convida a fazê-lo em seu nome mundo afora. Aliás, para me encontrar com esse convite e com esse desafio de Deus para mim, eu nem precisava molhar os pés no mar da Galileia, pois ele me encontrou junto aos “meus próprios mares”, como diz o belo hino:

“Tu vieste à beira do lago,
Não buscaste nem prata nem ouro
Queres somente que eu te siga.

Senhor, olhaste em meus olhos
E sorrindo disseste meu nome
Lá na areia deixei o meu barco
Junto a ti buscarei outro mar.”

• Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.


Vi no http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/331/andando-nas-pegadas-do-nazareno
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Todo mundo odeia Troy Davis

Cris Rock é um dos melhores comediantes americanos. Ele é negro, rico e bem-sucedido. A série autobiográfica “Everybody hates Cris” foi um sucesso de público e crítica. Em 2005, ele foi o mestre de cerimônias do Oscar. Seus shows de stand-up lotam ginásios e auditórios por todo o país. De negro pobre, morador de uma periferia perigosa, fadado ao fracasso, se tornou capa das maiores revistas americanas e símbolo de sucesso, status e inteligência.


Troy Davis é negro, como Cris Rock; nasceu numa família humilde como Cris Rock; viveu numa vizinhança perigosa como Cris Rock; estudou numa péssima escola pública como Cris Rock; e o principal: todo mundo odeia Troy Davis. A diferença crucial é: Troy Davis deve ser executado hoje. Condenado pelo assassinato de um policial branco num julgamento repleto de dúvidas, falhas e contradições, Troy Davis deve receber hoje uma injeção letal e sua morte está sendo acompanhada por milhões de pessoas nos EUA e por todo o mundo.


Troy Davis é o Cris Rock da vida real, das estatísticas. Troy é o Cris que não deu certo. Troy é o Cris que não venceu o ódio, o preconceito, a discriminação e a injustiça. Troy é o Cris derrotado, é o Cris que não se levantou do chão depois do murro da força eugênica. Troy é o ator coadjuvante do filme de mocinhos e bandidos com final feliz e bandido morto que os americanos tanto precisam pra manter seu senso de justiça avivado.


Troy Davis é um assassino? Apesar de todas as provas em contrário, das testemunhas que o inocentaram, da falta de provas físicas, evidências e da arma do crime, o “sistema judiciário” o condenou porque alguém precisa ser sempre condenado no roteiro americano. Os americanos não sabem conviver com a dúvida, com a incerteza, com a insegurança. Preferem admitir depois o erro a deixar de agir rapidamente.


Troy é uma vítima? Troy Davis é alguém que nos espelha. Somos todos potenciais Troys. Estamos todos à mercê da máquina, do sistema, dessa potestade a quem todos se rendem submissos. Os EUA são o maior país protestante do mundo. Troy Davis foi condenado com base na Lei de Talião, olho por olho, dente por dente. Troy Davis talvez seja o melhor exemplo do que nos espera num aguardado governo evangélico? Troy Davis é prova do conselho salomônico: maldito o homem que confia no homem.







Atualização: A execução de Troy Davis foi adiada no último minuto por uma semana para análise do Supremo Tribunal. Aguardemos em oração.


Atualização 2: Na virada da noite, a Suprema Corte rejeitou o pedido de novo julgamento e Troy Davis foi executado com uma injeção letal. Suas últimas palavras, olhando nos olhos da família do policial morto: “Amarrado à cama, levantou a cabeça e disse: “Eu não matei seu filho, irmão. Vocês que tiram a minha vida, que Deus tenha misericórida de sua alma”.


Vi no http://tomfernandes.wordpress.com/2011/09/21/todo-mundo-odeia-troy-davis/
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Clamor.






Senhor,


Poucas vezes te escrevi. Confesso meu medo! Meus mentores me ensinaram a falar contigo sempre de improviso. Tremo, pois minha prece se eternizará pela palavra escrita.


Escrevi para amigos e desafetos ultimamente, e foi aí que me perguntei: por que esse pavor de enviar algumas mal traçadas linhas para Deus?


Permita-me pular o prelúdio comum das preces. Já te disse em outras ocasiões o quanto te admiro e, por hoje, peço-te permissão para passar essa parte. Vamos diretamente ao ponto.


Confesso uma dor da alma. Quando escrevi aquele livro que combatia a teologia da prosperidade, fui inclemente, literalista e ortodoxo em minhas análises. Hoje sequer me reconheço no espírito que escrevi.


Tu sabes, Senhor, como ainda rejeito as promessas irresponsáveis que se fazem em teu nome. Não rechaço os conteúdos do meu livro, mas a intolerância que um dia encarnei. Não quero mais lidar com verdades daquele jeito. Eu, hoje, sofro contra-ataques de gente que discorda de mim com a mesma virulência que desferi no passado e sinto-me mal. Peço teu perdão pelas feridas que causei.


Senhor, preciso de tua ajuda. Tu, que visitas os cansados e fortaleces os joelhos desconjuntados, dá-me tua mão. Estou arrependido de um dia acreditar que possuía a verdade e que, fora de minha elaboração, seria difícil encontrar a versão mais acurada do Evangelho.


Parecido com o Ratzinger, pretensiosamente, acreditei representar o ramo mais próximo e verdadeiro da fé apostólica.


Senhor, preciso distanciar-me dos discursos religiosos exatos e dos professores das lógicas teológicas.


Ajuda-me! Antes de especular a letra, devo aprender a conhecer meu vasto e complicado coração. Por favor, afasta-me da arrogância de nunca admitir que também falo e escrevo obviedades.


Deixa-me como rolha, boiando a esmo no oceano do saber, contanto que faças de mim um homem bondoso – continuo demasiadamente ensimesmado. Esmerilha minha arrogância até que não sobre nenhuma ponta ferina.


Ensina-me o que ainda não aprendi: ser semente que morre; preferir os últimos lugares; levar as cargas alheias; virar o outro lado do rosto na hora do soco; evitar gritarias; não desdenhar do pobre; chorar com os que choram e rir com os que riem.


Não desejo mais sentar-me na cadeira de Moisés. Dá-me, tão somente, o privilégio de ficar um pouquinho parecido com Jesus, teu Filho. E isso será tudo.


Amém.


Soli Deo Gloria


Vi no http://betesda.com.br/reflexoes/clamor/

sábado, 24 de setembro de 2011

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A Igreja precisa aprender com o GREENPEACE







Calma, deixe me explicar.

Temos observado uma conscientização mundial a respeito do crescimento sustentável. Sustentabilidade entrou para a pauta das grandes preocupações entre os líderes de todo o mundo. O tema se tornou centro de campanhas mundiais por uma racionalização do uso dos recursos naturais.

Tem sido a causa apaixonada de muitos jovens por todo o planeta, levando-os as ruas em manifestações pacíficas ou não. Tem inspirado até mesmo à produtores, artistas e astros do rock. Os mesmos têm doado parte de seus cachês em favor da causa. Cada vez é maior o número dos eventos para arrecadação de fundos para campanhas em prol da recuperação e conservação da natureza. Recentemente, tivemos o festival SWU em uma fazenda na cidade de Itú, SP, aonde foi montada uma mega estrutura para receber centenas de artistas iniciantes e consagrados, como Rage Against the Machine (a melhor banda do festival) e Link Park. Toda a o organização e estrutura do evento foram direcionadas para agir em sinergia com a natureza ao redor sem prejudicá-la.




Rage Against the Machine no SWU


 
Mas nem sempre foi assim. Na verdade esse movimento pela sustentabilidade ainda é um bebê. Há tempos os cientistas, geógrafos, arqueólogos, vêem alertando sobre os perigos do crescimento desenfreado promovido pelo capitalismo selvagem. Sempre foram tratados como fatalistas e exagerados, eram vistos como os profetas que anunciavam uma catástrofe que ainda estava muito longe de vir, se é que viria.

Porém, contra fatos não há argumentos. E mais convincente do que qualquer argumento científico, foi a humanidade começar a presenciar tsunamis varrendo litorais inteiros, geleiras gigantescas desmoronando sob o sol cada vez mais forte elevando os níveis dos oceanos, enchentes, situações climáticas atípicas nas estações do ano, calor insuportável ás 08:00 horas da manhã, animais sendo extintos do planeta.

O mundo entrou em alerta. E aos poucos, medidas e leis governamentais vão sendo criadas para que o planeta não se desmanche sob os nossos pés.

Agora, deixe me fazer uma analogia com a situação da igreja nos dias de hoje.

A igreja evangélica tem crescido assombrosamente nas últimas décadas, e a maioria dos crentes vêem nisso uma vitória, porém, existe um grupo menor, como os cientistas supracitados, mandando um recado que tem se propagado cada vez mais. O recado é:

A igreja não está crescendo! A igreja está inchando! Parem agora!

Um corpo inchado é um corpo doente!

O princípio destrutivo do capitalismo de crescer a qualquer custo penetrou na mentalidade dos líderes eclesiásticos, e os mesmos estão transformando suas igrejas em empresas. E o pior, alegam que esse crescimento faz parte do avivamento prometido pelo Senhor!

Heresia!!!

Aonde o avivamento verdadeiro chega a subversão acontece. As coisas começam a sair do lugar (ou entrar, depende do ponto de vista), o mundo vira de pernas para o ar. Atos 17.6

A Bíblia diz que quando a Luz chega as trevas saem. Olhe ao redor, cadê as evidencias desse tal avivamento? Existe paz? Existe uma crescente moralidade? Pelo contrário, a violência e a imoralidade crescem cada dia mais. Não se engane com esse inchaço meu camarada.

Esse crescimento não é obra do Espírito Santo, trata-se pura e simplesmente de princípios empresariais de crescimento aplicados sobre um povo doente, cansado, desesperançoso, que são atraídos por falsas promessas de um triunfalismo capitalista.

Assim como a humanidade está descobrindo maneiras eficazes de continuar se desenvolvendo com sustentabilidade, a igreja precisa voltar a pensar na qualidade, na maturidade desses que estão lotando os templos evangélicos em todo o país.

Assim como os líderes mundiais se reúnem para discutir maneiras de alcançar um crescimento sustentável, os líderes eclesiásticos remanescentes, aqueles que não se deixaram contaminar com essa teologia maldita da prosperidade, deveriam se unir em prol de um grande movimento de retorno do evangelho genuíno, o único elemento capaz de garantir um crescimento com sustentabilidade, e não permanecerem omissos diante desse cenário dantesco. Como diria Luther King: “O que me preocupa não é o barulho dos maus, mas o silêncio dos bons”.

Ao invés da Marcha para Jesus que se tornou puro comércio e instrumento de barganha para políticos interessados nos votos dos crentes, proponho uma Marcha pelo Retorno do Evangelho Genuíno.

Uma busca por aqueles que se perderam por conta dos escândalos. Uma marcha com uma pregação apologética, libertando as pessoas das doutrinas judaizantes, do sincretismo religioso que trouxe os atos proféticos e pontos de contato da fé para o nosso meio, responsáveis por manter os cristãos supersticiosos e mancos na fé. Uma marcha pregando a verdadeira liberdade para que Cristo nos libertou.

Tenho fé que o avivamento realmente já tenha começado nesse país, mas ele não está sendo evidenciado através dos teles pastores, na construção da réplica do templo de Salomão, nas inúmeras igrejas e denominações novas que se abrem em cada esquina.

Ele começou no desejo ardente de homens e mulheres de Deus que não tem se calado por todo esse país. Homens e mulheres que tem colocado a cara a tapa, pregando o evangelho puro e simples, indo de encontro com esse “evangeliquês” que se propaga.

Não basta traçar estratégias de crescimento, é preciso pensar na sustentabilidade. Nesse caso, a sustentabilidade está no incentivo da maturidade espiritual do novo e velho convertido. E essa maturidade somente é alcançada através do evangelho puro e simples, o genuíno, o que custava a vida dos nossos irmãos primitivos, e que hoje, tem custado a vida de tantos outros pelo mundo.

Caso contrário, continuarão a se propagar cristãos “bola de neve” (nenhuma alusão a igreja, pelo amor de Dio!), começam pequenos, vão crescendo, arrastando tudo pela frente, se transformam em uma avalanche, e depois vão perdendo a força até encontrar um obstáculo (as circunstâncias da vida) que os pare. Depois o sol se encarrega de dissipá-los com seu calor.

Finalizo agradecendo ao Pai por ter me impedido de ir em frente com um ministério quando eu era um menino influenciado por doutrinas judaizantes, por achismos, por clichês gospels e por um evangelho cheio de equívocos teológicos. Sei que seria difícil retornar as origens do evangelho já tendo toda uma estrutura montada sobre um monte de deturpações. Dar o braço a torcer, parar, abandonar a “visão”, deixar de arrecadar altas quantias de dinheiro, retroceder para pegar a rota certa.

Aos que se vêem nesse dilema sugiro que reflitam sobre 1º Tessalonicenses 3.4.

Não ame mais a sua “visão” do que as Verdades das Escrituras. Cresça com sustentabilidade, mesmo que isso te custe coisas valiosas na terra. Lembre-se que nossa pátria está nos céus.

Deus abençoe.

*O Greenpeace é uma organização global e independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Informação do site.




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Um rei seduzido e a outra face de Jesus






“Por aquele tempo ouviu Herodes, o tetrarca, a fama de Jesus, e disse a seus servos: Este é João Batista; ressurgiu dos mortos, e por isso nele operam estes poderes miraculosos” (Mt.14:1).



Depois de haver ordenado que João fosse degolado, Herodes passou a ser assombrado pela culpa. Depois de passado o efeito da bebida, ele se deu conta de que havia sido manipulado. Agora, ouvindo sobre os milagres que Jesus fazia, julgou que João havia voltado dos mortos para assombrá-lo.



Por que razão Herodes confundiu Jesus com João? Será por serem primos? Não! O fato é que Jesus, ao receber a notícia da morte de seu primo, foi para o deserto, lugar onde João desenvolvera seu ministério, e ali, realizou milagres, e alimentou uma multidão com cinco pães e dois peixinhos.



O cenário em que Jesus fizera tal milagre era o mesmo em que João conclamara seu povo ao arrependimento.



Mesmo afastado da sociedade, freqüentando lugares inóspitos como o deserto, a mensagem de João ecoou nos palácios e nas avenidas dos grandes centros urbanos da época.



O excêntrico profeta, que se alimentava de mel e gafanhotos, e se vestia como um eremita, tornou-se uma ameaça ao status quo. Principalmente, quando passou a denunciar os erros praticados pelas autoridades. Nem o rei fora poupado, pois tomara por esposa Herodias, a mulher de seu próprio irmão.



Alguém teria que calá-lo a qualquer custo. Porém, Herodes deparava-se com outro problema: a grande popularidade de João. Mandar matá-lo poderia provocar uma reação inusitada na população. Portanto, executar o profeta seria um suicídio político.



A alternativa foi tirá-lo de circulação por algum tempo, até que sua popularidade caísse. E para isso, Herodes ordenou sua prisão. Aparentemente, o problema estava resolvido. Mas havia alguém que ainda não estava satisfeito: Herodias. Para ela, o problema não era apenas político, mas pessoal. Sua honra precisava ser lavada.



“Festejando-se, porém, o dia natalício de Herodes, dançou a filha de Herodias diante de todos e agradou tanto a Herodes, que este prometeu, com juramento, dar-lhe tudo o que pedisse. Então ela, instruída por sua mãe, disse: Dá-me aqui num prato a cabeça de João Batista” (6-8).



Era agora ou nunca!



Herodes caiu como um pato! Encantado pela sensualidade de sua enteada, o rei prometeu lhe dar qualquer coisa. Em outra passagem correlata, diz-se que Herodes ofereceu até metade do seu reino, caso ela quisesse.



Havia algo mais valioso do que a metade do seu reino: A cabeça daquele anunciava a chegada do reino de Deus. O próprio Jesus dissera que dentre os nascidos de mulher, ninguém era maior do que João.



Mesmo triste em ter que tomar uma decisão que lhe custaria a popularidade, Herodes, o rei fantoche, “mandou degolar a João no cárcere. A cabeça foi trazida num prato e dada à jovem, e ela a levou a sua mãe. Então chegaram os seus discípulos, levaram o corpo e o sepultaram. Depois foram anunciá-lo a Jesus” (10-12).



Qual seria a reação de Jesus? Uma explosão de raiva? Não! Amaldiçoaria Herodes? Nem pensar. Em vez disso, Jesus retirou-se para o lugar onde tivera Seu primeiro encontro com João, depois de adulto.



Naquele momento de dor, Jesus preferiu o silêncio e a solidão. Era a hora de revelar Sua outra face.



E sabe qual foi a resposta de Jesus a Herodes?




O texto diz que quando o povo soube onde estava Jesus, “seguiu-o a pé desde as cidades.” Jesus poderia ter dito: Deixem-me em paz! Respeitem o meu luto! Em vez disso, quando viu a multidão, “possuído de grande compaixão para com ela, curou os seus enfermos” (v.14).



Eis a resposta que Jesus deu a Herodes. No mesmo cenário onde João desenvolvera seu ministério, Jesus agora fazia obras ainda maiores. Herodes até poderia calar a voz de um profeta, mas não poderia impedir a expansão do Reino de Deus.



Mas não pára aqui.



Como Rei, Cristo demonstrou possuir um perfil completamente diferente de Herodes e dos demais reis deste mundo.



Herodes estava preocupado era com sua popularidade. Jesus se preocupava com o bem-estar dos que O seguiam. São motivações completamente opostas.



Herodes era movido pelo amor-próprio. Jesus era movido por compaixão.



Veja o que diz o texto:


“Chegada a tarde, os seus discípulos aproximaram-se dele, dizendo: O lugar é deserto, e a hora é já avançada. Despede a multidão, para que vão pelas aldeias, e comprem comida para si” (15). Quem ousaria dizer o que Jesus deveria ou não fazer? Jesus não era marionete nas mãos de ninguém, nem mesmo dos Seus discípulos. O Jesus que tem sido difundido em nossos dias não passa de uma caricatura, uma espécie de Cristo Genérico, que vive em função dos caprichos dos seus seguidores. E muitos crentes acham que podem até “seduzi-lo” com suas danças e performances. Se agradá-lO suficientemente, a ponto de deixá-Lo ‘fora de si’, pode-se pedir o que quiser, que Ele atende imediatamente. Quanta tolice. Mas a culpa não é deles. Como a culpa não era da enteada de Herodes. Ela foi apenas massa de manobra nas mãos de sua mãe. A culpa é dos líderes, que se acham detentores do monopólio do reino dos céus. Mais duro juízo virá sobre eles. São guia de cegos! E por causa deles, muitos profetas genuínos têm sido calados em nossos dias. Anos atrás, tínhamos um programa de rádio no Rio de Janeiro, que estava alcançando uma grande audiência. O dono de umas dessas indústrias religiosas, mandou chamar o dono da emissora em sua catedral em SP para uma reunião. Lá ofereceu-lhe uma maleta com trezentos mil dólares para que fôssemos tirados do ar. O dono da rádio, nosso amigo há muitos anos, perguntou a razão que o levara a fazer tal proposta. Sabe o que ele ouviu do tal líder?



- Neste ramo de negócios só há duas maneiras de se manter. Primeiro é fazendo-se ouvir, e segundo é fazendo calar a concorrência.



Este mesmo líder tinha um programa nesta emissora que era precedido por uma programação espírita afro-brasileira. O dono da rádio ofereceu-lhe aquele horário, dizendo que os espíritas não conseguiriam pagar por causa do aumento no preço. Sabe o que ele fez? Ofereceu pagar pela manutenção da programação espírita, para que seu programa não perdesse aquela audiência. Por vários anos, o programa de macumba foi mantido pelas ofertas e fogueiras santas daquela ‘igreja’.



Tenho pena das filhas de Herodias! Elas dançam conforme a música.



Mas não tenho pena de Herodes, nem tampouco de Herodias.



Mas me glorio na valentia dos profetas cuja cabeça acaba num prato, por não negociarem com a verdade.



Os discípulos de Jesus acharam que poderiam ditar o que Jesus deveria fazer naquele instante. Foi, de fato, um momento decisivo em Seu ministério. Se Jesus cedesse, Ele Se tornaria mais uma marionete nas mãos dos Seus seguidores.



Em vez de despedir da multidão, Jesus lhes disse: “Não é preciso que se retirem. Dai-lhes vós de comer” (16).



E há quem se atreva a querer colocar Deus contra a parede!



Se Ele é Deus, Ele é quem dá as ordens.



Ele não é rei de enfeite. Nem fantoche de ninguém.



Quando nos sentamos no banco carona de um carro, vemos a face direita de quem o conduz. Esta é a face da autoridade. Mas se a pessoa que conduz o veículo trocar de lugar com a que está no carona, em vez da face direita, sua face esquerda é que será vista.



Nos acostumamos tanto com a face esquerda de Cristo, isto é, com o Cristo que Se entrega, que Se faz servo, que acabamos estranhando, quando O vemos de outro ângulo, em Sua majestade e poder.



De fato, Cristo Se fez servo. Revelou-nos a Sua face de compaixão e amor. Mas isso não nos dá o direito de achar que Ele viva em função de nossos caprichos, e que nossos pedidos lhe soem como uma ordem.



O mesmo Cristo que esvaziou-Se, deixou Sua glória para caminhar por nossas ruas empoeiradas, agora está assentado em Seu trono de glória.



O mesmo Cristo que nasceu numa manjedoura, foi também o parteiro das estrelas. As mãos que foram fixadas pelos cravos no madeiro, são as que sustentam as galáxias, e mantém presos os planetas em suas órbitas.



Não podemos nutrir uma visão míope de Cristo. Ele é 100% Homem, mas também é 100% Deus.



Quando os discípulos disseram que só tinham cinco pães e dois peixinhos que um menino oferecera, Jesus disse: “Trazei-mos.”



Não sei o que Herodes fez com o prato contendo a cabeça de João. Mas sei o que Jesus fez com aquele punhado de pães e peixes.



Quem vai querer levar uma cabeça humana pra casa? Que serventia teria?



A resposta de Jesus àquele prato infame foram os doze cestos cheios de pães e peixes que sobraram depois que alimentara a multidão.



Imagino o que os convidados de Herodes devem ter sentido quando viram aquela cena repugnante. Talvez tenham até vomitado sobre a mesa.



Porém, a multidão alimentada por Jesus saiu satisfeita, arrotando peixe e palitando os dentes.



Dois reis. A qual deles servimos?



O rei fantoche ou Rei dos reis?



Duas igrejas, a que entretém o rei e seus convidados, e a que busca agradar ao rei, alimentando os famintos de justiça.



Não quero estar num palácio onde se perde a cabeça. Prefiro estar no deserto, onde multidões são alimentadas.



Aquele menino que oferece seu lanche a Jesus é a antítese da enteada de Herodes. A propósito, Deus não tem enteados.



A menina pede... o menino oferece o que tem. Ela quer ser atendida, ele quer servir.



O resultado do desevangelho que tem sido pregado em nossos dias, é o surgimento de uma igreja pirracenta, mimada, que não reconhece a outra face do Seu Rei.
 
 
 
Por Hermes C. Fernandes
 
 
 
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Acima de qualquer SUSPEITA






Há pessoas que parecem ter o "dom" de se camuflar, esconder suas verdadeiras motivações. Vendem uma imagem de bom moço, conseguindo enganar até pessoas de seu círculo íntimo. Vinte anos se passaram, desde que Jacó fugira de sua casa, e encontrara abrigo na casa de seu tio Labão. Lá ele aprendeu o quanto dói ser enganado e passado pra trás. Por várias vezes foi trapaceado pelo seu próprio tio.



Logo que chegara, propôs trabalhar de graça por sete anos, desde que recebesse a mão de Raquel em casamento. No dia do casório, Labão aproveitou-se da embriaguês de Jacó, e deu-lhe Lia, sua primogênita, no lugar de Raquel, sua caçula e preferida. Jacó só se deu conta do equívoco no dia seguinte pela manhã, após ter consumado o casamento.



As Escrituras são claras: tudo o que homem semear, isso também ceifará. Assim como ele enganou a seu pai, fazendo-se passar por seu irmão para receber a bênção, Labão fez com que Lia se fizesse passar por Raquel, para que Jacó a recebesse por esposa. Ele bem que tentou argumentar com seu tio. Mas cedeu ante o argumento de que em sua cultura, primeiro se casava a primogênita, para depois casar a caçula.



Tudo bem! Jacó se deu por vencido. Mas não desistiu de seu sonho de consumo: Raquel. Dispôs-se a trabalhar por mais sete anos pela mão da pastorinha que conquistara seu coração desde o primeiro encontro.



Mais adiante, Jacó se viu enganado por Labão várias vezes, conquanto mudasse sua forma de pagamento, toda vez que percebia que ele estava prosperando. Não suportando mais a pressão, resolveu deixar Labão e seguir seu próprio caminho.



Não tendo como argumentar com Labão que o recebera vinte anos antes como um filho, Jacó preferiu sair na calada da noite com toda a sua família e gado, enquanto seu tio/sogro dormia.



O texto diz:



“Então se levantou Jacó, pôs os seus filhos e as suas mulheres sobre os camelos, e levou todo o seu gado, e todos os seus bens, que havia adquirido, o gado que possuía, que havia adquirido em Padã-Arã, a fim de ir ter com Isaque, seu pai, à terra de Canaã. Tendo Labão ido tosquiar as suas ovelhas, Raquel furtou os ídolos do lar que pertenciam a seu pai” (Gn.31:17-19).



Há pessoas que se aproveitam de um momento de crise entre duas partes, para tirar alguma vantagem. Raquel aproveitou a situação, foi pé por pé na tenda de seu pai, e roubou-lhe os ídolos. Ninguém ficou sabendo. Ela não contou nem pra seu marido, nem pra sua irmã.



Não eram ídolos de gesso com os de hoje, mas de ouro. Tinham um valor financeiro, e por isso, poderiam ser úteis num momento de aperto. Pelo menos, imagino que tenha sido esta a sua motivação.



Somente três dias depois, Labão sentiu a falta de Jacó.



“Tomando consigo os seus irmãos, seguiu a Jacó por sete dias e o alcançou na montanha de Gileada. Veio, porém, Deus a Labão, o arameu, num sonho de noite, e disse-lhe: Guarda-te, não fales a Jacó nem bem nem mal” (vv.23-24). Sair no encalço de Jacó era um direito que lhe assistia. Mas pronunciar qualquer juízo estava fora de sua alçada. Quando finalmente o alcançou, Labão desabafou com seu genro fujão: “Que fizeste, que me enganaste, e levaste minhas filhas como cativas pela espada?” (v.26).



Na verdade, elas concordaram em partir com Jacó. Não foram forçadas a nada. Portanto, eram responsáveis por sua escolha. Tão responsável quanto aquele que lidera, são aqueles que se submetem à sua liderança. Todos temos que responder por nossas ações.



Labão tinha que entender que agora elas não eram apenas suas filhas, mas também esposas de Jacó. Seu domínio sobre elas terminará no momento que ele as deu em casamento.



Ele prossegue em seu desabafo: “Por que fugiste ocultamente, e me enganaste, e não me fizeste saber, para que eu te despedisse com alegria e com cânticos, ao som de tambores e de harpas? Nem mesmo me permitiste beijar meus filhos e minhas filhas. Fazendo assim, procedeste nesciamente. Eu tenho o poder para vos fazer mal, mas o Deus de vosso pai me falou ontem à noite, dizendo: Guarda-te, não fales a Jacó nem bem nem mal” (vv.27-29).



O que doía mais não era a ausência de suas filhas e netos, mas o fato de ter sido enganado, passado pra trás. O resto de seu argumento foi apenas uma tentativa de fazer com que Jacó se sentisse mal consigo mesmo. Em outras palavras, Labão estava dizendo: - Não precisava ser desse jeito. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você nos deixaria. Mas não tinha que ser assim. A sua sorte é que seu Deus resolveu intervir, se não, eu poderia lhe fazer mal pela sua indelicadeza.



De repente, Labão deixa escapar o real motivo que o levara a perseguir Jacó: “Ora, partiste de vez porque tinhas saudades de voltar à casa de seu pai. Mas por que furtaste os meus deuses?” (v.30).



Dava pra colocar um pano quente sobre tudo aquilo. Simplesmente, relevar. Afinal, Isaque, pai de Jacó, já estava à porta da morte. Daí a pressa com que Jacó saiu. Porém, inaceitável era sofrer qualquer prejuízo material.



Quer sair com suas mulheres? Tudo bem! Quer levar seus filhos? Ok! Mas tomar algo que me pertence já é demais. Quero os meus deuses de volta! Jacó se viu numa saia justa. Ele nem mesmo sabia do furto dos ídolos. Provavelmente gaguejando, ele respondeu: “Tive medo, porque pensava que tu me arrebatarias as tuas filhas. Com quem achares os teus deuses, esse não viva. Diante de nossos irmãos descobre o que é teu do que está comigo, e leva-o contigo. Pois Jacó não sabia que Raquel os tinha furtado” (vv.31-32).



Quem diria? A pastorinha do coração de Jacó foi quem furtou os ídolos do seu pai.



Se ele ao menos desconfiasse dela, jamais teria dito aquilo. Raquel era alguém acima de qualquer suspeita. Não apenas para Jacó, como também para Labão. Todos confiavam cegamente na pastorinha. O texto prossegue: “De modo que Labão entrou na tenda de Jacó, na tenda de Lia, na tenda de ambas as servas, e não os achou. Saindo da tenda de Lia, entrou na tenda de Raquel” (v.33).



Percebe? Labão deixou a tenda de Raquel por último. Sua procura começou pela tenda de Jacó. Aos seus olhos, Jacó era o maior suspeito. Depois examinou as tendas das servas. Em seguida, vasculhou a tenda de sua primogênita Lia. E finalmente, entrou na cena do crime. “Ora, Raquel havia tomado os ídolos do lar, e os tinha metido na albarda do camelo, e se assentara sobre eles. Labão apalpou toda a tenda, mas não os achou. Disse Raquel a seu pai: Não se acenda a ira de meu senhor, por não poder eu levantar-me na tua presença, pois estou com o incômodo das mulheres. Assim ele procurou , mas não achou os ídolos do lar” (vv.34-35).



- Ufa! Esta foi por pouco! Deve ter pensado Raquel, com o coração na boca.



Malandramente, Raquel escondeu os ídolos sobre o camelo, e assentou-se sobre eles. Assim também, há muitos que escondem suas verdadeiras razões e motivações nos lugares mais inusitados de sua alma. Lá no íntimo, bem no fundo, nos recôndidos mais obscuros do ser, jazem suas verdadeiras motivações.



Muitos são peritos em disfarçar, em esconder o jogo. Enganam a muitos, porém não enganam a Deus.



Quando Deus o enviou de volta a Betel para edificar-Lhe um altar, Jacó reuniu sua família e a todos os que faziam parte de sua caravana, e disse-lhes: “Lançai fora os deuses estranhos que há no meio de vós, e purificai-vos, e mudai as vossas vestes. Levantemo-nos, e subamos a Betel, onde farei um altar ao Deus que me respondeu no dia da minha angústia, e que foi comigo no caminho por onde andei. Então deram a Jacó todos os deus estranhos, que tinham nas mãos...” (Gn.35:2-4a).



Provavelmente havia outras pessoas em sua caravana que traziam deuses estranhos consigo. Raquel deve ter aproveitado a ocasião para livrar-se daqueles ídolos sem que ninguém notasse. E assim, mais uma vez ela escapou ilesa. Porém, os olhos de Deus jamais a perderam de vista.



O preço pago por Raquel foi que ela não chegou ao destino final ao lado de seu marido. As Escrituras afirmam que ela morreu no parto de seu filho Benjamim, e foi sepultada no caminho (Gn.35:19).



Interessante frisar que quando Jacó estava perto de morrer, pediu para ser sepultado ao lado do corpo de Lia (Gn.49:29-31). Isso me leva a considerar que, embora Raquel tenha sido o amor de sua juventude, Lia foi o grande amor de sua vida.



Nada há oculto que não seja revelado.



Os piores ídolos são aqueles que são facilmente escondidos. Ídolos sutis, que encontram abrigo em nossa intimidade. Ídolos que carregamos sem que ninguém note. Estes não precisam de andor, nem de altares, pois preferem a discrição. Muitas vezes se materializam em forma de sentimentos malignos, dos quais nos envergonhamos de externar. Avareza, inveja, ciúmes, lascívia, vaidade, soberba, são alguns dos seus nomes.



Antes de voltarmos para Betel, temos que nos livrar deles, pois comprometem nossa comunhão com Deus.



Ninguém está acima de qualquer suspeita. Todos devemos vasculhar nossa própria tenda, e verificar se há ídolos que precisam ser despejados.
 
 
 
Por Hermes C. Fernandes
 
 
 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

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Teodicéia

Acho que Epicuro foi quem formulou a questão a respeito da relação entre a onipotência e a bondade de Deus. A coisa é mais ou menos assim: se Deus existe, ele é todo poderoso e é bom, pois não fosse todo-poderoso, não seria Deus, e não fosse bom, não seria digno de ser Deus. Mas se Deus é todo-poderoso e bom, então como explicar tanto sofrimento no mundo? Caso Deus seja todo-poderoso, então ele pode evitar o sofrimento, e se não o faz, é porque não é bom, e nesse caso, não é digno de ser Deus. Mas caso seja bom e queira evitar o sofrimento, e não o faz porque não consegue, então ele não é todo-poderoso, e nesse caso, também não é Deus. Escrevendo sobre a Tsunami que abalou a Ásia, o Frei Leonardo Boff resume: “Se Deus é onipotente, pode tudo. Se pode tudo porque não evitou o maremoto? Se não o evitou, é sinal de que ou não é onipotente ou não é bom”.


Considerando, portanto, que não é possível que Deus seja ao mesmo tempo bom e todo-poderoso, a lógica é que Deus é uma impossibilidade filosófica, ou se preferir, a idéia de Deus não faz sentido, e o melhor que temos a fazer é admitir que Deus não existe.


Parece que estamos diante de um dilema insolúvel. Mas Einstein nos deu uma dica preciosa. Disse que quando chegamos a um “problema insolúvel”, devemos mudar o paradigma de pensamento que o criou. O paradigma de pensamento que considera o binômio “onipotência/bondade” como ponto de partida para pensar o caráter de Deus nos deixa em apuros. Existiria, entretanto, outro paradigma de pensamento? Será que as palavras “onipotência” e “bondade” são as que melhor resumem o dilema de Deus diante do mal e do sofrimento do inocente? Há outras palavras que podem ser colocadas neste quebra-cabeça?


Este problema foi enfrentado por São Paulo, apóstolo, em seu debate com os filósofos gregos de seu tempo. A mensagem cristã era muito simples: Deus veio ao mundo e morreu crucificado. Pior do que isso: Deus foi crucificado num “jogo de empurra” entre judeus e romanos, isto é, diferentemente dos outros deuses, o Deus cristão foi morto não por deuses mais poderosos, mas por homens. Sendo Deus, jamais poderia ser morto por mãos humanas, e sendo o Deus onipotente, jamais poderia nem mesmo ser morto. Paulo, apóstolo, estava, portanto, diante de um dilema semelhante ao proposto por Epicuro: Deus era uma impossibilidade filosófica.
Foi então que os apóstolos surgiram com uma resposta tão genial que os cristãos acreditamos que foi soprada pelo Espírito Santo: antes de vir ao mundo ao encontro dos homens, Deus se esvaziou da sua onipotência[i], isto é, abriu mão do exercício de sua onipotência, e por amor[ii], deixou-se matar por eles[iii]. (Eu disse que “Deus abriu mão do exercício de sua onipotência”, bem diferente de “Deus abriu mão de sua onipotência”).


O apóstolo Paulo admitia que não era possível pensar em Deus sem considerar o binômio bondade/onipotência. Optou pela palavra amor, assim como o apóstolo João, que afirmou “Deus é amor”[iv]. Jesus de Nazaré foi Deus encarnado na forma de Amor, e não Deus encarnado na forma de Onipotência.


Isso faz todo o sentido. Um Deus que viesse ao encontro das pessoas em trajes onipotentes chegaria para se impor e reivindicar obediência irrestrita, impressionando pela sua majestade e força sem iguais. Jung Mo Sung adverte que “a contrapartida do poder é a obediência, enquanto a contrapartida do amor é a liberdade”. Também assim pensou o apóstolo Paulo, ao afirmar que o que constrange as pessoas a viver para Deus é o amor de Deus (demonstrado na morte de Jesus na cruz)[v], e nunca o poder de Deus.


Na verdade, “Deus não tinha escolha”. Ao decidir criar o ser humano à sua imagem e semelhança, deveria criá-lo livre. Desejando um relacionamento com o ser humano, deveria dar ao ser humano a liberdade de responder voluntariamente ao seu amor, sob pena de ser um tirano que arrasta para sua alcova uma donzela contrariada. Somente o amor resolveria esta equação, pois somente o amor dá liberdade para que o outro seja livre, inclusive para rejeitar o amor que se lhe quer dar.


André Comte-Sponville é um ateu confesso (sei que vou levar pedradas) que discorre a respeito do amor divino como poucos que já li. Acredita que o amor divino é um ato de diminuição, uma fraqueza, uma renúncia. Usa os argumentos de Simone Weil: “a criação é da parte de Deus um ato não de expansão de si, mas de retirada, de renúncia. Deus e todas as criaturas é menos do que Deus sozinho. Deus aceitou essa diminuição. Esvaziou de si uma parte do ser. Esvaziou-se já nesse ato de sua divindade. É por isso que João diz que o Cordeiro foi degolado já na constituição do mundo. Deus permitiu que existissem coisas diferentes Dele e valendo infinitamente menos que Ele. Pelo ato criador negou a si mesmo, como Cristo nos prescreveu nos negarmos a nós mesmos. Deus negou-se em nosso favor para nos dar a possibilidade de nos negar por Ele. As religiões que conceberam essa renúncia, essa distância voluntária, esse apagamento voluntário de Deus, sua ausência aparente e sua presença secreta aqui embaixo, essas religiões são a verdadeira religião, a tradução em diferentes línguas da grande Revelação. As religiões que representam a divindade como comandando em toda parte onde tenha o poder de fazê-lo são falsas. Mesmo que monoteístas, são idólatras” [vi].


Você já imagina onde quero chegar. Isso mesmo, entre a onipotência e a bondade de Deus existe a liberdade do homem, e o compromisso de Deus em respeitar esta liberdade. Isso ajuda a entender porque existe tanto sofrimento no mundo. O mal não procede de Deus e não é promovido ou determinado por Deus. O mal é conseqüência inevitável da liberdade humana, que teima em dar as costas para Deus e tentar fazer o mundo acontecer à sua própria maneira. Diante do mal e do sofrimento, o Deus com os homens, encarnado em Amor, também sofre, se compadece, tem suas entranhas movidas de compaixão[vii].


Mas você poderia perguntar por que razão Deus não acaba com o mal. Isso é simples: Deus não acaba com o mal porque o mal não existe, o que existe é o malvado. O mal não é uma entidade ao lado de Deus. O mal é o resultado de uma ação humana em afastar-se do Deus, sumo bem. O monoteísmo cristão afirma que há um só Deus, e que o mal é a privação da presença de Deus. Os cristãos não somos dualistas que postulamos a existência do bem e do mal. O mal é apenas a ausência do bem. Por isso, o mal não existe, o que existe é o malvado, aquele que faz surgir o mal porque se afasta de Deus, o supremo e único bem.


Ariovaldo Ramos me ensinou assim, e completou dizendo que “para acabar com o mal, Deus teria que acabar com o malvado”. Mas, sendo amor, entre acabar com o malvado e redimir o malvado, Deus escolheu sofrer enquanto redime, para não negar a si mesmo destruindo o objeto do seu amor. Por esta razão Deus “se diminui”, esvazia-se de sua onipotência, abre mão de se relacionar em termos de onipotência-obediência, e se relaciona com a humanidade com base no amor, fazendo nascer o sol sobre justos e injustos[viii], e mostrando sua bondade, dando chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo sustento com fartura e um coração cheio de alegria a todos os homens[ix].


É uma pena que Epicuro não tenha lido os apóstolos cristãos, não tenha corrido no parque ao lado de Ricardo Gondim, não tenha ouvido Ariovaldo Ramos pregar, e nem tenha assistido às aulas de Jung Mo Sung.

____________________
[i] Carta aos Filipenses 2.6-8
[ii] Evangelho de João 3.16
[iii] Atos dos Apóstolos 2.23
[iv] Primeira Carta de João 4.7
[v] 2Coríntios 5.14,15
[vi] Comte-Sponville, André, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1995, Capítulo 18: Amor.
[vii] Evangelho de São Mateus 9.36; 14.14
[viii] Evangelho de São Mateus 5.44,45
[ix] Atos dos Apóstolos 14.1


Por Ed René Kivitz


Vi no http://arminianos.wordpress.com/2011/09/22/teodiceia-ed-rene-kivitz/

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

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O Outro Lado do Calvinismo - Capítulo 7 - Ordenados para Salvação



Laurence M. Vance





A segunda palavra que os calvinistas usam para provar a Eleição Incondicional é ordenados. E embora haja realmente somente um versículo que eles usam, é um dos principais textos-prova empregados pelos calvinistas para confirmar a Eleição Incondicional. É também um dos dois únicos versículos que parecem relacionar a “eleição” com a salvação: “E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” (At 13.48). Todo calvinista, não importa no que mais ele crê, usa este versículo para provar a Eleição Incondicional. Todo calvinista afirma que baseado neste versículo, toda pessoa que já foi (no Antigo ou Novo Testamento) ou será salva (no período da Igreja, Tribulação ou do Milênio) foi “ordenada para a vida eterna” antes da fundação do mundo por um decreto soberano e eterno. Nettleton afirma que foi este versículo que o tornou calvinista.[1] O versículo preocupa tanto os não-calvinistas que alguns alteram o texto para não enfrentar as implicações calvinistas.[2] Por outro lado, os calvinistas que não hesitariam em corrigir a Escritura em outras passagens condenam aqueles que fazem isso aqui.[3] Não há necessidade de apresentar comentários sobre estes versículos pelos calvinistas – não há dúvidas de quais sejam. Palmer diz tolamente: “Aqui está um outro texto com impressionante clareza a quem ler a Bíblia sem noções preconcebidas sobre a eleição.”[4] Pink afirma que “todas as artimanhas da engenhosidade humana têm sido empregadas para obscurecer o significado deste versículo e para explicar de outro modo o sentido óbvio de suas palavras; mas todas as tentativas têm sido em vão; de fato, nada pode conciliar esta e outras passagens semelhantes com a mente do homem natural.”[5]


Há vários problemas com a interpretação calvinista deste versículo. Para começar, a palavra ordenar é usada de diversas maneiras na Bíblia, assim como ela é em qualquer dicionário. Muitas vezes ela é usada em relação a um ofício em que alguém é investido, tanto no Antigo Testamento (2Re 23.5; 1Cr 9.22; 2Cr 11.15; Jr 1.5), quanto no Novo (Mc 3.14; Jo 15.16; At 14.23; 1Tm 2.7; Tt 1.5; Hb 5.1). Algumas vezes ela é usada no sentido de escolher (2Cr 29.27; Dn 2.24; At 1.22, 10.42, 17.31), estabelecer (Nm 28.6; 1Re 12.32, 33; Rm 13.1; 1Co 7.17; Hb 9.6), preparar (Sl 7.13; Is 30.33), fazer (1Cr 17.9; Is 26.12; Sl 8.3), ou decidir (2Cr 23.18; At 16.4; 1Co 9.14; Ef 2.10).


Não apenas a palavra ordenar significa várias coisas diferentes, ela nunca faz referência a um decreto incondicional, soberano e eterno. Tomemos Judas como exemplo: ele foi “ordenado” com os outros onze discípulos e enviado a pregar (Mc 3.14). Todavia, ele mostrou ser um diabo (Jo 6.70). Onde estão os sacerdotes que foram ordenados a oferecer sacrifícios (Hb 5.1)? Deus não aceitou seus sacrifícios após o Calvário (Hb 10.10-14). E quanto a todos os homens que foram ordenados ao ministério? Alguns deixaram o ministério e voltaram ao mundo? Deus ordenou as estrelas (Sl 8.3)? Então por que temos estrelas cadentes? As estrelas “caem da graça”? Todo pastor “vive do evangelho” (1Co 9.14)? Todos os cristãos praticam boas obras? Ainda que “Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10), Paulo tinha que lembrar os cristãos sobre a prática das boas obras (Tt 3.8, 14).


Embora os calvinistas sustentam que At 13.48 sem dúvida apoia o Calvinismo, há diversas coisas que este versículo diz que deve ser observado. Ele diz “ordenado” e não “preordenado”. É por isso que as várias conotações da palavra foram explicadas. Ele também diz “todos quantos” e não “todos.” “Todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” não significa que todos que já creram se encaixam nessa descrição:


Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido(At 4.34).


Porque antes destes dias levantou-se Teudas, dizendo ser alguém; a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada (At 5.36).


Outra coisa importante a observar é que este versículo diz “gentios,” não judeus ou a Igreja. At 13.48 está no meio de um dos momentos decisivos no Livro de Atos que mostram a gradual progressão do Evangelho “primeiro do judeu” (Rm 1.16) aos gentios. Em At 7.54, os judeus em Jerusalém rejeitaram Estevão. Então, em At 13.46, os judeus na Ásia Menor rejeitaram Paulo. Em At 18.6, os judeus na Europa fizeram da mesma forma. Em At 28.28, a rejeição foi final. Deus agora chama dos gentios “um povo para o seu nome” (At 15.14) até que “a plenitude dos gentios haja entrado” (Rm 11.25), pois através da queda dos judeus “veio a salvação aos gentios” (Rm 11.11). Que este evento com os gentios em At 13.48 foi significativo, e não apenas um incidente isolado, pode ser visto pelo que foi dito sobre isto posteriormente: “E, quando chegaram e reuniram a igreja, relataram quão grandes coisas Deus fizera por eles, e como abrira aos gentios a porta da fé” (At 14.27). Deus não ordenou nenhum gentio à vida eterna até que ele procurou pela verdade (At 13.42). Um caso semelhante é o do gentio Cornélio (At 10.1). Cornélio era um homem “piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus” (At 10.2). Cornélio era aceito por Deus (At 10.4, 31, 35) porque ele procurou pela verdade – não porque ele era salvo, embora Lutero determinadamente insiste que ele era.[6] Cornélio ainda tinha que crer para ser salvo (At 11.17), e foi exatamente isso que Pedro pregou (At 10.43).


Que este evento com Cornélio foi também significativo, pode ser visto pelo que foi dito sobre ele posteriormente:


E ouviram os apóstolos, e os irmãos que estavam na Judéia, que também os gentios tinham recebido a palavra de Deus (At 11.1).


E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida (At 11.18).


Isto não significa que todos os gentios são salvos. Assim como Pedro dizer que os gentios por sua boca deviam “ouvir a palavra do evangelho, e crer” (At 15.7) não significa que todos os gentios são salvos. Mas supondo que os gentios em At 13.48 foram soberanamente eleitos conforme ensina o Calvinismo, nenhum caso poderia necessariamente ser apresentado para algum judeu. E supondo ainda a eleição destes gentios, como isso prova que todos os gentios salvos que já existiram foram ordenados à vida eterna conforme At 13.48?


Há também diversas coisas que At 13.48 não diz. Ele não diz que alguém tem que ser ordenado para crer. Ele não diz que há “reprovados” que não podem ser salvos. Ele não diz que alguém foi ordenado incondicionalmente. Ele não diz que alguém foi ordenado antes da fundação do mundo. Ele não diz que alguém foi ordenado por um decreto soberano. Ele não diz que aqueles que são ordenados irão crer. Ele não diz que todos que foram salvos foram ordenados a crer. E a última coisa que este versículo não diz é que todo calvinista tem que usá-lo como um texto-prova da Eleição Incondicional. O teólogo calvinista Buswell, embora crê na Eleição Incondicional, diz sobre este versículo: “Na verdade, as palavras de At 13.48, 49 não têm qualquer referência ao decreto eterno de Deus da eleição.”[7] Dessa forma, como vimos diversas vezes, são os próprios calvinistas que muitas vezes destroem suas próprias doutrinas.


Há mais um exemplo da palavra ordenados sendo usada para ensinar a Eleição Incondicional: “Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória” (1Co 2.7). Que este versículo não tem nada a ver com a Eleição Incondicional para salvação está explicitamente claro. Mas isso não significa que um calvinista não irá usá-lo de qualquer forma. Clark comenta: “Este versículo, diferente da passagem anterior, reflete somente indiretamente sobre a predestinação de Deus de pessoas específicas. Entretanto, ainda que indiretamente, ele pode talvez ser significativo.”[8] Mas, pelo contrário, este versículo, diferente da passagem anterior, reflete diretamente sobre a tendência dos calvinistas de extrair indevidamente a predestinação de Deus de pessoas específicas de todo versículo concebível. É a sabedoria que está sendo discutida no versículo, assim como em todo o capítulo, assim como no anterior. Sabedoria, não a Eleição Incondicional.


[1] Nettleton, p. 16.
[2] Shank, Elect in the Son, p. 183; Fisk, Calvinistic Paths, p. 76; Younce, p. 23; Ballard, p. 20; Kent Kelly, p. 159; William G. MacDonald, “The Biblical Doctrine of Election,” em Pinnock, ed., The Grace of God, the Will of Man, p. 227.
[3] Milburn Cockrell, “KJV Vindicated on Acts 13:48,” The Berea Baptist Banner, 5 de março de 1992, p. 57, e 5 de abril de 1992, pp. 77-78.
[4] Palmer, p. 29.
[5] Pink, Deus é Soberano, p. 53.
[6] Luther, pp. 246-247.
[7] Buswell, vol. 2, p. 152.