quinta-feira, 18 de novembro de 2010

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Silas Malafaia, o Hamlet gospel: Ser profeta ou ser profeteiro




Como todos sabem, o pastor Silas Malafaia se envolveu numa grande polêmica, quando decidiu trocar farpas com Edir Macedo, a quem chamou, num vídeo que foi acessado por mais de 500 mil pessoas (até agora), de “falso profeta mentiroso”.






O curioso é perceber que, ao que tudo indica, a briga se deu porque Macedo decidiu afirmar que Malafaia tinha segundas intenções ao retirar o apoio à candidatura de Marina Silva e apoiar à candidatura de José Serra.





O apoio a José Serra foi revelado, por Malafaia, no seu programa “Vitória em Cristo”, na propaganda eleitoral do candidato à presidência da república, pelo PSDB, e no referido vídeo onde responde às acusações de Macedo.





Essa briga me deixou com a “pulga atrás da orelha”, pois na troca de acusações, Macedo chamou Malafaia de “falso profeta” e, em contra partida, Malafaia o chamou de “falso profeta mentiroso”. Mas Malafaia fez algo muito arriscado. Ele afirmou, peremptoriamente, que Dilma perderia a eleição, senão vejamos: “...E agora por questões do voto Evangélico e Católico, ela (Dilma) está dizendo que é contra (o aborto) é por isso que ela vai perder essa eleição...” Quando ouvi estas palavras pela primeira vez, antes do dia 31 de outubro, perguntei-me se estas eram as palavras de um profeta, já que Silas vive dizendo ser profeta de Deus (basta acompanhar seus programas, e eu os acompanho, para perceber quantas vezes ele repete isto), Ou as palavras e opinião do cidadão Malafaia?





Como nasci em lar evangélico, e conheço um pouquinho do que acontece nos bastidores eclesiásticos, sei que se Dilma tivesse perdido a eleição, muitos diriam que as palavras de Malafaia foram proféticas. Mas, como ela foi eleita, acredito que, estes mesmos, dirão que as palavras de Malafaia refletiam a opinião de um simples cidadão.





Antes que alguém tire conclusões precipitadas, preciso dizer que o que me inquieta nesta história, é perceber que, em nome de Deus, muita gente tem feito o que bem entende. Acredito que está na hora da Igreja amadurecer, para compreender o que acontece em seus arraiais e para que não seja levada por todo vento de doutrina, ou por qualquer líder religioso inescrupuloso, que tenha o poder de manipular a opinião pública.





Pr. Calvino Rocha nos enviou este artigo por e-mail. Imagem produzida pelo Genizah que já achou que a crise de identidade do Silão tinha o bigode no seu esteio, como Sansão com seu cabelo. Hoje creio que a questão



Vi no: http://www.genizahvirtual.com/
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O rosto de Deus




Rafael, Michelangelo e vários outros pintores tentaram retratar o rosto de Deus. Foram infelizes. Como mostrar na tela quem nunca foi visto? Com a proximidade do Natal, mais artistas procuram esboçar o que imaginam ser o rosto de Deus.




Ele se parece com uma criança? É o frágil bebê das manjedouras? Talvez; o reino do céu pertence aos pequeninos, aos que mamam. Ao tentar desenhar o mistério, o artista termina com um ídolo.



O rosto de Deus, entretanto, pode ser experimentado nos sem-teto que perambulam pelas ruas e dormem nos viadutos das grandes cidades. Quando Jesus nasceu, a família estava sem moradia certa, não possuía recursos para pagar uma hospedaria e viu-se obrigada a refugiar-se em um estábulo.



O rosto de Deus pode ser percebido em vítimas de preconceito e em injustiçados. Sobre o menino que nasceu em Belém pairou uma dúvida: ele era de fato filho de José? O casal não inventara aquela história toda para se safar de um rolo?



O rosto de Deus se revela nos desprezíveis, nos que foram condenados à margem da história. Quando o menino nasceu, ninguém notou ou escutou o alarido dos anjos. A trombeta que anunciou paz na terra pela boa vontade de Deus passou desapercebida da grande maioria. Apenas um punhado de pastores foi sensível para presenciar o momento mais importante da história.



Qual o rosto de Deus? Ele não se parece com os cartões postais ou com o menino de barro das lapinhas. Deus é igualzinho a Jesus. E Jesus é bem parecido com o vizinho do lado, com a mulher que pede socorro na delegacia do bairro e com a família que chora a morte do filho no corredor do ambulatório.



Não é preciso muito para encontrar Deus, basta um coração de carne, humano.



Soli Deo Gloria



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terça-feira, 2 de novembro de 2010

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Caio Fábio e Silas Malafaia deram as mãos!




Sabe o que Caio Fábio e Silas Malafaia teriam em comum? Ambos apoiaram Serra no segundo turno.






O que Renê Terra Nova e o Papa Bento XVI têm em comum? Serra!





O que foi capaz de unir Edir Macedo, Manoel Ferreira, Robson Rodovalho e Marco Feliciano? Dilma!





Só mesmo a política seria capaz de unir pessoas tão diferentes, que jamais se uniriam em qualquer outra circunstância. Seria por terem os mesmos ideais? Não! Mas por terem os mesmos interesses. Concessões de rádio e TV, cargos públicos, verbas públicas e outros interesses nem sempre confessáveis e dignos fazem com que conflitos de anos sejam relativizados e superados. Devo salientar que há exceções, inclusive entre os nomes que citei.





Em contrapartida, amigos de longas datas se tornam ferrenhos adversários, como aconteceu entre Macedo e Malafaia. Quem diria que o mesmo Malafaia que defendeu aguerridamente o Macedo por ocasião de sua prisão nos anos 90, hoje viria à TV chamá-lo de falso profeta? Tudo porque Macedo apoiava o candidato adversário. Se bem que foi Macedo quem começou, chamando seu novo desafeto de “profeta velho”, e questionando o motivo que o levou a trocar Marina por Serra.





Maledita política! Unindo e dividindo. Apaziguando velhas guerras e deflagrando novas. Mentiras foram ditas dos púlpitos. Calúnias foram divulgadas. Candidatos demonizados enquanto outros divinizados e transformados em verdadeiros messias.





E quanto aqueles que arriscaram profetizar quem seria o vencedor do pleito? Como Terra Nova e Valnice Milhomens poderiam explicar o fracasso de suas profecias?





Engana-se quem imagina que a igreja cristã saiu forte deste pleito. Saiu sim, desacreditado. Jamais um líder espiritual deveria hipotecar seu apoio a quem quer que fosse. Deveríamos, antes, manter-nos isentos. Pelo menos, além da lisura do processo, também preservaríamos velhas amizades, e talvez, até fizéssemos novas.





Acabo de receber um twitter de alguém se fazendo passar pelo Malafaia pedindo que todos postassem a tag #lutoBrasil. Por que luto? Porque meu candidato foi derrotado? Mesmo não tendo votado na candidata vencedora, sinto-me no direito e no dever de celebrar a vitória da primeira mulher presidente do Brasil. Assim como celebrei a vitória do primeiro negro presidente dos Estados Unidos. Isso não me obriga a concordar com sua política. Também não estou obrigado a aplaudir tudo que a Dilva Roussef fizer na qualidade de presidente do maior país da América Latina. Mantendo-me isento, tenho liberdade de aplaudir os acertos, e criticar os equívocos. E disso, não abro mão.





Viva a democracia!




Hermes Fernandes





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Preparando a casa do Pai




Jesus decide passar suas últimas horas de vida junto com os seus discípulos em uma ceia.


Naquele momento ele se desnuda, abre o seu coração e fala das suas tristezas.

Ele percebe que seus discípulos estão entristecidos com sua fala e então afirma que aquela tristeza é temporária, mas em breve eles explodiriam de alegria.

Desta maneira introduz aquilo que ele considera apaziguador, consolador para os discípulos com as seguintes palavras:



"Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar- lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver” João 14:1-3.



De todos os lugares e recantos do cosmos onde Deus escolheu fazer sua casa?

Em nós.

Há uma canção de Gerson Borges com o tema “Hoje é dia de Festa”, que relata uma grande festa na casa do Pai, onde há abundante alegria. Ela encerra dizendo: “A casa do Pai é o nosso próprio coração”.

Em nós, morada de Deus, há muitos aposentos e Jesus entra junto com o Pai no mais recôndito do nosso ser e ali monta uma casa com um grande mesa para cear.

“...Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele.” João 14:23

“Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo”. Apocalipse 3:20.

Ecoa as palavras de Jesus aos discípulos: Jesus enviou Pedro e João, dizendo: "Vão preparar a refeição da Páscoa" Lucas 22:8.



Jesus precisa preparar lugar porque somos egoístas demais.

Em nosso coração cabem poucas pessoas.

Temos muitas coisas despejadas em nosso coração como mágoas, indiferenças, esquemas de proteção contra as feridas de amar, espinhos, invejas que impedem caber mais pessoas. Jesus precisa preparar estes aposentos.

Deus nos fez largos suficientes para que caiba em nós todos os que ele ama, mas nós temos a tendência de expulsar muitos. Às vezes por preconceito, por não aceitarmos quem pensa diferente.



No coração de Deus, na sua morada, cabem todos os amados de Deus.

Compreendendo a metáfora do céu, podemos dizer que se há um lugar pronto seria este. Um lugar completo, sem a necessidade de acabamentos, o lugar perfeito e pronto para receber e acolher a todos.

A única morada de Deus que precisaria preparar é o nosso coração.

Nele temos um irmão mais velho moralista que se recusa em admitir os perdidos.

Tem os vendedores que não deixam os estrangeiros terem um encontro com Deus, pois ao invés de ser um lugar de oração se torna um covil.

Jesus tem muito trabalho para preparar os aposentos.

Deus nos fez com um espaço tremendo, mas nós o entulhamos. Viraram despensas de nossas idiossincrasias.



Jesus iria preparar lugar e os discípulos conheciam o caminho. E eles perguntaram: Que caminho. E Jesus respondeu: “Eu sou o caminho”. Como assim?

O caminho aberto para todos, acolhedor, que ama, não tem preconceitos, o caminho do amor, da comunhão, da solidariedade. O caminho de se dar inteiramente pelo outro. Este é o caminho. Entre nele, pois Jesus deseja que onde ele estiver, estejamos nós também.



Antes que ele volte é o tempo para um encontro com a gente mesmo.



Eliel Batista



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Qual a missão?



A grande maioria dos evangélicos pensa a evangelização em termos de proselitismo. Evangelizar para muitos protestantes é converter o outro, o diferente, a cultura à sua cosmo visão religiosa; fazer missão é tornar o não evangélico em evangélico, convencer aquele que está “do lado de lá” a vir para o “lado de cá” sob pena de ir para o inferno. Para muitos crentes a motivação de levar as boas novas é para que Deus não lhes cobre o sangue dos “condenados”!




Todas as conseqüências que podemos imaginar a partir disso podem levar o nome de intolerância.





Jesus anda por outros caminhos da missão. Evangelizar para Jesus não é um processo de aculturação; não é uma tarefa para ajuntar adeptos em torno de si; missão para Jesus não é conceder um passaporte para o céu.





Em alguns casos Cristo age de maneira intrigante. Para o moço geraseno Cristo diz “não precisa me seguir, vai para a sua casa”. Aqueles que foram curados pelo Mestre ouviram dele “não conte a ninguém o que lhe aconteceu”. Ao encontrar pessoas tementes a Deus em outras “tribos religiosas” Cristo elogia a sua fé.





Missão para Cristo não é levar as pessoas ao céu, mas trazer o céu às pessoas! “O Reino dos céus está entre nós”. Levar as Boas Novas é conscientizar as pessoas do óbvio. Evangelizar é promover o Reino aqui e agora; é abrir os olhos dos homens para a realidade de que o Reino de Deus está disponível a todos, apenas um instante de estender as mãos. “O Reino é de vocês. Vivam, desfrutem, compartilhem!”





“O Reino dos céus está entre vós” é um discurso que Cristo repete com paixão. Para o Império Romano é uma afronta; para os religiosos é impossível, mas enche os olhos dos marginalizados de esperança!





As boas novas de Cristo é que o Reino dos céus é uma realidade que pode ser vivida agora e ninguém precisa ficar de fora, todos podem entrar. Cristo vive como um agente do Reino espalhando misericórdia, justiça, inclusão, dignidade, pão, água, alegria. O Filho do Homem sinaliza o Divino numa terra seca de amor.





Fazer missão é cuidar da Terra como a nossa casa e cuidar dos seus moradores como nossos irmãos. E a vida de Cristo é o exemplo mais forte e inspirador. Cristo leva o seu discurso às últimas conseqüências; ao ponto de suscitar inimigos, traidores e algozes. Por ter sido um homem bom, Cristo foi levado à cruz – morreu pela vida. Morreu pela causa.





A intenção de Cristo é salvar o homem para a lucidez, para a coragem e responsabilidade. Cristo quer libertar homens e mulheres que foram convencidas pela religião que são amaldiçoados por Deus por causa do pecado; Jesus quer livrar as pessoas de suas fantasias e infantilidades (que inclui as religiosas); Jesus quer inspirar o ser humano para uma ética da responsabilidade.



O Cristianismo, enquanto vida que se inspira em Cristo, tem uma mensagem revolucionária que olha para os pobres e oprimidos, uma mensagem utópica (a realidade pode ser outra!) com valores suficientes para vivermos uma vida boa!



Certamente os crentes farão mais diferença para a sociedade (e para o Reino!) se, ao invés do proselitismo e do olhar para o ser humano como um adepto em potencial, viverem o Cristo que estende as tendas do Reino de Deus e melhora a Terra!





Alguém pode perguntar: “e quem vai para o céu depois da morte?”. Esta questão já foi resolvida no Calvário, “está consumado!”; Cristo morreu por todos e Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo (2 Co 5.19). O que está em suspenso é outra questão: quem vai desvelar o Reino de Deus hoje? Quem vai compartilhar do Reino dos Céus agora?



Márcio Cardoso



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Ufanismos, messianismos e outras mentiras




O tempo tudo destrói. O vento da história cobre todas as coisas de poeira. Impérios, outrora avassaladores, hoje entediam alunos secundaristas, que só precisam conhecê-los para passar de ano. Napoleão, o temido imperador francês, virou nome de cachorro. Na mitologia, Kronos, o deus do tempo, inclemente, devorava seus filhos.




O escritor português Vergílio Ferreira percebeu que muitos tratados são escritos sobre a infância, juventude e idade adulta. E em todos se “fala de ir” -- ir para o futuro. Desejos, sonhos e ambições impulsionam a vida. Mas para qual futuro? Vergílio Ferreira conclui que esse tal “ir” é rumar para a velhice; “velhice é estar”. De fato, velhice é a idade em que passamos o restante da vida. E, existencialmente, não há muita opção: ou se morre cedo, como um Camelot, ou se enfrenta a decrepitude dos senis.



Embora não seja oficialmente idoso -- ainda faltam alguns anos --, eu começo a me preparar para os derradeiros anos. Não quero viver os próximos anos de minha vida como meros sobejos dos bons tempos que já vivi. Reafirmo que ninguém é velho enquanto estiver disposto a aprender. Eu quero me manter flexível na madureza. Sei que nada sei.



Sobretudo, quero aprender a despojar-me de falsas onipotências. Já confiei em minha capacidade de ordenar a vida. Imaginava que verdades e princípios me blindariam contra decepções, tristezas e contrapés existenciais. Porém, como disse Chico Buarque, veio a Roda Viva e carregou o destino pra lá. Padeci desnecessariamente porque superestimei a minha capacidade de anular contingências existenciais.



Acreditei na mensagem religiosa que prometia engrenar o cotidiano, garantindo vitória sobre vitória. Esforcei-me o quanto pude para tornar a obediência capaz de livrar-me de tribulações. Eu buscava a excelência como chave para o dia-a-dia encapsulado na mais pura felicidade. Depois de vários tombos, inúmeras bobagens, enormes desapontamentos e grandes decepções, acordei. A vida não se deixa encabrestar. Vi que nunca havia conseguido adequar-me ao superego exigente que carregava dentro de mim. Eu me contemplava em espelhos distorcidos. A imagem que enxergava sempre foi maior do que eu mesmo. A juventude engana, mas a meia-idade esvazia os delirantes de seus devaneios.



Devido à minha onipotência, idealizei auditórios. Acreditei que a minha oratória seria capaz de arrebatar multidões. As longas horas em que preparei sermões representavam uma capacitação especial para ser uma extensão concreta e real do poder de Deus. Eu não admitia a minha ineficácia em converter, transformar, santificar. Confundi talentos naturais com “eleição”; minha habilidade com a oratória me inebriava. Mas, enquanto meus cabelos pratearam, dei-me conta que muitos meninos e meninas de nossa comunidade haviam desistido da fé. Minha eloquência não se mostrara tão infalível quanto eu supunha.



Muitas culpas nascem da falsa onipotência. Por me sentir com a responsabilidade de carregar o mundo nas costas, raramente me permitia vivenciar atividades que não redundassem no avanço da missão. Lazer, só para recompor, manter o vigor, e voltar a trabalhar. Poesia, nem pensar; poesia não ajuda a argumentar. Contente, acostumei-me a encaixar passeios em viagens missionárias. Considerava o convite para falar em uma conferência uma boa ocasião para tirar férias.



O simples correr dos anos bastou para minar tantos ufanismos juvenis. Aprendi a cantar com Almir Sater: “Ando devagar porque já tive pressa/ E levo esse sorriso/porque já chorei demais/ Hoje me sinto mais forte,/ mais feliz quem sabe/ Eu só levo a certeza de que/ muito pouco eu sei, eu nada sei”.



Pretendo seguir o restante da jornada, despretensiosamente. Sem arroubos, oferecer minhas frágeis intuições. Espero aprender como “mais me gloriar nas fraquezas” e poder repetir o apóstolo Paulo: “Porque, quando sou fraco, então é que sou forte” (2Co 12.10).



Começo a reconhecer limites e a dar de ombros ao imperativo religioso de superar a humanidade. Não sou angelical. Já não me considero um conquistador de utopias. Mantenho as utopias, mas as tenho como meras alavancas de minhas iniciativas. Não me considero apto a concretizá-las.



As minhas despedidas foram trágicas, meus lutos, inconsoláveis e minhas decepções, amargas. Aceito que a vida é frágil. Sei que não sou autossuficiente. No reconhecimento de minha debilidade, reaprendo a ser grato; gratidão nasce de uma memória que não é soberba. Sou agradecido por todos os que já me ajudaram; todos encarnaram o amor de Deus e eu quero mantê-los na lista das bênçãos recebidas.



O tempo que tudo desgasta, paradoxalmente, aviva a pergunta do profeta Miqueias, a que eu me antecipo a responder sim: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom, e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8).



Soli Deo Gloria



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Uma caminhada pra pensar



Outro dia um jovem me perguntou qual seria uma boa estratégia para testemunhar Cristo ao mundo. Antes que eu pudesse responder, ele já deu sua sugestão. Logo vi que ele não queria minha resposta, mas sim que eu concordasse com a dele. Ele disse, empolgadamente, que seria necessário fazer grandes eventos, que reunissem milhares de pessoas, com cantores gospel de renome, com palavras de ordem que repreendessem o “espírito” da violência, da corrupção e da pobreza do meio do povo. Aí então o nome de Jesus seria glorificado e o Reino de Deus estabelecido, segundo o jovem entusiasta.




Procurando um jeito cuidadoso para não melindrar o rapaz tão cheio de boa fé, tive que discordar dele. Convidei-o para uma caminhada, e, enquanto andávamos de maneira displicente, tentei mostrar outra forma de dar testemunho do Evangelho. Minha conversa foi mais ou menos a seguinte:



Em primeiro lugar, grandes ajuntamentos são excelentes demonstrações de poder. Entretanto, a proposta daquele jovem nazareno, que foi chamado Cristo, não era de poder, mas de amor. Seu poder consistiu exatamente em abrir mão de todo o poder para tornar-se fraco. Nenhum projeto que seja de estabelecimento de hegemonia religiosa, ou de qualquer outra natureza, tem alguma relação com o projeto de Cristo.



Depois, o testemunho de Jesus não será dado de maneira bombástica e espalhafatosa, mas sim na discrição dos lugares aonde ninguém quer ir. Longe dos holofotes, dos microfones e dos lugares altos.



O bom testemunho de Cristo é dado por aquele anônimo que visita a ala de doentes terminais para jogar cartas com eles, dando-lhes um pouco de dignidade na hora da morte, dignidade que talvez seus familiares lhes recusaram.



O bom testemunho de Cristo é dado por aquela mulher que vai ao Abrigo quase todos os dias cuidar uma criança com paralisia cerebral, vítima de uma tentativa de aborto malsucedida, e que foi abandonada como nem a um animal se faz. Que testemunho vibrante!



O bom testemunho de Cristo é dado por aquela pessoa que contribui com seus recursos, com seus talentos pessoais e com o seu tempo em iniciativas voluntárias e sem qualquer outro interesse que não seja amenizar a carência de outros, num país onde ainda há tanta miséria.



Em vez dos grandes eventos, é necessário ir para os valados, para os becos, para os grotões, para os lugares onde estão aqueles que ninguém mais quer amar.



Quanto às palavras de ordem a repreender a violência, a corrupção e a pobreza, disse ao rapaz que eu as achava inócuas. Violência se repele com a cultura da paz e a conscientização das pessoas. A corrupção se combate com a responsabilização dos corruptos e o afastamento dos mesmos da vida pública. Quanto à pobreza, uma boa maneira de diminuí-la seria estimular a todos a terem uma postura mais generosa.



Terminei a conversa com o jovem rapaz dizendo que assim era a forma como eu entendia ser possível dar testemunho de Cristo nos dias de hoje e cooperar para a implantação do Reino de Deus aqui na terra. Já no finalzinho da caminhada, percebi o rapaz algo inquieto. Ele agradeceu o bate-papo e foi embora pensativo. Não sei se ele concordou comigo, mas acho que pelo menos o fiz pensar de um modo um pouco diferente.




Marcio Rosa



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O Comandante



“Existo para quê?”. A pergunta repicava em sua mente como um sino de catedral ao meio dia. Enquanto Roberto caminhava pelo hangar, tapava os ouvidos. Tentava abafar o barulho de uma turbina em teste; o exagero nos decibéis poderia dar enxaqueca. Era a turbina de seu Boeing que rodava sobre tripés. Depois de cumpridas as oito mil horas de vôo, todo avião precisa de uma manutenção meticulosa. Desmontaram toda a fuselagem para que cada rebite, cada milímetro de cabo e cada luz fossem revisados.




Roberto notou que já haviam retirado as asas e o avião, magro, se resumia a uma grade; mostrava suas costelas como uma baleia retalhada. Parou, seus olhos pesaram e se sentiu amputado. Como era triste ver um avião daquele jeito. Roberto amava voar, sentia-se onipotente quando puxava o manche e fazia decolar aquela imensa máquina. Mas seu Boeing jazia esquartejado com milhares de operários, feito vermes, remexendo suas entranhas. Arrepiou-se. Correu-lhe um frio quando pensou no dia que também só lhe restaria a carcaça.



“Existo para quê?”. Essa pergunta repetia-se estridente como uma música alucinada mais forte que a própria turbina. Sua angustia tomou conta de sua alma enquanto permanecia imóvel no fundo do hangar. Depois que perdera o encanto por Londres, Paris, Hong Kong e Bruxelas, e depois de se cansar com os corredores mal iluminados dos hotéis de luxo, saber para que existia tornou-se uma obsessão.



Mas agora, cansava só de imaginar a bateria de exames médicos e psicológicos que precisaria se submeter em minutos. À semelhança do avião retalhado, ele também seria dividido em minúsculas porções. O oftalmologista o analisaria; os raios x o revelariam de dentro para fora; encabulado, entregaria seu sangue, urina e fezes nas mãos de uma assistente. E ainda havia aqueles malditos testes psicotécnicos. Roberto não só teria que provar para estranhos que estava bem dos rins ao nariz, dos olhos aos pulmões, como também mostrar que ainda não enlouquecera, e que sua agilidade mental estava preservada depois de tantos anos de profissão.



Roberto seguiu até o setor médico no prédio, anexo ao hangar e apresentou-se à recepcionista. Ouviu um pedido educado:





-Comandante Roberto Miranda, o senhor poderia sentar-se e esperar apenas alguns minutos? Dr. Azevedo logo o atenderá.





Roberto obedeceu e pegou a revista de bordo "Mundo Alado". Mal folheou as primeiras páginas e ouviu a voz familiar do médico. Conhecia-o do clube e de outros exames. Já se submetera àquela mesma rotina três vezes nos últimos quinze anos.





-Comandante, seja bem-vindo, vamos entrar.



Os dois se cumprimentaram com um abraço displicente e rapidamente passaram ao consultório.



Roberto notou que os cabelos do médico alvejavam e pensou:



-Nem notei que os meus próprios também estão mais alvos que as neves nova-iorquinas, brincou num solilóquio.





Dr. Azevedo se antecipou e antes de falarem sobre a bateria de exames, comentou sobre o futuro da companhia, atolada em dívidas.





-Comandante, a situação está preta. Eu soube que vão despedir oitenta por cento dos pilotos e noventa por cento dos tripulantes; já fecharam as lojas, vão acabar com quase todo serviço de bordo. Azevedo falava como se estivesse escondendo algum segredo da recepcionista do outro lado da parede.



Roberto quase não respondia. Suas reações se resumiam a monossílabos incompreensíveis. O comandante mantinha um desânimo no rosto enquanto Azevedo tagarelava sobre seus direitos e sobre o Fundo de Compensação das Aposentadorias.



Roberto divagava como se sonhasse acordado. Passeava pelo campo de pouso do Aeroclube de sua cidade. Viu-se menino, olhando para os pequenos e frágeis monomotores, os queridos “Paulistinhas”. Quantas vezes, antes mesmo de completar dez anos de idade, correu atrás deles com um cata-vento na mão, que parecia girar mais rápido que a própria hélice quando rugia e provocava ventanias.



Roberto morara a pouco mais de cem metros do Aeroclube e enquanto outros meninos chutavam bola; e depois começaram a namorar, ele se sentava numa pequena oficina onde o Zeca reparava os pequenos motores.



O dia mais feliz de sua vida aconteceu quando o instrutor Felipe Caran precisava fazer um vôo teste e lhe convidou para ser o passageiro do banco traseiro do paulistinha. Foi o seu vôo inaugural. Quantas vezes sentiu a mesma felicidade quando afivelou o cinto e viu o mundo se apequenar pela janela dos gigantescos jatos que pilotou.



Naquele primeiro vôo, depois que atingiu mil pés de altura e Felipe Caran estabilizou o monomotor em velocidade cruzeiro, passou a explicar para o menino como funcionava o altímetro, a função dos flaps, o rádio de comunicação com a torre e outros detalhes. Permitiu, inclusive, que Roberto segurasse o manche. Com dois minutos o avião lhe obedecia. Sua vida nunca mais foi a mesma. A janela do monomotor estava aberta, o vento fez escorrer dois fiapos de lágrimas até a orelha. Estava irrigada uma decisão: seria um piloto.



Ele sempre pareceu uma criança melancólica, embora os olhos castanhos lhe denunciassem como um forte; impressionava com o porte. Seus cabelos grossos e castanhos formavam franjas teimosas que pendiam sobre a testa. Por toda infância, seu mundo se resumiu à escola, ao hangar do Zeca e às muitas palestras sobre aviação que assistiu escondido no curso de preparação para os candidatos a brevê.



Aos dezenove anos, Roberto já estava brevetado, com direito a fotografia nos arquivos do Departamento de Aviação Civil como habilitado para voar por instrumento. Como nesse tempo as companhias aéreas expandiam,, não demorou para ser contratado como co-piloto de um turbo hélice. Em pouquíssimo tempo, depois de alguns cursos com muito, muito estudo, ele se tornou o mais jovem comandante de Boeing de toda a história da aviação.



Acumulou milhares de horas de vôo sem nunca correr perigo. Jamais precisou requisitar suporte de terra para procedimento de emergência. Sempre cioso com as check lists, não permitia que seu avião saísse do terminal caso suspeitasse qualquer anomalia. Por isso, ganhou vários prêmios. Seu nome foi citado em todas as revistas especializadas como um profissional modelo.



Roberto pilotou as rotas internacionais de sua companhia aérea; conhecia os aeroportos de quase todo mundo.



Acostumado às rotinas, logo passou a se chatear quando era convocado para voar no Natal e Reveillon; ele não agüentava mais as servidas a bordo. Já não dormia com facilidade nas camas dos hotéis. Aqueles dias de Aeroclube amarelava como uma fotografia velha.



Sentado no consultório, Roberto percebeu o tamanho de sua fatiga. Fracassara em um casamento; não viu seus dois filhos se tornarem homens; não foi à maternidade ver seus dois netos. Não temia submeter-se à bateria de exames rotineiros. Contudo, apavorava-se de se conseguir passar no mais difícil exame: aquele que o homem faz com a sua própria alma.



Azevedo tagarelava sobre o sindicato, a Fundação, a greve já organizada e Roberto contemplava um horizonte inexistente. Parecia um cego que, sem movimentar os olhos, parece ver o nada.



-E aí comandante Roberto, o que o senhor pensa que vai acontecer?

Como se acordasse, Roberto respondeu:

-Qual futuro? Como poderemos viajar para longe do presente, se ele é tudo? Por que querer escapar do presente se nosso destino se acorrenta a ele?



Olhou para Azevedo e falou como se comunicasse pelo rádio com alguma torre de controle.

-Veja minha vida, ela ficou para trás como uma nuvem que o avião rasga. Azevedo nosso presente é como a terra que a gente vê de cima de um avião. Voamos a quase mil quilômetros por hora, mas o cenário muda com uma lentidão irritante. Nossa vida não pode esperar. Nosso destino não se esconde por detrás de uma montanha qualquer. Nosso futuro não vem em nossa direção, nós é que vamos ao encontro dele. Não podemos nos condenar a esperar, esperar. Nossa vida acontece aqui e agora, ela é o que vivemos e fazemos para sermos felizes.



Azevedo assustou-se com a mudança brusca do comandante, outrora plácido, em um pensador tão loquaz.



-O senhor anda lendo muita filosofia.

Com um olhar que parecia um dardo inflamado, Roberto continuou:

-Não, não estou lendo nada em especial. Apenas não aceito esperar pelo meu destino. Quero pilotar a nave mais importante que existe: eu mesmo.

Azevedo baixou a cabeça e esperou que terminasse.

-Não há planos de vôos para a vida, Azevedo. Não há rotas predeterminadas. Na vida navegamos por caminhos nunca explorados e eu estou cansado de submeter os meus planos de vôo. Não quero ninguém aprovando para onde devo ir, entende?.



Azevedo não entendeu, mas balançou a cabeça dando entender que sim. Roberto iluminava seu semblante a cada palavra.



-Azevedo, desde que sou criança nunca me faltou nada. Não me faltou dinheiro, nem saúde, nem coragem. Faltou-me apenas viver. Voei alto, mas minha dedicação profissional e meu zelo pela segurança de meus passageiros, eram fugas. Escondi-me na oficina do seu Zeca porque me faltava coragem de enfrentar o perigo de ser rejeitado pelas meninas que queria namorar; quis alcançar o céu porque tinha medo de pisar a terra. Desejei as alturas para ser livre, porém não fiz o que queria; obedeci mil manuais e milhões de regras.



Roberto colocou-se em pé, o médico o olhava de baixo para cima, amedrontado:



-Azevedo, ser livre é conquistar o direito de construir, de sulcar nossa própria história; não deixar que outros se sentem na cadeira do comandante com o manche na mão. Veja você, seu mundo se resume a esse consultório, suas maiores aspirações estão nas mãos alheias, seu futuro depende de uma reunião de diretoria. Você está passando velozmente e o seu cenário se arrasta em câmara lenta.



Azevedo sentiu-se agredido e resolveu contra-atacar.



-Comandante, eu amo a medicina, amo o que faço, tenho muitos motivos para ser feliz. Acho que o senhor tentou projetar em mim sua própria crise. Se luto por uma questão salarial é porque sou solidário às famílias que dependem da saúde dessa empresa. Minhas reivindicações não significam que seja um frustrado”. Azevedo parou, esperando que o assunto esfriasse para começar com os exames de rotina.



A turbina em teste no hangar silenciou. A sala se encheu de uma quietude incômoda.



-Vamos começar?

Pediu o médico.



Roberto mais uma vez se esqueceu do mundo; tinha o olhar das crianças quando brincam com pensamentos que não são pensamentos. Desligado, parecia ouvir alguém lhe falando ao longe. Chegou a franzir a testa como se esperasse a próxima mensagem e voltou à carga:



-Azevedo, eu gosto do céu; já me acostumei com o azul da estratosfera; não há nada mais lindo que enfrentar os astros e navegar rumo às galáxias. Você não imagina quantas estrelas cadentes já vi em noites sem lua. Contudo, o alumínio das fuselagens, as rotinas dos manuais e o ambiente intragável das salas de imigrações estão me matando.



Ainda em pé e segurando o encosto da cadeira à sua frente, disse:



-Quero deixar de ser o Comandante Roberto e opto pelo simples Roberto que ama a liberdade e adora o espaço. A partir de hoje vou determinar a minha própria história; isso devo a mim mesmo.



Azevedo sentiu que não adiantaria continuar replicando o comandante:



-Então, tá. Deixe eu tirar sua pressão arterial.



Roberto demorou uma fração de segundos para reagir, de cabeça baixa, parecia consultar uma check list pendurada sobre o peito.



-Não, hoje não.

Apertou a mão do médico, deu as costas e saiu com um breve e seco até logo. Desceu pelas escadas, passou pelo esqueleto do Boeing e sumiu.



A última notícia que se soube do Roberto é que ele havia participado de uma expedição de ornitólogos pelo interior da Amazônia.



Soli Deo Gloria.



Vi no http://www.ricardogondim.com.br/