terça-feira, 31 de março de 2009

Calvinismo na História

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Calvinismo na História
Depois de abalar seus oponentes com os erros terríveis do Arminianismo; depois de fazê-los sentir culpados de não ser um calvinista; depois de associar seus detratores com grupos e doutrinas heréticos: o calvinista se vira para o argumento histórico. As táticas de engano são as mesmas, somente muda para a cena da história. Aqui o calvinista pode simplesmente omitir a informação que seja desfavorável ao Calvinismo e insiste que “o Calvinismo tem tido uma influência maior na história e instituições humanas mais do que qualquer outra teologia já formulada pela igreja.”[1] Deliberadamente misturando os usos teológicos e não-teológicos supracitados do termo Calvinismo, e equiparando o Calvinismo ao Protestantismo bíblico, os calvinistas podem produzir alegações incríveis para seu sistema:

Somente o Calvinismo fornece as garantias necessárias para qualquer atividade genuinamente intelectual e científica.[2]

Apenas pergunte a si mesmo em que teria tornado a Europa e a América, se no século 16, a estrela do Calvinismo não tivesse sido subitamente levantada no horizonte da Europa Ocidental.[3]

Mas, porque os dois mais abusados sentidos do termo Calvinismo são relacionados à economia e à política, um estudo posterior destes dois assuntos será feito.

Se as declarações dos calvinistas relativas ao seu sistema são tomadas como valores nominais, é João Calvino e não Adam Smith (1723-1790) que deveria ser o pai da economia moderna.[4] Na esfera da economia tem sido afirmado sobre o Calvinismo:

Os países calvinistas se tornaram os países onde o sistema capitalista se desenvolveu.[5]

A ‘ética do trabalho’ protestante foi desenvolvida a partir dos ensinos de Calvino.[6]

O Calvinismo é o inimigo mais formidável que o socialismo e o comunismo enfrentam hoje.[7]

Por Calvino ter valorizado a propriedade privada, o capital, a prosperidade, o trabalho duro, e rejeitado as leis de usura medievais, alguma conexão é geralmente feita entre o Calvinismo e o capitalismo, usualmente centralizada na discussão da “tese” de Max Weber (1864-1920) em seu livro The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism.[8] Sustentando tudo que é dito pelos calvinistas sobre o papel do Calvinismo na economia, há uma implicação sutil que uma rejeição do Calvinismo em seu aspecto teológico abre as portas para uma rejeição do capitalismo e do sistema de livre iniciativa. Mas como qualquer estudante de história econômica básica sabe, Calvino não era nenhum “capitalista laissez-faire,” muitos defensores do livre mercado são ateus, e muitos calvinistas hoje são evidentes socialistas. Um exemplo é o Calvin College. Um livro escolar escrito pela faculdade e publicado pela instituição de ensino superior para uso em seus cursos de economia introdutória tem sido recentemente classificado por um calvinista como “um trato totalitário e socialista, escrito com fervor religioso por admiradores da escravidão e da Escuridão da Idade Média.”[9] Demais para a dicotomia calvinista/capitalista.

O uso político do termo Calvinismo é ainda mais esticado. A liberdade civil e religiosa é dita depender do Calvinismo:

Há uma coisa que toda a história testifica, a saber, que o que o mundo chama Calvinismo é a única doutrina que produz liberdade civil e religiosa, religião pura e impoluta, independência e prosperidade nacional, enquanto todos os outros sistemas produzem superstição, materialismo e decadência nacional, apenas para terminar na ilegalidade, Bolchevismo e destruição.[10]

O teólogo reformado holandês e Primeiro-Ministro da Holanda, Abraham Kuyper (1837-1920), insistiu que “o Calvinismo tem capturado e garantido nossos direitos civis constitucionais.”[11] Boettner alega que “na Inglaterra e América, os grandes esforços para a liberdade civil e religiosa foram nutridos pelo Calvinismo, inspirados pelo Calvinismo, e executados largamente por homens que eram calvinistas.”[12] E, não sendo suficiente, com relação aos Estados Unidos em particular, é mantido que o Calvinismo é responsável pela Guerra Revolucionária e a Constituição.[13] As fundações religiosas deste país são bem conhecidas e não precisamos nos deter neste assunto. O que precisa ser apontado, entretanto, é que, ao confundir o Calvinismo em seus sentidos teológico e não-teológico, e equiparando o Calvinismo em seu aspecto teológico ao Protestantismo em geral, o Calvinismo pode se declarar responsável por toda e qualquer coisa boa que tenha acontecido na história. E embora os calvinistas são rápidos em destacar que uma das coisas importadas para este país da Inglaterra foi o Calvinismo, eles muitas vezes falham em mencionar que a praga da união Igreja e Estado, uma teocracia calvinista, foi também exportada para este país. Calvinistas honestos, entretanto, admitem que os calvinistas puritanos da Nova Inglaterra perseguiram dissidentes, os quacres, heréticos, e os batistas.[14] Então, mais uma vez é evidente que qualquer alegação feita em favor do Calvinismo deveria ser rejeitada, a não ser que seja limitada ao uso estritamente teológico do termo.

Confinando o termo Calvinismo em seu sentido estritamente teológico, podemos agora examinar os argumentos históricos relevantes usados em sua defesa. Naturalmente, somos informados que por toda a história “o Arminianismo entre o Protestantismo esteve na minoria,” e, de forma oposta, que “historicamente, a igreja cristã tem sido predominantemente calvinista.”[15] Como era de esperar, o calvinista começa com a Bíblia: “o Calvinismo é meramente um apelido pelo qual os teólogos reformados se referem aos dogmas ensinados por toda a Escritura Sagrada.”[16] Então, é uma simples questão de progredir através do tempo. O apóstolo Paulo era calvinista,[17] e assim era “a doutrina apostólica.”[18] Deixando o período do Novo Testamento, somos então informados de que “os escritos do período patrístico revelam forte inclinação ao Calvinismo.”[19] Avançando ainda mais na história, é declarado que “um número de calvinistas” durante a Idade Média “honraram a cena teológica.”[20] Boettner se apressa em adicionar que “a grande maioria dos credos da Cristandade histórica” têm ensinado as doutrinas do Calvinismo.[21] E chegando mais perto da atualidade, Boettner declara: “Do tempo da Reforma até cerca de cem anos atrás, estas doutrinas foram corajosamente difundidas pela grande maioria dos ministros e professores nas igrejas protestantes.”[22]

Com respeito a essa “grande maioria” dos homens calvinistas, os calvinistas tornam-se eloqüentes:

Entre os defensores do presente e do passado desta doutrina são encontrados alguns dos maiores e mais sábios homens do mundo.[23]

É inquestionável, de fato, que o Calvinismo, ou alguma modificação de seus princípios essenciais, é a forma de fé religiosa que tem sido professada no mundo moderno pelos mais inteligentes, mais éticos, mais habilidosos, e os mais livres da humanidade.[24]

Spencer nos notifica que “por toda a história muitos dos grandes evangelistas, missionários, e vigorosos teólogos aderiram às preciosas doutrinas da graça conhecidas como Calvinismo.”[25] Do Calvinismo vem “os grandes teólogos e estudiosos.”[26] R. C. Sproul sustenta que “os titãs da erudição cristã clássica” são calvinistas.[27] McFetridge acrescenta que “não há nenhum outro sistema de religião no mundo que tem um galeria tão gloriosa de mártires da fé.”[28] Com certeza a maioria dos calvinistas irá fornecer uma longa lista de homens distintos que foram calvinistas (assim eles alegam) para provar que o Calvinismo deve ser verdadeiro.[29] De longe o homem mais citado como um calvinista é o famoso pregador batista Charles Spurgeon.[30] Todos os escritores calvinistas apreciam o Calvinismo de Spurgeon: os batistas, naturalmente, para convencer os batistas; e os pedobatistas, sabendo que eles não conseguem atrair os batistas para a sua posição, para fazer a próxima melhor coisa – criar um batista reformado. O estudioso reformado dos mais citados, excetuando Calvino obviamente, é Loraine Boettner, o autor do livro The Reformed Doctrine of Predestination. Boettner, como Spurgeon, é considerado em alta estima por ambos, batistas e pedobatistas.[31]

A afeição que os calvinistas têm pela história americana já tem sido vista. Então, além das declarações gerais feitas acima, resta agora apresentar as alegações dos calvinistas referentes aos homens na história americana que eram calvinistas. Boettner começa por insistir que: “o Calvinismo veio para a América no Mayflower.”[32] [Nota: Navio que trouxe os peregrinos para a América em 1620] O Calvinismo dos puritanos e peregrinos ingleses, reformados holandeses e alemães, huguenotes franceses, e escoceses-irlandeses é animadamente recontada pelos calvinistas como prova de que todos os cristãos americanos deveriam ser calvinistas.[33] Boettner relata o débito que a educação americana deve aos calvinistas: “Nossas três universidades americanas de maior importância histórica, Harvard, Yale, e Princeton, foram originalmente fundadas por calvinistas, como poderosas escolas calvinistas.”[34] O Calvinismo de Jonathan Edwards (1703-1758) e George Whitefield e seu papel no First Great Awakening [Nota: movimento religioso entre os protestantes coloniais americanos, iniciado pelo pregador Jonathan Edwards, que procurou retornar às estritas raízes calvinistas dos peregrinos e reavivar o temor de Deus] não fica sem ser mencionado, e especialmente as disputas do último com John Wesley (1703-1791) sobre o Calvinismo.[35] E em contraste, o “Arminianismo” de Charles G. Finney (1792-1875), D. L. Moody (1837-1899), e Billy Sunday (1862-1935) é freqüentemente rebaixado.[36]

O teólogo presbiteriano Charles Hodge (1797-1878) admiravelmente acrescenta o argumento histórico:

Tal é o maior esquema de doutrina conhecido na história como o paulino, agostiniano, ou calvinista, ensinado, como nós cremos, nas Escrituras, desenvolvido por Agostinho, formalmente sancionado pela Igreja Latina, aderido pelas testemunhas da verdade durante a Idade Média, repudiado pela Igreja de Roma no Concílio de Trento, restaurado naquela Igreja pelos jansenistas, adotado por todos os reformadores, incorporado aos credos das Igrejas Protestantes da Suiça, do Palatinado, da França, Holanda, Inglaterra, e Escócia, e desvelado nos Padrões compostos pela Assembléia de Westminster, o representante comum dos presbiterianos na Europa e na America.[37]

O raciocínio dos calvinistas é simples: visto que a maioria dos grandes pregadores e teólogos, credos e confissões, e Pais da Igreja e reformadores protestantes foi calvinista – o Calvinismo deve ser verdadeiro. Agora, supondo por um momento que tudo isso seja verdade – que a maioria dos grandes pregadores e teólogos foi calvinista, que a maioria dos credos e confissões foi calvinista, e que a maioria dos Pais da Igreja e reformadores protestantes foi calvinista – e indo até alem dos calvinistas e deixando que a esmagadora maioria destes homens e documentos foi calvinista: isso prova a verdade do Calvinismo? Sproul, apesar de usar o argumento histórico, reconhece que é possível que não: “Para dizer a verdade, é possível que Agostinho, Aquino, Lutero, Calvino e Edwards possam estar errados sobre o assunto... Uma vez mais, o fato de eles terem concordado não prova o caso a favor da predestinação. Eles poderiam estar errados. Mas esse fato atrai a nossa atenção.”[38] Bem, poderia a maioria estar enganada? Certamente eles poderiam todos estar enganados! Como todo batista calvinista cederia: todos os homens supracitados estavam enganados sobre o batismo – eles batizavam bebês. Então não seria razoável imaginar que eles poderiam de modo correspondente estar enganados sobre a predestinação também? E como todo calvinista premilenista confessaria: todos os homens supracitados estavam enganados sobre o milênio – eles eram amilenista ou posmilenistas. Não seria razoável novamente imaginar que eles poderiam estar justamente enganados nas doutrinas do Calvinismo?

[1] C. Gregg Singer, JOHN CALVIN: His Roots and Fruits (Atlanta: A Press, 1989), p. 29.
[2] Ibid., p. 30.
[3] Kuyper, p. 39.
[4] Singer, pp. 46, 50.
[5] Arthur Dakin, Calvinism (Philadelphia: The Westminster Press, 1946), p. 203.
[6] W. Gary Crampton, What Calvin Says (Jefferson: The Trinity Foundation, 1992), p. 12.
[7] Singer, p. 48.
[8] Para a obra de Weber traduzida veja Max Weber, The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, trad. Talcott Parsons (New York: Charles Scribner’s Sons, 1958). Para um esclarecimento veja Michael H. Lessnoff, The Spirit of Capitalism and the Protestant Ethic: An Enquiry into the Weber Thesis (Hants: Edward Elgar Publishing, 1994). Para uma discussão do Calvinismo e do Capitalismo pelos calvinistas veja Alister E. McGrath, A Life of John Calvin (Oxford: Blackwell Publishers, 1990), pp. 219-245; Georgia Harkness, John Calvin: The Man and His Ethics (Nashville: Abingdon Press, 1958), pp. 178-220; Singer, pp. 48-51; Dakin, pp. 203-208.
[9] John W. Robbins, “Our Comrades at Calvin College”, The Trinity Review, November 1996, p. 1.
[10] Henry Atherton, Introdução a Jerom Zanchius, The Doctrine of Absolute Predestination, trad. Augustus M. Toplady (Grand Rapids: Baker Book House), pp. 11-12.
[11] Kuyper, p. 40.
[12] Boettner, Predestination, p. 390.
[13] Singer, pp. 42-43; McFetridge, p. 39.
[14] Douglas F. Kelly, The Emergence of Liberty in the Modern World (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1992), p. 126; Samuel Miller, pp. 42, 52; Dakin, pp. 160-161.
[15] Talbot e Crampton, pp. 80, 78.
[16] Ibid., 78.
[17] McFetridge, p. 14.
[18] Talbot e Crampton, p. 79.
[19] Ibid.
[20] Ibid.
[21] Boettner, Predestination, p. 2.
[22] Ibid., pp. 2-3.
[23] Ibid., p. 1.
[24] R. Willis, citado em Kuyper, p. 15.
[25] Spender, Tulip, p. 6.
[26] Singer, p. 28.
[27] R. C. Sproul, Eleitos de Deus, p. 10.
[28] McFetridge, p. 81.
[29] P. e., Seaton, p. 23; Spencer, Tulip, p. 7; Talbot e Crampton, pp. 79-80; Dabney, Calvinism, pp. 7-8.
[30] Roy Mason, What is to Be, Will Be (n.p., n.d.), p. 1; Manford E. Kober, Divine Election or Human Effort? (n.p., n.d.), p. 52; Godwell Andrew Chan, “Spurgeon the Forgotten Calvinist”, The Trinity Review, agosto 1996, pp. 1-4; Kenneth H. Good, Are Baptists Calvinists? Ed. rev. (Rochester: Backus Book Publishers, 1988), pp. 80, 147; Spender, Tulip, p. 6; Steele e Thomas, p. 8; Seaton, pp. 8-9; Talbot e Crampton, pp. 2-3; Gerstner, Wrongly Dividing, p. 107.
[31] J. Gresham Machen, The Christian View of Man (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965), p. 52; Mason, p. 9; Kober, p. 37; Kruithof, p. 40.
[32] Boettner, Predestination, p. 382.
[33] John H. Bratt, “The History and Development of Calvinism in America”, em John H. Bratt, ed. The Rise and Development of Calvinism, 2a ed. (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1964), pp. 114-122; Boettner, Predestination, pp. 382-391; Dakin, pp. 158-165.
[34] Boettner, Predestination, p. 397.
[35] Bratt, Calvinism in America, pp. 124-127; Dakin, pp. 162-163; McFetridge, pp. 108-112; Thomas J. Nettles, “John Wesley’s Contention With Calvinism: Interactions Then and Now”, em Schreiner e Ware, eds., The Grace of God, the Bondage of the Will, pp. 302-303.
[36] Bratt, Calvinism in America, p. 126.
[37] Charles Hodge, Systematic Theology (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1986), vol. 2, p. 333.
[38] Sproul, Eleitos de Deus, p. 10.

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