sexta-feira, 27 de abril de 2012

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Um semeador triste




Vez por outra um sentimento de inutilidade me aterroriza. Sinto-me como um lobo solitário a uivar para uma lua indiferente. Saio da cama pela manhã, sabendo que o universo não toma conhecimento de qualquer esforço meu. As rodas giram alheias à minha existência. Os dias se sucedem independente do que eu diga, fale, escreva. Não passo de um cisco que não altera a engrenagem da história.


Vivo num meio de caminho entre medíocres e gênios. Alguns elogiam textos meus. Não me iludo, sou mediano. Minha lavra não chegará à mesa de literatos, formadores de opinião, acadêmicos. Não ajudo nem atrapalho o desenrolar da política. Sem partilhar da genialidade dos mestres, não passo de meteoro sem nome a vagar no grande vazio sideral. Jamais escalado para a seleção dos extraordinários, sei: minha pífia contribuição não terá permanência histórica. Repousarei na vala onde os comuns jazem, condenados ao esquecimento eterno.


Não paro de tentar despejar-me no que faço, escrevo, falo. Caço a excelência. Faltam muitos detalhes: competência, pedigree, escolaridade, sintaxe, poesia, criatividade.


Sou semeador de ventos. As sementes que jogo não caem em terrenos bons. Amigo do profeta Ezequiel, guardo a sensação de falar a um povo de coração duro, que não quer ouvir. Por mais que me esforce, continuo incompreendido. Minha profecia soa glossolalia – língua estranha. Triste sina de quem vive da fala.


Encarno o Semeador, do poema de Aleksandr Púchkin (1823):


Eu semeador, deserto afora,
da liberdade, fui com mão
pura lançar, antes que a aurora
nascesse, o grão que revigora
nos sulcos vis da escravidão.
Mas todo o esforço foi em vão:
joguei vontade e tempo fora.
Pasce, pois eu te repudio,
ralé submissa e surda ao brio.
Libertar gado é faina ingrata,
pois gado se tosquia e mata.
Herda, por gerações a fio,
canga, chocalhos e chibata.


Talvez esse sentimento de inutilidade venha de uma vaidade messiânica há muito acalentada. Aquiesço: sou mal resolvido em diversas áreas. Às vezes impulsivo. Frequentemente amuado. Não importa. Vale a frustração. Mas se restar algum consolo, repito o lamento do Nazareno. Ele também se frustrou: “Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! [Lucas13.34].


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/minhavida/um-semeador-triste/
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Forrobodó caótico sem significado



Ano passado me procuraram para uma entrevista. O assunto seria a igreja evangélica e esses caras estranhos chamados sem-igreja. Me mandaram as perguntas, eu respondi, mas a matéria nunca apareceu em lugar nenhum. Ainda nessa fase de vacas magras no blog, desenterrei a entrevista pra postar aqui. As perguntas foram formuladas pelo jornalista carioca e flamenguista Marcos André Lessa.



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1) O movimento dos sem-igreja cresce a cada dia: blogs e comunidades no orkut já são dedicados ao tema, como lugares para "congregar" e compartilhar de questionamentos parecidos. Na sua opinião, quais os motivos para esse movimento ocorrer?

É um movimento natural. É pra onde tudo migra hoje. Virtual, pessoal, íntimo. Grandes instituições estão em descrédito em todos os ambientes, não só no cristão. E a internet surgiu como uma alternativa que viabiliza contatos e trocas entre gente sem a dependência de uma instituição toda hierarquizada, toda rígida, toda dogmática. Sem falar no custo pra manter as instituições formais funcionando. Pouca gente ainda se dispões a arcar com esses custos. É um preço muito alto que se paga, tanto em dinheiro como em mão de obra. É só olhar pras grandes instituições religiosas e ver o tanto de dinheiro, tempo e gente envolvida só em manter tudo funcionando. As pessoas estão saturadas desse método e tentando encontrar formas alternativas. É natural que seja assim.



2) Nos posts "Um primeiro passo" e "Ter, pertencer, ir" vc parece concluir uma série de reflexões e a partir dali começar uma nova trilha, só que agora sem estar ligado oficialmente a uma igreja evangélica. Como foi esse processo? Houve algum momento/fato/acontecimento especial que foi um marco, um início desses questionamentos?

Não houve marco não. Houve certamente um processo, mas não sei se consigo defini-lo bem. Fui sendo influenciado por um monte de boas pessoas, tanto pessoalmente como através de leituras. E aquilo que fui recebendo, fui passando adiante, especialmente dentro do contexto da instituição da qual fazia parte – e também através do blog. Basicamente em uma busca por simplificação tanto na mensagem como na estrutura de vida comunitária e na vivência da mensagem do evangelho de Jesus na prática, no dia-a-dia, na vida comum. Meu desligamento acabou sendo uma consequência natural, uma vez que o que vinha vivendo e falando ia causando certo desconforto na instituição à qual eu era filiado (ou igreja da qual era membro, tanto faz). Eu não queria ficar causando desconforto à ninguém, portanto me afastei antes que o desconforto virasse briga ou coisa parecida.



3) O que foi mais difícil pra você nesse processo, até a conclusão acima?

Rompimento nunca é fácil. Envolve um monte de amigos, gente boa, gente querida. E um monte de hábitos. Claro que gostaria de poder romper com a instituição, a forma, sem precisar romper com gente, pessoas. Mas na prática isso é muito complicado. Perde-se vínculos. Encontros que antes eram semanais passam a ser esporádicos. Mesmo que os encontros semanais fossem, no geral, bastante frios e superficiais, eles aconteciam e a gente via os rostos e tinha os nomes sempre na memória. Encerrando esses encontros, aos poucos vai-se perdendo vínculos. Essa é a parte chata.



4) No blog você também citou algumas reações à sua decisão. Alguma específica te marcou, positiva ou negativamente?

Não lembro exatamente que reações citei lá, mas ouvi uma pequena porção de bobagens a meu respeito. De gente que nunca falou mais do que um 'oi' e 'tchau' comigo, mas já tinha opiniões fortíssimas sobre mim, e de alguns mais próximos também. A maioria na linha de que eu era um ‘desviado’ e que queria ‘causar divisão’, enfim, passei a ser considerado um sujeito perigoso. Melhor manter distância. Mas foi pouco, comparado a histórias que ouço por aí. Os caras tinham seus motivos. Estavam protegendo suas crenças e tal. Não tenho nada contra ninguém. Até entendo essas reações. Lamento, mas entendo. Mas teve também alguns bons amigos que permaneceram bons amigos e deram uma grande força. Isso foi ótimo.



5) Em outro post vc cita que seu dízimo agora seria encaminhado à caridade, ou algo do tipo. Como você chegou a essa conclusão? E a passagem que diz "trazei todos os dízimos à casa do tesouro"?

A passagem sobre a ‘casa do tesouro’ foi escrita num tempo em que existia uma ‘casa do tesouro’. Essa casa não existe há mais que 2 mil anos! O 'templo', depois de Jesus, passou a ser o coração do homem. É aí a casa do tesouro. No coração de cada um. E no coração não cabe dinheiro; cabe amor, cuidado, misericórdia, paz, perdão, graça, proteção, carinho. Essas coisas todas se manifestam de um para o outro de muitas formas e uma delas é repartindo-se o que cada um tem em amor. É como Paulo falou pra rapaziada de Corinto: “No presente momento, a fartura de vocês suprirá a necessidade deles, para que, por sua vez, a fartura deles supra a necessidade de vocês. Então haverá igualdade, como está escrito: ‘Quem tinha recolhido muito não teve demais, e não faltou a quem tinha recolhido pouco’.” Essa obrigação de dar 10% da renda pra igreja da qual o sujeito é membro é uma tolice. O amor é que nos constrange e nos move a repartir o que temos com quem não tem, ou tem pouco. Simples assim. Sem obrigação, sem barganha, sem valor nem endereço fixo.



6) Lendo seu blog, tenho a impressão que você foi criado na igreja. E você tem dois filhos. Fica preocupado se eles vão abraçar ou não a fé cristã, mesmo sem frequentar uma igreja qdo crianças?

É preciso corrigir a definição do termo ‘igreja’ aqui. Meus filhos estão aprendendo, junto comigo, a ser igreja em todo canto, em todo tempo. O que eu espero de todo coração é que eles abracem a Cristo. Espero que Deus me dê a graça de vê-los vendo um pouquinho de Jesus em mim, ou pelo menos no meu desejo sincero de seguir Jesus. Se isso (ou qualquer outra coisa) os levar a abraçar a pessoa de Jesus, certamente todo resto estará resolvido. Há muita gente caminhando por aí abraçada à ‘fé cristã’ dentro de ‘igrejas’ sem, no entanto, jamais ter abraçado o Cristo.



7) Em "Ter, pertencer e ir" vc fala de uma solidão pós-decisão de ser um "desigrejado". Queria que vc falasse mais sobre esse sentimento, e como ele se expressou na sua rotina.

Acho que falei um pouco disso na pergunta 3. Todo rompimento é traumático. As noites de domingo foram bastante esquisitas no começo. Eventualmente sinto falta de um amontoado maior de gente. Mas quando estava nesse amontoado, achava ele meio vaziozão. No fim, passei e ainda passo alguns dos momentos mais intensos da minha vida familiar quando nos reunimos em torno da mesinha de centro na sala com livros, músicas, violão e copos de nescau à postos. Passamos algumas horas ali de longas e profundas conversas que, por algum motivo, nunca tive antes. Estando sozinho, passei a assumir como minhas muitas responsabilidades que antes estavam delegadas à instituição. E ajudou também o fato de ter mais tempo livre, uma vez que antes estive sempre bastante envolvido em programas da instituição que me tomavam várias noites por semana.



8) Sua esposa teve os mesmos questionamentos que você? Se não, como ela encarou suas reflexões e conclusões? Se teve, foi ao mesmo tempo que você?

Minha esposa veio junto, desde o comecinho. Conversamos bastante desde sempre e ela participou de todas as etapas de mudança na nossa caminhada com Jesus.



9) Na sua opinião, qual a importância e função da igreja evangélica hoje?

Isso é complicadíssimo de responder, porque a expressão ‘igreja evangélica’ já não significa absolutamente nada mais, e faz tempo. É uma bagunça tão grande, um forrobodó tão caótico, que já não tem significado nenhum. É Edir Macedo, Malafaia, Terranova, Rodovalho, apóstolos, bispos, profetas, curandeiros, milagreiros, manipuladores, caras-de-pau, safados... toda essa gente aí é ‘evangélico’. A função desses aí é enganar o povo e ganhar muito dinheiro isento de impostos. É construir seu impériozinho e ter uma porção de subordinados submissos beijando suas mãos. E esses caras crescem que nem capim porque anunciam um projeto de prosperidade e poder. O povo que os segue não faz a menor idéia de quem seja Jesus. Abraçam a esperança hedonista de poder e, para isso, vendem a alma. São enganados, mas enganados pela sua própria ganância. É triste, mas é o que é.

Só que tem também um monte de gente boa, esforçada e bem intencionada em instituições que se esforçam um bocado pra apontar pra Jesus e não pra si mesmas e fazer o bem ao próximo, e não construir um templo novo bonitão, acarpetado e cheiroso. Isso existe. Tá espalhado por aí. Cada vez mais raro, porque até esses aos poucos vão cedendo às tentações de crescimento e sucesso oferecidas pelo primeiro grupo. Mas sempre há uns guerreiros remanescentes por aí. E os caras também se chamam de ‘evangélicos’.

Enfim, a igreja evangélica é uma balbúrdia indefinível. Mais vale largar dela e seguir Jesus independente do lugar onde você esteja. E esse lugar pode até ser uma igreja evangélica, tudo bem. O importante é não permitir que a igreja instituição e todas as suas programações e demandas tomem o lugar do Cristo. É só seguir Jesus onde estiver. E se dois ou três forem junto, está ótimo.



Vi no http://atrilha.blogspot.com.br/2012/04/entrevista.html
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Para começo de conversa





Os humanos desejam. A vida rodopia no verbo querer. Porque desejam, pessoas fazem escolhas. Volição ou livre arbítrio, um dos nós que a filosofia nunca conseguiu desatar completamente, é a maior riqueza da humanidade. A psicanálise diz que desejo é pulsão – energia de onde vem o apetite. Tesão. Embora pareça chulo, tesão comunica bem essa força chamada desejo.


Pulsões tanto geram vida com arrastam para a morte. As pessoas dizem sim porque se sentem fascinadas. Anseiam pelo que traz vida. Apetite de morte produz medo. Rejeições, portanto, nunca começam com moralismo. Sempre que alguém recusa algo, quer fugir da morte; tenta evitar Tânatos – sua personificação. Desejo e aversão nascem dessas pulsões que em si não são certas ou erradas. Nas pulsões, inexiste o “pode, não pode”. A energia vital do desejo engatilha outro processo: “quero, não quero”. Daí, desejo, vontade e liberdade andarem juntos.


No império das decisões, todos são deuses. Quando a escolha é feita, nada e ninguém consegue reverter. O rei tapa os ouvidos depois que declara guerra. O general pode aconselhar, mas suas recomendações cairão como semente em terreno duro. Se o rapaz resolve cortejar a donzela, de nada valerá pais, sacerdotes, profetas ou psiquiatras advertirem. Romeu e Julieta correrão todos os riscos.


Amor reduz, inclusive, alternativas. Quanto maior a cordialidade, maior a disposição de prestar atenção. Amor evita distrair-se.


Amantes se desarmam. Aquele que quer bem se abre para o que aprecia. Ternura destranca preconceito. O pai não se irrita de repetir e o filho não se zanga de ouvir as mesmas histórias.


Quem ama olha fixo – evita o soslaio, como Machado de Assis sugeriu a respeito de Capitu. Vista segura escancara a comunicação entre diferentes. Desejo gera apetite de ouvir o que antes soava estranho. Pela felicidade da amada, o namorado aprende um novo idioma. O amor que deslumbra possibilita a novidade.


Ninguém converte ninguém. Quando coração rejeita, toda racionalidade rui, impotente. Argumentos antipatizados se desmancham antes da mente percebê-los; vão para o lixo, rechaçados, não pelo intelecto, mas pelo coração. Com animosidade, a comunicação cessa. Para um coração endurecido, de nada serve acenar com fogo do inferno ou com o cenho franzido de Deus. Ameaça constrange, subjuga, mas só consegue inviabilizar o diálogo.


Pedagogia começa com amizade. Sensibilidade para aprender deve vir precedida de boa vontade. Sabedoria carece de ambiente sereno. O bom professor precisa ser querido. Graça vem antes da verdade. Na aprendizagem, tato antecede argumento, credibilidade antecipa explanação e só ternura dissipa dúvida. Aprender necessita do verbo desejar.


Para começo de conversa, a receita é amar.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/estudos/para-comeco-de-conversa/
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Mulher, ninguém te condenou? Tão pouco eu te condeno.




Venho observando todo esse movimento em torno das mulheres em papeis de destaque na sociedade. Ao mesmo tempo em que me alegro em ver algumas mulheres competentes em posição ideal de exercer suas competências, os exageros causam-me estranheza e certa apreensão, até. Jantei com o casal Suzana e Daniel Fresnot, há pouco tempo. Eles são líderes do belo trabalho das Casas Taiguara, destinadas às crianças moradoras de rua na cidade de São Paulo. O casal é de origem judaica, muito dedicados à leitura e o Daniel é um estudante profícuo da Bíblia. A brincadeira mais recente dele é traduzir o Pentateuco de uma versão dos rabinos franceses para português. Durante o jantar, a Suzana afirmou que Jesus era um tanto machista. Pensei em argumentar em oposição, mas hesitei com medo de ser deselegante. Entretanto o Daniel tomou a palavra e fez uma das mais brilhantes apologias ao respeito e sensibilidade de Jesus em relação à mulher que eu já ouvira. Para tanto, ele usou a história da mulher adultera e sinto não ter gravado aquele momento. Não tentarei reproduzir o que ele disse para não incorrer no erro de ser impreciso e comprometer algo tão belo e verdadeiro. Tampouco condeno a Suzana que tão somente citou um dos mitos que pouco a pouco se alastram nas ondas feministas que andam assolando a humanidade.

Com a mais absoluta certeza não tenho nenhuma objeção à mulher desempenhando papeis tradicionalmente ocupados por homens. Não penso que o gênero deva definir a escolha. Infelizmente vi uma mulher alçada à presidência de nosso país, não por sua competência, mas por imposição de um político truncho, que resolveu fazer mais uma inscrição na calçada da fama, como o cara que alçou a primeira presidente mulher do Brasil. Dizem que o Lula quase teve um enfarto quando alguém lembrou-lhe que a Dilma não era a primeira presidente brasileira mulher de fato. Antes dela, a princesa Isabel exercera a função, inclusive, tendo entrado para a história por ter assinado a infame Lei Aurea. Infame porque, para mim, a liberdade de qualquer ser humano deveria ser inata e não dar-se por decreto de quem quer que seja, sobretudo pela pena de uma princesa qualquer, obrigada a fazê-lo porque seu pai não foi homem suficiente para fazê-lo e largou a bomba na mão dela. Claro que logo o cordão dos bajuladores veio com argumentos insólitos menosprezando a Princesa Isabel na condição de primeira mandatária do País. Uma grande bobagem, diga-se de passagem, pois ela não só ocupou e exerceu o cargo político mais importante da nação, como ainda carregava consigo certo “plus” que a tornava ainda mais importante, ou seja, o pedigree de ser filha legitima do imperador e, portanto, princesa consorte, e bota sorte nisso.

Concordo com o Daniel e muito mais ainda com Jesus. Pouquíssimas vezes, se não a única, a mulher foi tão dignificada e bem defendida quanto aquela senhora que Jesus da Galileia livrou das pedras e da morte. Para cristãos e judeus mais ortodoxos ela não merecia nem um olhar do Mestre, quanto mais sua intervenção salvadora. Afinal ela traíra seu marido, através do adultério. Para aquela assembleia, mulheres adúlteras não mereciam nenhum respeito. Mas Jesus foi direto na jugular da homorada presente com aquela celebre colocação interrogativa: Quem não tem pecado que atire a primeira pedra. Não pense você que ele se referia a pecados veniais, como espiar a empregada tomando banho pelo buraco da fechadura da porta do banheiro, passar o dedo na cobertura do bolo ou não fazer a lição de casa. Jesus estava afirmando que quem nunca houvesse adulterado atirasse a primeira pedra. Surpresa! Todos, e não eram poucos, os senhores presentes eram réus culpados desse horroroso pecado mortal.

Para mim, todos os homens e mulheres que forem vitimas de cônjuges adúlteros estarão entre os mais miseráveis sofredores da raça humana. Nunca passei por isso, mas só de imaginar a cabeça com cornos enormes para o delírio de toda a vizinhança, me dá arrepios indescritíveis, fora o desgaste psicológico da vitima. Naquele caso, ali estava uma mulher quase indesculpável. Digo quase porque imagino que nenhum de nós a teria absolvido. Juízes e leis humanas nunca absolvem pecadores. Mas entendo que Jesus fez daquele acontecimento algo emblemático na questão da mulher e das liberdades femininas. Para mim, ele disse com aquela defesa maravilhosa, que todas as mulheres são tão dignas quanto qualquer homem diante de Deus, até a mais vil pecadora dentre elas. Parece que nosso senhor tinha certa propensão a considerar os últimos como os primeiros.

Concluindo, lembro-me da vez em que usei essa passagem bíblica em minha predica no culto semanal na Escola Superior de Teologia Evangélica. Claro que procurei usar essa entonação toda perdoadora e dignificadora do ser humano mulher, a exemplo do Senhor. Um pastor presente, que era aluno da escola, não suportou o que para ele seria um grande horror, e entregou-se me confrontando. Para ele, a mulher adultera nunca deveria ter sido perdoada. Louvo a sinceridade do babaca, e me curvo ao fato de que todos nós seriamos qualificados para fazer parte como figurantes naquele grupo de apedrejadores e nunca para o papel que Cristo desempenhou ali.

Lula nunca entendeu e nunca entenderá o jeito de Jesus engrandecer a mulher. O Senhor salvou uma mulher que deveria ter morte certa segundo a lei dos homens, para engrandece-la, enquanto Lula elevou uma mulher à presidência de uma grande nação para elevar a si próprio. A Dilma que se vire agora para não decepcionar o resto das mulheres e até alguns homens, entre os quais me incluo. Seria péssimo para a raça humana se ela nos desapontasse. Ainda vivemos em tempos que homens podem meter os pés pelas mãos, a torto e direito, enquanto isso ainda não é permitido às mulheres. Mais um ponto para o Galileu.

Por Lou Mello


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Repensar moldura




Ninguém vive fora de algum círculo. Quando escrevi o livro “Pensando Fora da Caixa” não sugeri o abandono de molduras. Não se pensa sem paradigmas. Propor anarquia intelectual é desatino. Nietzsche afirmou corretamente: “O nada nega a si mesmo”. Quem procura sair de formas busca mudar de lente ou de pedra de arranque. Não cogita cometer suicídio intelectual. Talvez tente criticar pressupostos; quem sabe, desobedecer bitola; com certeza, abrir algum cadeado.


Repensar moldura significa coragem de rir enquanto probos pensadores posam, com olhar compenetrado, de senhores da razão. Não há nada mais ridículo, e ao mesmo tempo engraçado, do que presenciar debate em que acadêmicos discutem a irrelevância do óbvio. Rubem Alves expressou seu desdém por essa moinha árida, que consome filósofos, teólogos e teóricos. Pensar nem sempre garante sentir. Como não desejava refletir o mundo como um espelho frio, disse: “É isso que me separa dos filósofos: sou um amante. Tenho um caso de amor com o universo…”. Para celebrar a vida é preciso esse namoro.


Repensar moldura significa não temer o mundo da sensibilidade. É preciso ousadia para chorar quando o riso se torna fácil e a alegria, banal. Na gargalhada dos medíocres, o pranto se torna virtude. Se galhofa expressar complacência, chegou a hora de lamentar. Compadecer, igual a sofrer com, precisa migrar dos imperativos e virar privilégio.


Repensar moldura significa manter acesa a flama da esperança e em tempos cínicos, sonhar. Esperança se define como a teimosia de plantar uma árvore mesmo se não há mais idade para descansar à sua sombra.


Repensar moldura significa aprender a disciplina da prece. É fazer da contemplação o alimento de uma fé que zomba do pessimismo, acredita em outro mundo possível, pisa os grilhões do destino e profetiza um porvir, em que justiça e paz se beijam.


Repensar moldura significa escolher estrada menos trilhada. Quando a multidão preferir os píncaros, descer aos vales. Se todos acharem que lodaçais crescem, sacudir a lama e alçar o voo das águias.


Repensar moldura significa não ter medo de andar para trás. É desprezar o progresso, achincalhar o sucesso, voltar à idade menina de falar na língua do “P”, apaixonar-se perdidamente, assombrar-se com a escuridão, ver o mundo grande, fechar os olhos ao grotesco e perceber anjos e fadas ao derredor.


Repensar moldura significa assumir-se. Canhotos não precisam envergonhar-se do canhotismo. Baixinhos não devem se sentir inadequados. Orientação sexual não define caráter. É revoltar-se com as etiquetas imbecis de uma cultura burguesa que parasitou em costumes franceses e, depois, emulou o pior dos Estados Unidos.


Repensar moldura significa desvencilhar-se de afirmações piegas, ridiculamente sentimentais. É preferir a franqueza áspera dos “sem-religião” ao invés da carolice desencarnada dos alienados e por fim, constatar que o ateísmo ético supera em muito a canalhice praticada em nome de Deus.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/repensar-moldura/
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O pecado do teísmo – Mas um deslize de Willian Lane Craig.



A verdade acerca dos absolutos divinos é um milagre que nem o dinheiro ou a epistemologia compram – É um mistério que, com o auxílio da dúvida e da fé, não só permite um entendimento evolutivo, mas com freqüência nos providência alcançá-lo em partes. Qualquer coisa além disso é tirania.


Claro, buscar o conhecimento é digno mas, por que precisamos sempre de pontes para alcançar o simbólico? De qualquer forma, o teologicamente correto é o novo coreto e, diante disso, o Cristianismo vai tomando bomba de graça sem precisão.


Está claro que a esperança não é lógica – mas uma participação que o indivíduo tem no próprio mistério de Deus. Felizmente ou não, mesmo diante de divinos mistérios, alguns arriscam-se em provar como funcionam os desígnios do Altíssimo. Ai o problema começa! Não foi à toa que Willian Lane Craig tomou mais uma de Dan Dannet – Um cientista cognitivo que, particularmente, vivo tentando contestá-lo.


O pessoal da rebeldia metafísica capturou o discurso do cientista filósofo, e disponibilizou para seus leitores. Li, gostei, e decidi disponibilizar aqui no blog – Mesmo discordando de algumas idéias do Dennet, prefiro dizer que está mais lúcido que Willian Lane Craig.


Para quem deseja uma boa leitura, eis ai o discurso do Dennet:



O que o professor Craig faz, brilhantemente e com um entusiasmo magnífico, é pegar nossas intuições ordinárias, de uso cotidiano _ nossos sentimentos viscerais sobre o que é plausível, o que é contraintuitivo, o que possivelmente poderia não ser verdade _ e as usa como suporte num território onde nunca foram testadas: na cosmologia, onde a verdade, seja ela o que for, é vertiginosa e alucinante; é uma verdade implausível, contraintuitiva, de cair o queixo, de uma forma ou de outra.
O falecido Philip Morrison foi quem salientou isso de maneira mais honesta espontânea: “Talvez estejamos sozinhos no Universo, talvez não exista vida inteligente em nenhum outro planeta do universo inteiro, ou talvez isto não seja verdade. Ambas as alternativas são estarrecedoras; a hipótese de que sejamos únicos é desconcertante, a possibilidade de que não sejamos também é. Então você não pode usar a vertiginosidade da resposta como seu teste decisivo. A verdade será surpreendente. E algumas de nossas verdades caseiras deverão ser descartadas. É o que já sabemos pela física quântica, é o que já sabemos por Einstein. Que alavanca epistêmica usaremos para desalojar algo que parece tão estrondosamente óbvio que somos quase automaticamente programados para usa-lo como premissa? Isso exige uma estrutura científica colossal, com argumentos matemáticos complexos a e um tipo delicioso de “conspiração” de evidências confirmatórias e finalmente as pessoas abanam a cabeça e dizem, ‘ok, por mais contraintuitivo que isto seja, teremos que aceita-lo.’”
Tal é a situação na mecânica quântica, como Richard Feynman, o último grande físico disse, e ele, mesmo sendo tão arrogante quanto um cientista jamais foi, admitiu: “Eu não entendo a mecânica quântica, ninguém entende a mecânica quântica, talvez ninguém seja capaz entender. Em tais circunstâncias, você simplesmente confia na teoria matemática que ainda não pode interpretar. Batalhas ferozes sobre como interpretar a mecânica quântica _ sem resultado definido. Mas, como Feynman salienta, a estrutura matemática _ que é, em certo sentido, uma ciaxa preta cujo interior desconhecemos _ ela produz resultados com uma precisão de tirar o fôlego. Sua comparação, que não sou capaz de citar com exatidão, diz algo como ser capaz de medir a distância entre São Francisco e Miami com uma margem de erro da magnitude da largura de um fio de cabelo. São previsões extraordinariamente precisas.
Estes são exemplos de evidências avassaladoras que podem solapar intuições cotidianas que a maioria pensa que “não poderiam possivelmente ser falsas.” Ahhhhh, mas acabam por ser falsas! E o que o professor Craig tem nos mostrado é como os argumentos se desenvolvem e como, se você começa com um punhado de premissas bastante plausíveis a princípio _ e em cada caso ele diz ‘Veja, esta é uma premissa bastante plausível, não vejo como isto pode ser falso…’ ‘Cara, isto é uma consequência das premissas…’ e ele prossegue e prossegue e por fim conclui _ até onde pude ver, não tenho o que objetar ao desenvolvimento implacável do raciocínio sobre as premissas mas ao fim obtemos conclusões notavelmente implausíveis. Agora, oficialmente, é claro que se você termina com uma conclusão contraditória ou autocontraditória, você tem um argumento do tipo reductio ad absurdum e algo tem que ser feito. Eu não posso assinalar uma reductio formal em qualquer coisa _ ao menos, não de improviso, e havia muita coisa acontecendo naquela conversa.
Mas posso assinalar algumas regiões suspeitas. Em primeiro lugar, quero abordar um dos temas que apareceram por último. Talvez eu trabalhe apenas este ponto e creio que será o suficiente. Suponhamos, a título de argumentação, que o argumento cosmológico (um dos argumentos cosmológicos que ele apresenta) seja favorável à conclusão de que a causa do universo seja um “seja lá o que for” atemporal, imutável, abstrato, imaterial. Neste ponto, não temos idéia do que possa ser. Mas o que quer que seja, é a causa do universo. Talvez seja a idéia de uma maçã. Talvez seja a raiz quadrada de 7. Mas não, Craig diz que não pode ser nada do tipo porque coisas abstratas não podem ser causa de nada.
Quem disse? Quem disse que coisas abstratas não podem ser causa de outras coisas? Meu exemplo favorito de uma coisa abstrata causando outras coisas é o princípio de triangulação que, quando você deseja evitar que algo assim ocorra com sua casa (imagino que aqui Dennett tenha exibido alguma imagem ou gesticulado), você coloca sobre ela uma peça triangular e a fixa e graças à rigidez dos triângulos você cria uma estrutura sólida. Isto parece causal. É maravilhoso o efeito do acréscimo da peça extra formando um triângulo e agora temos uma figura estável. Temos aqui a geometria euclidiana, um princípio abstrato, sendo invocado de uma maneira causal.
Mas vocês podem objetar: “Bem, não é realmente causalidade.” Ok, é algo como causalidade. E é claro, também já ouvimos o professor Craig dizendo que o nexo entre o Deus e a criação do universo não é realmente causal, porque não se trata de de causalidade material. Mas o que sabemos sobre causalidade imaterial? Nada. Absolutamente nada. Então estamos aqui apenas dando palpites e tentando adivinhar o que a causalidade imaterial pode ser. Nossas intuições não nos levam até esse domínio.
Agora, cosmologia contemporânea é um campo fascinante que, devo confessar, revolve completamente minha cabeça e eu não apostaria minhas fichas em nada nessa área. Fico feliz que o professor Craig tenha mencionado meu colega Alex Vilenkin, um cara inteligente, e eu gostaria de ser capaz de me aprofundar em todos estes temas com os quais ele lida. Gostaria que Alex estivesse aqui para dar seu parecer. Porque sei que Alex e Alan Guth e algumas destas outras pessoas tem um bocado a dizer e, lamentavelmente, seria altamente técnico e não acredito que eu ou vocês seríamos capazes de compreendê-los. Mas antes de mais nada, eles não estariam de acordo. Cosmologia contemporânea é um emaranhado maravilhoso. E aqueles de nós que não são físicos ou matemáticos terão que espiar por entre as frinchas em busca de lampejos e migalhas de compreensão.
A intrepidez com a qual o professor Craig se joga e escolhe de qual lado ficar é algo admirável. Eu não tenho sua coragem neste assunto. Mas voltemos à questão sobre esta divindade imutável. O problema com uma divindade imutável é que ela é imutável, está fora do tempo, não se incomode em orar para ela ou não espere no tempo que ele ouça suas orações e as atenda. Uma divindade imutável é uma divindade deísta, na melhor das hipóteses. E esta é a razão pela qual eu não penso que a maioria das pessoas no mundo que acredita em Deus precisa de qualquer coisa além de curiosidade passageira, ou um breve interesse, na batalha da cosmologia porque, ao final, isto não reflete uma resposta para sua curiosidade.
Agora, o professor Craig alega possuir alguns argumentos que apontam para um Deus pessoal. E uma das premissas diz que existem dois tipos de causalidade, a científica (física, materialista) e a pessoal. E eu afirmo que isto é uma absoluta falsidade. Dediquei boa parte de minha vida profissional a mostrar como a causalidade pessoal pode ser reduzida à causalidade física. E nesta questão eu seria capaz de fazer uma investida devastadora e virar o jogo contra ele, mas é uma longa história. Muitíssimo obrigado!”


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/04/o-pecado-do-teismo-mas-um-deslize-de-willian-lane-craig/
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Porque parti




Depois dos enxovalhos, decepções e constrangimentos, resolvi partir. Fiz consciente. Redigi um texto em que me despedia do convívio do Movimento Evangélico. Eu já não suportava o arrocho que segmentos impunham sobre mim. Tudo o que eu disse por alguns anos ficou sob suspeita. Eu precisava respirar. Sabedor de que não conseguiria satisfazer as expectativas dos guardiões do templo, pedi licença.


Depois de tantos escarros, renunciei. Notei que a instituição que me servia de referencial teológico vinha se transformando no sepulcro caiado descrito pelos Evangelhos. Restou-me dizer chega por não aguentar mais.


Eu havia expressado minha exaustão antes. O sistema religioso que me abrigou se esboroava. Notei que ele me levava junto. Falei de fadiga como denúncia. Alguns interpretaram como fraqueza. Se era fraqueza, foi proveitosa, pois despertava para uma realidade: o Movimento Evangélico vinha se transformando em cabide de oportunistas; permitindo que incompetentes, desajustados emocionais e – por que não dizer? – vigaristas, se escorassem nele.


Não há sentido em gastar os poucos dias que me sobram em remendar panos rotos. Para que continuar no mesmo arraial de pessoas que me desconsideram e que eu desconsidero? Deixei de tolerar os bons modos de moralistas (sexuais) que não se incomodam em transformar a casa de Deus em feira-livre.


Verdade, desisti. Desisti, porém, de apenas um segmento religioso. Que eu já não trato como lídimo representante do caminho do Nazareno. Larguei o esforço de recauchutar um movimento carcomido de farisaísmo.


Mas saio assustado. A fúria dos severos defensores da reta doutrina, confesso, me surpreendeu. Há alguns anos experimento o peso do rancor religioso. Nada mais perigoso do que um crente assustado; e nada que assuste mais um crente do que a transgressão da ortodoxia. Amigos me voltaram as costas. Estranhos se intrometeram em minha vida particular. Fui traído. Antigas invejas se fantasiaram de zelo pela verdade, e parceiros se transformaram em inimigos. Senti o escarro do desdém.


Embora tenha repetido, não me deram atenção. Eu nunca me atrevi solucionar os paradoxos filosóficos ou os mistérios teológicos que se arrastam há séculos. Não sou ingênuo: as Esfinges modernas, iguais às míticas, devoram o fígado de incautos que se imaginam donos da verdade.


Meu adeus foi ético. Passei a evitar a parceria de gente a quem eu jamais confiaria a carteira. Eu tinha que partir. Se critérios éticos não bastarem para definir o acampamento onde cravamos nossa tenda, há algo muito errado em nossa credibilidade. Nervoso com o carreirismo de gente que não hesita em vender a alma, preferi caminhar por outra estrada.


Rejeito a bitola que qualquer grupo - fundamentalista ou não – chancelou e recomendou. Não aceito que tradição, escola ou cânone, cerceiem a minha capacidade de arrazoar. Rechaço obediência servil. Odeio timidez intelectual. Aliás, a única chancelaria que admito é da consciência. Creio que posso ser movido pelo mesmo Espírito que inspirou, e capacitou, homens e mulheres no passado. Erros teológicos, enquanto não produzirem intolerância, ódio ou preconceito, tenho certeza, estão perdoados.


Quero reaprender a viver. Vou buscar a trilha onde menos homens e mulheres andam de dedo em riste. Anseio por fazer-me amigo de gente espirituosa, leve, risonha, que sabe desafogar a alma.


Por condescendência, alguém disse que não sou teólogo, apenas poeta. Apesar de não me achar digno de ser chamado poeta, sorri de felicidade. Que honra! Poetas não acendem fogueira. Tenho certeza que Miguel de Serveto gostaria de ver-se na companhia de trovadores.


Pretendo amar e apreciar, sem extravagância, as coisas mínimas: o tirocínio dos meninos, o desabrochar da paixão na menina em flor, a conversa de bons amigos. E no final do dia, ao rever as horas, saber celebrar a paixão de simplesmente existir.


Saio para instruir-me na adoração. Necessito transformar genuflexão em serviço. Quero descer do alto dos meus privilégios e estender a mão ao mortiço que jaz em alguma estrada poeirenta. Desisti de uma espiritualidade que se contenta em implorar favores à Divindade. Em minha partida, acalento o desejo de encarnar Deus. E assim dizer: não vivi em vão.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/estudos/porque-parti/

quinta-feira, 26 de abril de 2012

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Deus Sempre Faz a “Coisa Mais Sábia”?



Roger E. Olson





Muitos (não todos) calvinistas argumentam que o livre-arbítrio libertário, ou poder de escolha contrária, é um conceito incoerente (p. e., Jonathan Edwards, Loraine Boettner, R. C. Sproul, John Frame, John Piper e outros). A razão é, eles argumentam, que ele equivale a crer em efeitos não causados. Eles argumentam que pessoas agem de acordo com seu motivo mais forte.

O que eu frequentemente me pergunto é se os calvinistas que argumentam assim creem que Deus tem poder de escolha contrária. Se Deus tem poder de escolha contrária, então não pode ser um conceito exatamente incoerente. Mas dizer que Deus NÃO tem poder de escolha contrária parece tornar Deus prisioneiro da criação. Sem poder de escolha contrária, a decisão de Deus de criar seria necessária e isso tornaria a criação menos do que graciosa e, de fato, uma parte da própria vida de Deus – não um ato livre como se Deus pudesse ter feito de outra forma.

A maneira que Jonathan Edwards tentou se esquivar disto em The Freedom of the Will foi dizer que Deus sempre faz a coisa mais sábia. Calvinistas contemporâneos que o seguem de perto concordam. Em outras palavras, de acordo com Edwards, Deus poderia ter feito outra coisa além de criar o mundo, mas ele criou o mundo porque era o “mais adequado” a fazer.

Minha pergunta é como isto contorna o problema. Para mim, parece como uma evasiva; isto é, parece tentar responder o desafio sem respondê-lo. Parece como dizer, ambos ao mesmo tempo, que Deus poderia não ter criado e que Deus não poderia não ter criado.

A pergunta é simplesmente esta: É logicamente concebível que Deus pudesse não ter criado o mundo? É concebível que Deus pudesse ter decidido contra esta ou qualquer criação?

A resposta de Edwards parece dizer sim e não ao mesmo tempo. Isto vai contra as leis da lógica, A NÃO SER que ele possa explicar como o “sim” e o “não” se referem a coisas diferentes. Mas em sua explicação, eles não se referem.

A pergunta é: Deus é prisioneiro de sua própria sabedoria (ou de qualquer coisa)? Eu anteriormente discuti aqui a questão do nominalismo/voluntarismo versus o realismo – isto é, se Deus tem uma natureza. Mas até mesmo os realistas mais estritos não creem que Deus é prisioneiro de seu caráter eterno. Antes, seu caráter eterno guia suas decisões; ele não necessariamente as governa.

SE alguém diz que Deus “sempre faz a coisa mais sábia” COM A SUPOSIÇÃO de que há sempre somente UMA “coisa mais sábia”, então como alguém não está tornando a criação necessária e, portanto, não graciosa? (Um princípio básico da teologia é que o que é por natureza não pode ser por graça. Se eu TENHO que resgatar você, não é um ato de misericórdia ou graça.)

Por que supor que há sempre somente UMA “coisa sábia” a ser feita – até mesmo para Deus? Por que não poderia ter sido sábio criar, mas também sábio não criar? Obviamente, como qualquer racionalista irá querer saber, então por que Deus criou? Isto foi simplesmente uma escolha arbitrária – como lançar dados?

Aqui eu sou tentado a devolver ao calvinista seu próprio argumento que a escolha de Deus de alguns para salvar e de outros para condenar não é arbitrária sem qualquer palpite do que poderia explicá-la. Em outras palavras, se é justo ao calvinista argumentar que a seleção divina não é baseada em algo que Deus “vê” nos eleitos ou nos condenados (que os diferencia) e todavia não é arbitrária, por que a pessoa que crê no poder de escolha contrária de Deus não poderia argumentar que a escolha de Deus para criar não é arbitrária, ainda que não possa ser dada nenhuma razão específica para ela?

Entretanto, eu prefiro argumentar que para Deus, como para nós, há momentos em que duas opções alternativas são igualmente sábias e nenhum fator controlador, determinante, interior (tal como motivo) ou de outra forma determina que opção alguém deve escolher ser correta.

Por exemplo, alguns casais enfrentam a escolha de se ou não ter um filho. Conheço casais assim. Eles lutaram com a decisão, pensaram nela longa e e dificultosamente, e eles nunca realmente chegaram a uma razão determinativa para ter ou não ter um filho. Alguns desses casais decidem ter um filho, o que é sábio, e alguns decidem não ter, o que pode também ser sábio.

Me parece que dizer “Deus sempre faz a coisa mais sábia”, com isso querendo dizer que Deus deve fazer assim e assado (p. e., criar o mundo), é o mesmo que dizer que Deus é uma máquina e que a criação e a redenção do mundo não são por graça, mas por natureza. Somente se Deus realmente poderia ter feito diferentemente do que criar é que a criação pode ser por graça somente. A graça não pode ser compelida e ainda ser graça.

A conclusão é, obviamente, que SE a criação e a redenção do mundo por Deus é verdadeiramente graciosa e não automática, então Deus deve possuir livre-arbítrio libertário ou poder de escolha contrária. E se Deus possui, ele não pode ser um conceito incoerente.

Agora, é outra coisa completamente diferente argumentar que Deus possui poder de escolha contrária, mas os humanos não possuem. Esse é um argumento diferente. A resposta natural é “Por quê?” Se Deus o possui, por que ele não poderia dá-lo aos humanos? Não parece haver nada com o poder de escolha contrária que exige deidade. Não é como a onipotência, por exemplo.

Penso que Edwards ladeou a questão e da mesma forma fazem seus seguidores que repetem seu argumento de uma forma ou de outra. Dizer “Deus sempre faz a coisa mais sábia” é ou sugerir que Deus é um autômato, sendo que nesse caso a criação e a redenção são automáticas e não graciosas, ou sugerir que Deus PODERIA fazer aquilo que é algo diferente do que “a coisa mais sábia”.

Eu rejeito a noção que “Deus sempre faz a coisa mais sábia”, não porque eu penso que Deus é algo menos do que absolutamente sábio, mas porque eu não creio que sempre há somente uma “coisa mais sábia” em toda situação de escolha entre opções. Para evitar tornar a criação e a redenção diferentes de graciosas, nós temos que supor que Deus realmente poderia ter escolhido não criar. Dizer “Deus sempre faz a coisa mais sábia” é sugerir que Deus realmente não poderia ter feito de outra forma.

Dessa forma, o argumento calvinista de que o livre-arbítrio libertário, poder de escolha contrária, é um conceito incoerente cai sobre sua própria espada, A NÃO SER QUE o calvinista esteja disposto a tornar Deus prisioneiro de sua sabedoria, isto é, de sua natureza, de tal forma que a criação e a redenção não são graciosas.

Tradução: Paulo Cesar Antunes









quinta-feira, 19 de abril de 2012

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Religião, culpa e outras coisas





Transgredir normas e regras
é a verdadeira expressão da liberdade
e somente os fortes
são capazes desta ousadia.
Mirilena Chaui, em Convite a filosofia.

 
Não acredito em instituições, mas, sobretudo, creio piamente naquilo que Deus institui. Ora, para o Nazareno, a Igreja nunca esteve limitada a algum tipo de espaço geográfico, porém, onde estivesse dois ou três em nome dele, ali ele estaria também. E esse ali, não se resume neste ou naquele monte, nem neste ou naquela catedral especifica, pois, o que Deus institui, ele estabelece na alma, no coração, simplesmente por que o seu Reino não vem com visível aparência. Unicamente por que o seu Império não é comida e nem bebida.

 
A deficiência das instituições é simplesmente por que elas são instituições, e sendo assim, todas elas ambicionam petrificar algo que deveria fluir como um rio. O Novo Testamento não nos dá base para criar algo permanente no âmbito exterior da nossa existência, pois tudo passa por um processo de mudança nesse mundo, e nesse procedimento, o Espírito trabalha como uma força criativa e dinâmica de vida, diferente da instituição, que em nossa pretensão de perpetuar algo bom, criamos um ambiente destrutivo, rígido e ortodoxo.

 
A igreja tem que (e vai) morrer, pois a Bíblia nos revela esse processo, a história nos mostra esse desenvolvimento. “Se o grão de trigo caindo na terra não morrer ele ficará só, mas se ele morrer dará muito fruto”. Muita energia já foi e está sendo gasta para eternizar o “grão de trigo”, ora, um elemento com vida cíclica não pode ser perpetuado. Nosso compromisso é com o nosso tempo, com os nossos dias. Paulo afirma que “Davi serviu a sua própria geração, segundo a vontade de Deus”, ou seja, sua genealogia foi perpetuada, mas não as diretrizes seu reino. Vemos que muitas coisas do reinado de Davi foram ignoradas no reinado de Salomão. No Reino inaugurado pela vinda de Cristo também foram rejeitadas várias (se não todas) normas de procedimentos tidas como honrosas do reino de Salomão.

 
O Evangelho tem um caráter puramente subversivo em relação ao modo institucional da igreja. Jesus derruba todos os lugares-comuns de lideranças hierárquicas, já que para o mestre Nazareno “as autoridades são postas para manter domínio”,porém, entre seus discípulos “não será assim, o maior é aquele que mais serve”.Estamos diante de igrejas que querem ser servidas, sem contar nas megalomanias de seus lideres. Cristo nos instiga a ser livres diante da vida e da existência, todavia, a igreja exclui a liberdade, a poesia e a beleza, e o que resta é uma lista com tamanha caduquice, cheia de horários para cumprir, abarrotadas de responsabilidades desinteressantes e cansativas, que na verdade– pasmem – não serve pra nada.

 
É sempre interessante e sucinto que a igreja use como lubrificante social variadas regras e proibições, e nesse caso é realmente espantoso conceber a liberdade que Cristo nos outorgou. Jesus evitou por completo as armadilhas religiosas e, portanto rasa, de proibição e recompensa. Não gastou um minuto da sua vida ventilando teologia ou reduzindo a ética a uma resposta “sim ou não”para um problema complicado. Era contando historias que ele revelava e apontava o seu Reino. Os ideais de Jesus eram tão ambiciosos que ele não só oferecia liberdade, mas também emancipação e autonomia de escolhas e decisões para cada um de nós: “por que vocês não decidem por si mesmos o que é certo?” pergunta Jesus (Lucas 12:57).

 
Nenhum autor do Novo Testamento entendeu melhor essa afirmação do que o apóstolo Paulo: “Tudo é puro para os que são puros; mas nada é puro para os impuros”(Tito 1.15), “Por estar unido com o Senhor Jesus, eu estou convencido de que nada é impuro em si mesmo” (Romanos 14.14), “Felizes as pessoas que não se condenam naquilo que aprovam (Romanos 14.23)”. Nenhuma instituição estabelecida nesse planeta entendeu de fato essas declarações. Elas foram ignoradas sem nenhum peso na consciência ao largo de dois mil anos. E contundentemente Paulo continua:

 
“Portanto, que ninguém faça para vocês leis sobre o que devem comer ou beber, ou sobre os dias santos, Festa da Lua Nova, e o sábado. Tudo isso é apenas uma sombra daquilo que virá; a realidade é Cristo. [...] Vocês morreram com Cristo e por isso estão livres. Então, por que é que vocês estão vivendo como se fossem deste mundo? Não obedeçam mais a regras como estas: “Não toque nesta coisa”,“não prove aquela”, “não pegue naquela”. Todas essas proibições hão de perecer pelo uso. São apenas regras e ensinamentos que as pessoas inventam. De fato, essas regras parecem ser sábias, ao exigirem culto voluntário, falsa humildade e um modo duro de tratar o corpo. Mas tudo isso não tem nenhum valor para controlar as paixões da carne” (Colossenses 2.16-23).

 
O que Paulo está fazendo é lutando efetivamente contra a institucionalização do Evangelho, contra o “trafico da religião” que é o negócio mais rentável do mundo, estando na frente do álcool, da maconha e da cocaína, por exemplo. Isso por que as instituições trabalham com o débito, com o medo e com a culpa. Com a ausência de débitos as instituições não tem como sobreviver. A moral inventada pelas religiões nos deixa em dívida invariavelmente com Deus, ou com as instituições que o representa aqui, pois, transgredimos essa moral constantemente. E isso nos leva a culpa, e a culpa nos leva a vontade de se purificar – o principal motivo que levou ao surgimento da moral religiosa. Por isso, as autoridades religiosas, ou a própria religião é (aparentemente) uma autoridade superior à qual se obedece, não porque ordene o que é “melhor”, mas simplesmente porque ordena, e questioná-la já é uma imoralidade. É o medo perante essa“inteligência” superior que ordena, que nos leva a agir de cabeça baixa sem o menor senso crítico.

 
Jesus de Nazaré desmantela todos esses trâmites nos absorvendo incondicionalmente, de forma totalmente integral e – por incrível que pareça – gratuito. Todos esses padrões de débito, culpa e medo é naufragado no mar da Graça. O anúncio de Jesus em relação à disponibilidade de absorção universal de medo e culpas desfere pancadas não só a instituições religiosas, mas também a qualquer sistema politico ou econômico estabelecido.

 
Agora entenda uma coisa; você não deve mais nada, tudo já foi pago. Esqueça os ritos, os dogmas, as proibições, as regras, as campanhas, as recompensas, os castigos e todas as ilusões que essas coisas trazem – ou seja, a dívida, a culpa e o medo.

 
Consegue viver com tamanha liberdade distraído leitor?

 
©2012 Lindiberg de Oliveira
 
 
 
 
 
 
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Dízimos e Ofertas

1. O Assunto

 
Poucos assuntos estão tão desgastados no contexto eclesiástico como “dízimos e ofertas”. O legalismo de um lado e o mau caratismo de outro não ajudam em nada a conversarmos sobre esse tema. No meio dos dois grupos fica uma gente que fala cada vez menos sobre “dízimos e ofertas”, porque não quer ser identificada com os legalistas, nem com os aproveitadores.

 
Há um trauma em relação ao tema, já que existe quem lide com a questão das contribuições da maneira mais irresponsável e demoníaca possível, desgastando o assunto e fazendo com que dízimo seja sinônimo de caça-níquel, igreja como sinônimo de cassino, pastor como sinônimo de malandro e crente como sinônimo de bobão. Dezenas de perguntas, por isso, são feitas, na tentativa de se entender e justificar essa prática comum à tradição judaico-cristã.


2. O Antigo Testamento

 
Que o Antigo Testamento trata claramente sobre o assunto, é ponto pouco controverso. Antes da lei de Moisés, Caim e Abel apresentaram suas ofertas ao Senhor, e Abraão deu o dízimo dos espólios a Melquisedeque, depois de vencer a luta contra os reis de Sodoma e Gomorra. Depois da constituição de Israel como nação, o dízimo foi estabelecido como obrigatoriedade ao povo de Deus. O sustento da tribo de Levi, sem terra na divisão de Canaã pelas tribos, a manutenção da atividades religiosas, o auxílio ao pobre, à viúva e ao estrangeiro eram mantidos pelos dízimos do povo.


3. O Novo Testamento

 
Contudo, e no que concerne ao Novo Testamento? Estavam os gentios convertidos a Cristo obrigados a cumprir a lei de Moisés? Fazia, o dízimo, parte da prática da comunidade dos discípulos de Jesus?

 
Quando o Mestre tratou o assunto nos evangelhos, o fez levando seus ouvintes a perceberem que o dízimo não poderia ser encarado como instrumento de compensação. Os fariseus davam o dízimo de tudo, mas negligenciavam a prática da justiça e da misericórdia. A estes, o Mestre disse: bom seria se vocês fizessem ambos; dessem o dízimo e praticassem a justiça e a misericórdia.

 
As epístolas, especialmente as paulinas, lançam ainda mais luz sobre a compreensão do assunto. Aos coríntios, Paulo apresentou generosidade, gratidão, disposição, alegria e justiça como princípios estimuladores para a contribuição. Não houve estipulação de valor ou porcentagem. Os romanos, os gálatas, Timóteo e os leitores de João também foram estimulados à generosidade e liberalidade na contribuição. "Cada um contribua segundo tiver proposto no coração", é o famoso conselho do apóstolo Paulo em 2 Coríntios, e o espírito do evangelho no tocante ao assunto.



4. As Reações

 
Diversas são as reações quando se pensa no assunto nesses termos. Uns recebem a notícia com bons olhos - não por convicção, mas por pensarem no "benefício" de não precisarem dar 10% da renda para a igreja. Outros temem, por acharem que isso afetará a previsão orçamentária da comunidade local, e que já que o Novo Testamento não estabelece uma regra (e nós odiamos viver sem elas), 10% é um valor razoável para se tomar como padrão de contribução.

 
Ambas as visões são reflexo da mesquinharia do nosso coração. Saber que o Novo Testamento não estipula porcentagem fixa para a contribuição faz o sujeito pensar [e celebrar] que, então, ele não precisa contribuir com 10%. Todavia, quem vê a não estipulação como atenuante de responsabilidade não compreendeu o espírito do evangelho de Cristo. Porque a não fixação em 10% não significa apenas que o sujeito pode contribuir com 1% ou 9%, mas também que, se ele tem disponibilidade, maturidade, alegria e liberalidade para contribuir com 30%, 50% ou 90%, assim também o pode fazer.



5. Os Cuidados

 
Há alguns cuidados a serem tomados, quando se pensa em dízimos e ofertas:


(5.1) Dízimos e ofertas não são pedágio de alienação – Quem dá 10% para fazer com os 90% restantes o que quiser nunca entendeu nada de contribuição na lógica do evangelho de Cristo. Não é uma taxa de alienação, onde você dá a décima parte para Deus administrar e exige que ele não se meta na administração dos 90% restantes. Tampouco é um carnê que faz compensar a obrigatoriedade religiosa, e libera o indivíduo do compromisso de acudir o necessitado - como se a cota de generosidade dele já tivesse sido cumprida com o recurso "destinado ao reino de Deus".

 
(5.2) Dízimos e ofertas não são instrumento de barganha – Quem dá como fórmula para receber, possivelmente está alimentando sua ganância e servindo a Mamon. E quem pensa que, porque não contribuiu, Deus não abençoará em retaliação não entendeu o evangelho da graça. Deus nunca trabalhou e nunca trabalhará com barganha.

 
(5.3) Dízimos e ofertas não são práticas obrigatórias – o que não faz delas práticas dispensáveis – Não se dizima nem se oferta por obrigação, mas por alegria, gratidão, generosidade e justiça. Quem pergunta quanto tem que dar não entendeu, ainda, a liberdade que advém do evangelho de Jesus. Contudo, a não obrigatoriedade não dispensa pertinência da prática. A maturidade cristã faz com que o sujeito, mesmo sem que haja sobre ele uma taxação pré-fixada e específica, tenha prazer em contribuir, e contribuir cada vez mais. Sua consciência diante da compreensão do evangelho fará com que ele durma todas as noites tranquilo porque, dentro de suas possibilidades e ciente das necessidades alheias, ele deu não tudo o que tinha, mas tudo o que podia e entendeu que devia.



6. Palavras Finais


              Encerro o texto sem a menor pretensão de esgotar o assunto. Na verdade, trata-se apenas de uma pincelada de tão complexa discussão. Sabedor de que "tudo é impuro para os impuros", um discurso como esse pode ser a carta de alforria para quem quer justificativa para se livrar do peso de ver 10% sairem do seu orçamento para cumprir preceito religioso. Pois que seja! Quem vê contribuição como peso não é digno de colaborar com causa tão nobre como a do evangelho de Cristo.

 
Mas como também sei que "tudo é puro para o puro", um discurso como esse pode ser ratificador do livre e maduro espírito do evangelho de Jesus. Quem de fato nasceu do Espírito sabe de suas responsabilidades para com a busca pela justiça e dá 8%, 10% ou 90% sabendo que, se pudesse, contribuiria ainda mais pelo privilégio de ver o reino de Deus estabelecido a partir da igreja, na sociedade e nos mais longínquos rincões do mundo.
 
 
Por Daniel Guanaes
 
 
 
 
 
 
 
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Libelo – Vinicius de Moraes





De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar – e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar? E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito…


De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra — um pedaço bem verde de terra — e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar ? E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar…


De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar — basta olhar — um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar ? E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo ?


De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? Enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo ?


Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher – as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo …


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/perolas/libelo-vinicius-de-moraes/
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“Abaixo os liberais! Abaixo os liberais!”

1. 99% dos líderes de comunidades cristãs que classificam seus “adversários” como “liberais” não têm a mínima ideia do que estão falando. Não, não estou me referindo ao fato de que a palavra “liberal” tem sentido político, filosófico, teológico, e que precisa, então, de definição. Mesmo se o termo for aplicado apenas em seu sentido teológico, a maioria esmagadora, assim, de 99 x 1, não tem a mínima ideia do que é “liberalismo” teológico. Mas enchem a boca! Chegam a salivar.


2. Passaram os últimos 20 anos – os últimos 20 anos! – atacando um fantasma que não conhecem, de que têm medo e horror, pavor pessoal, porque suas próprias teologias não aguentavam o banco do seminário, eles mesmos quase se desmancharam, e, de certo modo, transferem para seus liderados seu terror. 20 anos gritando “liberalismo!”, “liberalismo”, “abaixo o liberalismo”…


3. Aí, duas coisas.


4. Primeiro, quando você ensina aos liderados desses arautos do fantasmagórico o que é liberalismo, eles não entendem por que cargas d’água tanto ativismo contra-liberal, se, no fundo, todos os evangélicos – inclusive seus líderes mais açodados – são 50% autênticos liberais… [Mas depois entendem...]…


5. Segundo, enquanto gritavam “liberalismo!”, “liberalismo!”, alertando contra ectoplasmas de espelho, os cavaleiros da grande ordem neo-evangélica vieram e engoliram tudo, comeram tudo, de sorte que as igrejas tradicionais todas, lentamente, se vão tornando mímicas sem-graça daquelas catedrais de fogo e exorcismo… Todas é exagero: quase todas – sobrarão algumas, no final…


6. É a maior ironia dos últimos anos, das últimas décadas: os líderes evangélicos erraram em todas as leituras que fizeram – naturalmente que me refiro aos tradicionais. O diabo que pintaram não existe: não há liberais no Brasil, lamentavelmente, se com liberais nos referirmos a um começo de lucidez teológica, conquanto todos sejam liberais no campo da legitimação da fé por meio da experiência pessoal e subjetiva.


7. Erraram na avaliação – julgando que o inimigo estava fora dos muros, nos seminários “liberais”, no outro lado do mundo… Nada, estava nos bancos de seus templos, nutrindo-se do espírito e do carisma, do fogo e da cura, da alma neoliberal e pós-moderna, da mente esturricada e acrítica, da alma acéfala e abléfara, do sentido de cultura e da boca escancarada e cheia de dentes que caracteriza o pathos cristão: tomar o mundo à força do Espírito…


8. Abriram-se as catedrais da fé, elegeram-se os donos dos rebanhos midiáticos, e a pastoral tradicional, apavorada contra o imaginário liberalismo, será que se deu conta de que estava cega?, o tempo todo cega? Será que se deu conta de que crescia um tumor dentro dos salões da fé, um tumor que cresce, agora, descontroladamente, e só Deus sabe em que vai dar?


9. Eu ligo a TV, não importa o canal, e assisto ao espetáculo dantesco – perdão, Dante! – da fé pornograficamente exposta, e, juro, quase morro de rir, e morreria, não fosse caso grave, lembrando dos Dom Quixotes da fé a bradar contra os moinhos liberais, quando o dragão os comia a carne devagarinho, em cada sermão dominical, a cada domingo, sem que se dessem conta… [era um caso de igrejas, mas já se torna um caso de República...]…


10. Tristes dias para a fé. Tristes… Mas, cá entre nós, desde o início o ovo já estava no ninho…


11. Não chega a ser tão terrível quanto a Inquisição, é verdade. Mas o espetáculo circense é o mesmo – e meu medo é que ele esteja apenas ensaiando na ante-sala de uma nova Idade Média…


12. Liberalismo, quiá, quiá, quiá, quiá, quiá…


13. Se acham…


Osvaldo Luiz Ribeiro*


*Osvaldo Luiz Ribeiro é um dos autores do www.peroratio.blogspot.com.br , que recomendo com todas as forças!


Vi no http://www.crerepensar.com.br/abaixo-os-liberais-abaixo-os-liberais/
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Pequenos desabafos…

Não aguento mais ter que encher um texto de versículos só para provar que ele é “bíblico”…


Não aguento mais gente que não lê um texto ou um livro e quer criticá-lo…


Não aguento mais gente que diz: “Eu sei que é assim, mas não posso dizer isso, se não a comunidade não vai aguentar…”


Não aguento mais ler blogs “apologéticos” que mais se parecem com uma revista de fofocas gospel…


Não aguento mais ver gente criticando “posturas teológicas” sem ter o mínimo conhecimento de teologia…


Não aguento mais e-mails e comentários críticos que recebo, que não passariam pela revisão de português da primeira série do ensino fundamental…


Não aguento mais a interpretação literalista de textos como Gênesis de 1 a 11 e de ser chamado de liberal por gente que crê na serpente que fala…


Não aguento mais congressos/acampamentos cujo tema é “santidade” (leia-se “não transar”, “não beber”, “não fumar”, etc)…


Não aguento mais pregar em eventos onde as “questões fundamentais” são “crente pode ouvir música do mundo?” “crente pode sair pra dançar?”…


Não aguento mais chavões evangélicos do tipo “vai dar tudo certo em nome de Jesus”…


Não aguento mais músicas “evangélicas” feitas “em série” e com fórmulas prontas para “venderem muito”…


E em certos momentos, confesso, nem eu me aguento com tanta coisa…


José Barbosa Junior


Vi no http://www.crerepensar.com.br/pequenos-desabafos/

sexta-feira, 13 de abril de 2012

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O AMOR QUE RESSUSCITA!

Falar que a ressurreição de Jesus demonstra o seu poder sobre a morte é lugar comum! É óbvio e até mais fácil falar. Mas existem algumas sutilezas no episódio que me surpreendem.


Jesus não usou a ressurreição como espetáculo para conseguir adeptos. Ele poderia ter se ocupado na implantação em massa do seu reino. O Jesus ressurreto iria ganhar o mundo. Mas não! Quando ressuscita, Jesus aparece a alguns amigos em suas casas, na praia, no jardim, na estrada para Emaús. Curioso isso! Jesus não aparece na praça ou na sinagoga. Para alguns televangelistas, Jesus perdeu A oportunidade de ganhar a guerra entre as religiões! Mas o Jesus ressurreto não quer ser sensacionalista, não quer usar a ressurreição como argumento incontestável e irresistível.

O Jesus ressurreto não está preocupado com uma agenda para ganhar o mundo, ele está interessado no indivíduo, mesmo que isso lhe custe o anúncio que sua ressurreição foi uma fraude. Jesus não estava preocupado se as pessoas iriam crer que ele ressuscitou ou não. Se fosse assim, ele teria tido alguns cuidados! Mesmo que isso favoreça o anúncio dos soldados de que seu corpo havia sido roubado, não interessa: Jesus ressuscita para cuidar dos seus amigos. E a partir de então, o anúncio da ressurreição vai depender do testemunho desses anônimos. Arriscado!

Penso que uma grande marca que ficou no coração daqueles discípulos não foi “como ele é poderoso!”, mas “como ele nos ama!”. Quando o Jesus ressurreto escolhe aparecer aos amigos, ao invés de se manifestar ao mundo, Jesus ressuscita os sonhos dos discípulos, ressuscita a esperança, ressuscita a fé, ressuscita a dignidade e a estima.

Em toda a sua vida Jesus foi discreto; do nascimento à entrada triunfal; nas suas curas e milagres, da morte à ressurreição. “Mesmo sendo Deus, não teve por usurpação o ser igual a Deus, mas antes se esvaziou de si mesmo” (Filpenses 2). Em nenhum momento Jesus foi movido por poder, mas sempre por amor.

E sua biografia termina assim: Jesus ressuscita para amar, e esse amor pode ressuscitar aquilo que está mais adormecido em nós!

Naquele que amou até o fim,

Márcio Cardoso


Vi no http://marciocardosobr.blogspot.com.br/2012/04/o-amor-que-ressuscita.html