sábado, 21 de janeiro de 2012

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A diferença entre Graça e Misericórdia



Por Hermes C. Fernandes




“Cheguemo-nos, pois, com confiança ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e achemos graça, a fim de sermos socorridos no momento oportuno.” Hebreus 4:16

Apesar de muitos entenderem os termos ‘graça’ e ‘misericórdia’ como sinônimos, eles possuem significados bem distintos. Ambas são encontradas no mesmo endereço: o trono da graça. Ora, se o trono é da graça, concluímos que esta tenha primazia sobre a misericórdia. Porém, para achar a graça, primeiro tem-se que obter a misercórdia. É como um protocolo. Para chegar ao rei (graça), é necessário agendar antes uma audiência com o Primeiro Ministro (misericórdia).

Este trono tem como base a retidão e a justiça (Sl.97:2), e é sustentado pelo AMOR (Pv.20:28). Ora, o trono nada mais é que uma cadeira ornamentada, ocupada por um monarca. Como tal, possui quatro pés que devem ter o mesmo tamanho e a mesma distância entre si, estando perfeitamente alinhados. Estes quatro pés são responsáveis por manter a estabilidade do trono. Eles são a representação do AMOR em suas quatro dimensões: agape, filos, eros e storge. Nenhum pé pode ser maior que o outro. O fato de serem do mesmo tamanho aponta para a justiça, e o seu alinhamento representa a retidão. Ele só é um trono de graça por ser sustentado pelo amor. Sem amor, o trono que rege o Universo precisaria de um calço, ou ficaria condenado à instabilidade para sempre.

Deixe-me explanar um pouco sobre a misericórdia: A palavra em latim é ‘misericordis’, que é a juntão de duas outras palavras, miseri (miséria) e cordis (coração). Ter misericórdia é acolher em nosso coração alguém desprovido de qualquer recurso meritório. É pela misericórdia que Deus nos acolhe em Sua presença, apesar de não merecermos.

Deus é santo, enquanto nós, pecadores. Santidade e pecado são como água e óleo, não se misturam. Se a justiça fosse o único atributo divino, estaríamos todos condenados a passar a eternidade alienados de Deus. Qualquer esforço nosso para reverter isso seria em vão. Porém Ele tomou a iniciativa, vindo ao nosso encontro, mergulhando de cabeça em nosso mundo, fazendo-Se pecado por nós. Zacarias, o pai de João Batista, expressa isso em sua canção, afirmando que foi “por causa da entranhável misericórdia do nosso Deus”, que o sol nascente das alturas nos visitou, “para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir os nossos pés pelo caminho da paz” (Lc.1:78-79).

A mãe hospeda seu filho em seu ventre por nove meses e sente terríveis dores para trazê-lo ao mundo. Isto é misericórdia. No início da gestação, a criança é tida como um corpo estranho dentro de sua mãe. O corpo da mãe tenta rejeitá-lo. Mas gradualmente, o corpo dela vai se ajustando, e acolhendo o pequeno corpo em formação.

Uma vez nascido, ela o amamenta, cuida, educa e lhe enche de amor. Isto é a graça!

Seu ventre é um lugar de misericórdia. Mas seus braços e seios são lugares de graça. Percebe a diferença?

Ouça o que Deus diz:

“Pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de modo que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse, eu, todavia, não me esquecerei de ti.” Isaías 49:15

Ele não pode nos esquecer! Estamos gravados nas palmas de Suas mãos!

Pela misericórdia, Ele nos aceita em Sua presença. Mas pela graça, Ele nos deseja.

Sua misericórdia nos salva de Sua justa ira. Sua graça nos faz objeto de Seu amor.

Lembra da parábola do filho pródigo? Quando o pai recebe seu filho de braços abertos, sem acusá-lo de nada, isto é misericórdia. Mas quando o pai prepara uma festa para celebrar seu retorno, isto é graça. Tal qual o pródigo da parábola, todos disperdiçamos o maior de todos os dons: a vida. Por isso, todos igualmente contraímos uma dívida com o Criador. É a isso que chamamos de pecado. Jamais poderíamos pagar tal dívida. Mas Deus pagou-a ao enviar-nos Seu único Filho para morrer em nosso lugar. Isto é misericórdia. Nosso débito foi quitado.

Mas Ele fez mais: em adição ao pagamento de nossa dívida, Ele depositou uma vasta quantia em nossa conta. Saímos de uma situação de débito para uma situação de crédito.

Ele não apenas nos libertou do inferno, como também nos garantiu o céu.

Misericórdia é não dar-nos o que de fato merecemos. Graça é dar-nos exatamente o que não merecemos. O que merecemos da parte de Deus? Vida ou morte? Bênção ou maldição? Ora, se somos pecadores, merecemos a morte. Mas a misericórdia prevalece sobre o juízo. Em vez de ira, recebemos Seu amor. Em vez de morte, vida eterna.

A mesma graça deve ser nossa motivação para servi-Lo. Não fazemos o bem com a intenção de tornar-nos merecedores de Suas bênçãos. O bem que fazemos deve ter a intenção de demonstar nossa gratidão por tudo o que Ele fez por nós. Isso é graça! Nós não queremos impressioná-Lo, ou pressioná-Lo a realizar nossos desejos. Não! O que almejamos é agradá-Lo em tudo, simplesmente por amá-Lo. E por que O amamos? Porque Ele nos amou primeiro.

Se antes tínhamos uma dívida de pecado, agora temos uma dívida de gratidão.

Por causa de Sua misericórdia, estamos vivos.

Em Lamentações 3:22-23, Jeremias diz:

“As misericórdia do Senhor são a causa de não sermos consumidos, pois as suas misericórdias não têm fim. Nova são a cada manhã; grande é a tua fidelidade.”

Nossa vida está sempre por um fio! O fio da misericórdia divina. Ela é quem dá corda no relógio de nosso coração dia após dia. Cada vez que acordamos, devemos agradecer porque nosso contrato com a vida foi renovado, tendo como fiador a misericórdia.

Mas a graça vai além disso. Se por causa da misericórdia, estamos vivos, por causa da Sua graça nossa vida tem propósito.

Agora, o escritor sagrado nos convida a dirigir-nos ao trono da graça com confiança. Não auto-confiança. Mas confiantes em Sua misericórdia e graça. E o fazemos seguros de que seremos socorridos em tempo oportuno. Se Ele foi capaz de dar-nos Seu único Filho, de que mais Ele seria incapaz de dar àqueles que n’Ele confiam?
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Por que os enganadores prosperam?





Por Hermes C. Fernandes



Chega! Resolvi botar a boca no trombone! Chega de tentar tapar o sol com a peneira. A verdade tem que ser dita, doa a quem doer.


Por que os falsos prosperam? Por que os mentirosos se gabam de suas conquistas? Onde está Deus que não faz cair um raio na cabeça desses miseráveis?


Haveria algum propósito nisso? E quanto às milhares de vítimas desses charlatões?


Que unção seria esta que atrai tanta gente? Por que Deus os permite crescer tanto? Por que temos que suportá-los enquanto se esnobam em suas aquisições?


Convido-os à uma breve incursão nas Escrituras em busca de respostas para tais questões.


Paulo diz que havia tempo em que as pessoas não suportariam a sã doutrina, mas "tendo coceira nos ouvidos", se cercariam de mestres "segundo as suas cobiças" (2 Tm.4:3).


Eis o pulo do gato desses obreiros da iniquidade! Eles dizem o que o povão quer ouvir. Por isso atraem tanta gente.


O que as pessoas querem ouvir hoje em dia? Garanto que não estão interessadas em assuntos como arrependimento, santificação, renúncia, cruz, dar a outra face, caminhar a segunda milha. Não! Elas querem é restituição, arrepio, emocionalismo barato, conquista, prosperidade.


Quem quer que diga o que elas almejam ouvir, certamente obterá sucesso em seu ministério.


E mais: querem sair dos cultos com seu ego massageado. Buscam pastores que os acaricie com bajulações, amor hipócrita, elogios.


Ninguém quer compromisso com a verdade, mas com o último modismo. Quer encher a igreja em tempo record? Fácil! Ou entra numa de fazer essas campanhas loucas, sem pé nem cabeça, ou dana a convidar cantores e bandas gospel famosos, empurrando um monte de CD para que os irmãos ajudem a pagar os altos cachês que eles cobram. E assim a famigerada indústria gospel vai sendo alimentada. Louvor e adoração são confundidos com oba-oba. E adivinha quem paga a conta?


Definitivamente, não querem a Verdade! Preferem ser enganadas (desde que seu ego saia intacto!).


Então, Deus lhes dá o que pedem! Isso mesmo que você leu.


Paulo denuncia o ministério da iniquidade, e diz que sua operação e êxito são "segundo a eficácia de Satanás". Alguém ainda duvida que Satanás seja eficaz? Tal eficácia se revela "com todo poder, e sinais e prodígios da mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem". Agora, redobre sua atenção: "Perecem porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. Por isso Deus lhes envia a operação do erro, para que creiam na mentira, e para que sejam julgados todos os que não creram na verdade, antes tiveram prazer na iniquidade" (2 Ts. 2:9-12).


À luz deste texto, podemos dizer que as inúmeras pessoas enganadas por tais ministérios não são apenas vítimas, mas sobretudo, cúmplices. E os falsos mestres nada mais são do que juízo de Deus sobre eles.


Acham que podem barganhar com Deus... então, tomem sacrifício, fogueira santa, encontro tremendo, monte Sinai, amuletos, e por aí vai...


Alguns são até certinhos em se tratando de doutrina, mas suas motivações são excusas, nojentas, interesseiras. Judas os denuncia, dizendo: "Estes são murmuradores, queixosos, andando segundo as suas concupiscências, cuja boca diz coisas muito arrogantes, bajulando as pessoas por motivos interesseiros" (Jd.16).


Estes se queixam de seus líderes, passando a idéia de que estão sendo perseguidos e injustiçados na denominação, para ganhar o coração dos incautos, fazendo-os sentir pena deles, e ódio de seus líderes. Esta estratégia visa preparar o caminho para uma eventual divisão. Queixam-se de uns, enquanto bajulam a outros.


São inescrupulosos! Fazem negócio em cima do rebanho que lhes fora confiado. Miseráveis! Deus os destruirá!


Confesso que eu preferia que eles se vissem pregando só para os bancos. Mas a Bíblia é clara: "E muitos seguirão as suas dissoluções, e por causa deles será blasfemado o caminho da verdade. Por ganância farão de vós negócio, com palavras fingidas. Para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e a sua destruição não dorme" (2 Pe.2:2-3).


Quantos estragos estes lobos cruéis têm feito em famílias inteiras! Querem se meter até onde não são chamados. Estes são "os que se introduzem pelas casas" (2 Tm.3:6). Casamentos têm sido destruídos por causa de seus ensinos. Filhos preferem obedecer e honrar a eles do que a seus pais.


Apelo aos apologetas de plantão que não dêem trégua a esta raça maldita. Atentem para a admoestação de Paulo: "É preciso tapar-lhes a boca, porque transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância" (Tt.1:11).


Tudo quanto fazem envolve dinheiro. Querem mais, mais e mais. Seu deus é o ventre! Não se contentam com o que têm, e acham que o sucesso ministerial se mede pela ostentação.


Ufa! Eu tinha que dizer tudo isso. Estava entalado.


O que me consola é saber que o tempo do juízo de Deus sobre eles se avizinha.


Paulo nos garante: "Não irão, porém, avante; porque a todos será manifesta a sua insensatez" (2 Tm.3:9). E mais: Os enganadores "irão de mal a pior, enganando e sendo enganados"(v.13).


Até os sinais que acontecem em seus ministérios são juízo de Deus, para que sejam mantidos em seu engano. Tudo quanto estão plantando, hão de colher. Toda dor que provocaram, hão de sentir na própria pele.


E sabe por quê?


"De Deus não se zomba. Tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gl.6:7).
 
 
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Quando o pastor vira fetiche




Por Carlos Moreira


O único lugar que eu conheço em que o blefe é bem vindo é no jogo de pôquer. No mais, na vida cotidiana, blefar é plantar hoje a desgraça que será colhida amanhã. Creia-me: não há coisa pior do que transformar a existência num blefe, em disfarce, exibição performática, teatro do real, representação cênica constituída de caras e bocas, risos e falas, dramas encenados, mas que, ao final do ato, não podem ser esquecidos, apagados...


Tristemente, todavia, esta tem sido a vida de muitos pastores e pregadores do Evangelho. Uma vida de disfarce, baseada no blefe, um “jogo de cartas” onde o “jogador” sempre perde. Digo isto porque tenho, com certa freqüência, escutado as dores de muitos dos meus colegas... Eles se tornaram vítimas da “engrenagem” da “igreja”, foram engolidos pela “máquina” que a tudo devora, tornaram-se fim, e não meio, imaginaram ser, parafraseando Gilberto Gil, “o super-homem que viria nos restituir a “glória”, mudando como Deus o curso da história...”. Mas, felizmente, eles não são... Esqueceram, todavia, que Jesus, sendo Deus, quis ser homem e, sendo homem, agiu e sentiu como homem: teve sede, fome, medo, dor, tristeza, depressão, angústia. Ele chorou, sorriu, se emocionou, viveu todos os matizes que os humanos caídos vivem; só uma coisa não fez: nunca pecou.


Preocupa-me o estado em que as coisas chegaram. Pastor dissimulando, vivendo crises de toda a sorte e tendo de sorrir para a “platéia” que pede “bis!”. Pastor achando que é de aço, e não de osso, imaginando, equivocadamente, que tem de sempre ter a palavra correta, a mensagem perfeita, o tratamento irretocável. A família do pastor não pode ter crise – imagina? –. Sua mulher tem de ser o baluarte da santidade, da paciência, dos bons costumes e do amor sacrificial! Os filhos do pastor, na verdade, precisam ser anjos em miniatura, os quais, temporariamente, estão impossibilitados de voar por sobre o altar.


A verdade é que pastor, no meio “evangélico” tornou-se fetiche! E aqui uso a palavra do ponto de vista de sua concepção filosófica, baseado nos pressupostos de Comte. Nesta perspectiva, o homem de Deus é concebido como “entidade supranatural”, na qual se busca conceitos e respostas absolutos. Ora, isso atribuído a Deus está bem posto, mas, a questão é que a “igreja” desviou o foco do eterno para o temporal, e transferiu aquilo que é apenas ligado ao transcendente para o imanente, cujas características são antropomórficas.


Sabes, entretanto, o que sois?” – diria Chaplin – homem de carne e sangue, ainda que imagines poder seguir a rotina da máquina composta de fios e ferro! Quem te disse, pastor, que você não pode entristecer-se, ou deprimir-se, que não pode chorar, sentir desânimo, nem incorrer em equívocos? Quem te sentenciou a existencializar o casamento perfeito, a não ter filhos problemáticos, ou a nunca experimentar um revés financeiro? Quem, diga-me, ousou supor que tu não sofres de crise de fé, não tens medo, ou que todo domingo estais atormentado tamanha é a tua vontade de celebrar 2, 3 cultos? Quem te disse, “pequeno ser de barro”, que és quase perfeito, que vives no vácuo abissal entre o homem caído e o Deus santo como se fosses um híbrido?!


Deixo-te, então, para teu consolo – quem sabe? – a poesia de Djavan. Não, não é um dos Heróis da Fé de Hebreus 11, nem teólogo de sucesso, nem mesmo evangelista de multidões, mas apenas alguém que, com sensibilidade para discernir as ambigüidades do ser, suas idiossincrasias, conseguiu extrair lições por causa de todos os dilemas pelos quais a vida lhe fez passar...


Só eu sei, as esquinas por que passei...”. Pastor, tu és homem, tu és pó, tu és falho, e só tu sabes as profundas contradições que co-existem em ti. Acorda homem! Deixa este trono fictício no qual tu, equivocadamente, te assentastes, e vem novamente habitar entre os mortais. Lembra-te de Oscar Wilde “onde há sofrimento há terreno sagrado”.


Só eu sei, os desertos que atravessei...” Pastor, tu és beduíno, és hebreu errante, homem de tendas! Não te deixes aprisionar pela fixidez da vida, pelos “confortos” da contemporaneidade, não plante nada que crie raízes profundas, pois deves sempre estar preparado para levantar teu “acampamento” e partir, ao sabor do vento, para onde quer que fores enviado... Sim, quando as “fontes” secarem, deves ir em busca de outros mananciais... Não esqueças o que nos ensina Thiago Paes Piva: “no deserto da vida, eu me sinto afogado em uma miragem”.


Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar...”. Não te iludas, pastor, tu és homem, tu és pó, tu és carne! Teus desejos são naturais, tuas necessidades são reais, tuas vontades são legítimas. Nem tudo te será possível, mas não é pecado desejar, apenas materializar aquilo que faz mal ao ser. Fazes o que puderes, “anda pelos caminhos que satisfazem teu coração...”. Assim, aconselho-te o que nos ensinou Freud: “é escusado sonhar que se bebe; quando a sede aperta, é preciso acordar para beber”.


Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar...”. Atenta, homem, que este é teu maior desafio... Ninguém pode dar o que não tem! Admites, então, que tu te esvazias, que tua alma seca quando exposta ao “calor” da vida, que teu coração pedra pela experimentação das dores que brotam do simples fato de existir. Por isso, torna-te gente! Abandona esta enfadonha rotina de seres apenas existente... E lembra-te de Publílio Siro, escrito latino da Roma antiga, “a necessidade não obedece à lei; ela faz a lei”.


No mais, segue a “cartilha” na qual fostes ensinado: ama a Deus, obedece às Escrituras e serve ao teu semelhante. Vista-se com vestes de louvor e unjas a tua cabeça com óleo! Jamais te falte o “vinho da alegria”, a gratidão e o contentamento, a paz celebrada como oração. Sejas, então, homem, como os demais! Desistas de ser Deus! Isto, para ti, seria penoso e infrutífero trabalho...

Carlos Moreira (Via A Nova Cristandade)
 
 
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Não é a primeira, mas a última impressão a que fica





Por Hermes C. Fernandes


 
Meu passaporte está cheio de carimbos dos países por onde passei. A primeira vez em que foi carimbado foi em 1991. Este ano faz 20 anos desde que pisei pela primeira em solo americano. Aquela impressão desbotou-se com o tempo. Ainda dá pra vê-la, porém, sobrepostos a ela, há muitas outras mais recentes. Sem contar que de lá pra cá, já troquei meu passaporte duas vezes.
Todos nos preocupamos com a primeira impressão que deixamos, pois cremos que ela é a que fica. Porém, aprendemos com a própria Escritura, que no Reino de Deus esta verdade é subvertida. A última impressão é a que fica.
Permita-me tomar um exemplo das páginas sagradas:
Pedro e João haviam sido presos pelas autoridades judaicas. Acusação: subversão da ordem por haver curado um coxo à porta do templo. Após ouvi-los expor a razão que os levara a realizar aquele milagre, as autoridades ficaram maravilhadas com sua ousadia. Confira o texto:


“Então eles, vendo a ousadia de Pedro e João, e informados de que eram homens sem letras e indoutos, se maravilharam, e tinham conhecimento de que eles haviam estado com Jesus” (At.4:13).
De que Pedro estamos falando aqui? Daquele mesmo que negou Jesus por três vezes pouco mais de cinqüenta dias antes deste milagre. O mesmo pescador que acompanhou o Mestre por pelo menos três anos, mas ainda assim foi capaz de emprestar seus lábios a Satanás para dissuadi-lO da cruz. Ainda em um dos seus últimos encontros com Jesus, Pedro demonstrou-se incomodado com o destino que teria João, que parecia muito mais confortável que o seu próprio destino. Rústico, de temperamento sangüíneo, emocionalmente instável, covarde, de repente… transforma-se num poderoso orador, capaz de realizar milagres no nome de seu Mestre. Como explicar isso? Como explicar que Pedro e João, que antes pareciam rivais, agora subirem juntos ao templo para orar? Como explicar sua excepcional desenvoltura no uso das palavras, em se tratando de homens incultos? A conclusão das autoridades não podia ser outra: “Eles haviam estado com Jesus”!
A última vez que estiveram pessoalmente com Jesus foi onze dias antes deste ocorrido, quando o Senhor foi assunto ao céu. Que impressão Jesus teria deixado neles, então? Teria sido aquela a última impressão? Acredito que não!
Já tentou usar um carimbo sem antes molhá-lo na carimbeira? Pode até ficar o relevo no papel, mas aos poucos sua superfície voltará ao normal. Mas quando molhamos o carimbo, além do relevo, fica também a marca da tinta.
Pois foi justamente isso que aconteceu quando os discípulos receberam o carimbo do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Aquela foi a última impressão! Ou melhor, a impressão definitiva. Não me surpreende o fato de que Paulo use a expressão “selo do Espírito” para aludir à tal experiência. “Selo” é o equivalente a “carimbo”.
Quem quer que receba tal impressão do Espírito, há de ser reconhecido, mesmo pelos descrentes, que tem estado com Jesus.
Só podemos expressar aquilo que antes foi impresso em nossos corações. Sem impressão, não há autêntica expressão.
Jesus, por exemplo, é chamado de “a expressão exata” de Deus (Hb.1:3). E o que Lhe dava a habilidade de expressar com exatidão o ser divino? Ele mesmo responde: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará, porque Deus, o Pai, o marcou com o seu SELO” (Jo. 6:27).
Era a presença do Espírito Santo em Cristo que Lhe capacitava, não apenas a fazer os milagres que realizava, mas a expressar a vontade de Deus tanto em palavras, quanto em obras.
Jesus disse que “da abundância do coração fala a boca” (Lc.6:45). Só podemos expressar com legitimidade aquilo que está impresso em nossos corações. Se não, tudo não passará de performance barata. O carimbo é a Palavra de Deus, mas a tinta é o Espírito Santo. É a atuação conjunta entre a Palavra e o Espírito que imprimirá em nossa vida as marcas de Cristo, como disse Paulo aos Gálatas (Gl.6:17). Por isso, o mesmo apóstolo que diz “a palavra de Cristo habite em vós abundantemente” (Cl.3:16), também nos ordena a que sejamos cheios do Espírito (Ef.5:18). Não basta ter o relevo de Cristo. Temos que exibir também as Suas cores. Gosto muito daquela passagem que diz que Deus destinou a igreja para que manifestasse Sua multiforme sabedoria (Ef.3:10). No texto original lemos “multicolorida” em vez de “multiforme”. É o Espírito Santo, que uma vez derramado em nossos corações, irradia através de nossas vidas todos os espectros do amor (Rm.5:5).
O alemão Gutenberg tem sido considerado o pai da imprensa. Foi ele quem criou o processo que consistia em cunhar as letras em matrizes de cobre, com um punção de aço com letras gravadas em relevo, gerando uma espécie de molde de letras, que eram finalmente montadas em uma base de chumbo, tintadas e prensadas. Foi com esse processo que Gutenberg produziu a primeira Bíblia, impressa em latim, com uma tiragem de cerca de 300 exemplares. Sua invenção começou a Revolução da Imprensa e é amplamente considerado o evento mais importante do período moderno. Teve um papel fundamental no desenvolvimento da Renascença, Reforma e na Revolução Científica e lançou as bases materiais para a moderna economia baseada no conhecimento e a disseminação da aprendizagem em massa.
Muito antes de Gutemberg, Paulo afirmou que nós, como cristãos, somos “a carta de Cristo”, “escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2 Co.3:3). A Palavra é a prensa, enquanto o Espírito é a tinta que faz de cada um de nós cartas vivas cujo remetente é Deus e os destinatários são todos os homens. A igreja é, por assim dizer, a gráfica de Deus.
Aquilo que em nós é impresso deve circular livremente entre os homens. Nossa vida deve ser lida por todos. Deve expressar o que foi impresso em nossos corações. Revelar ao mundo Aquele com quem temos estado.
Depois de interrogados pelas autoridades, Pedro e João foram expressamente proibidos de ensinar ou mesmo divulgar o nome de Jesus. Porém, sua resposta foi incisiva: “Julgai vós se é justo, diante de Deus, obedecer antes a vós do que a Deus? Pois não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (At.4:19-20). Não há como represar o fluxo das águas do Espírito. Sua voz sobrepõe-se a qualquer censura humana. Como disse Paulo: “Cri, por isso falei” (2 Co.4:13).
E à medida que falamos, somos usados para promover a primeira impressão de Cristo na vida das pessoas com quem convivemos. Por isso, sofremos a censura por parte dos inimigos da fé. Paulo conta como sofreu tal censura por parte dos judeus de sua época, os quais, segundo ele, não agradavam a Deus, e eram “contrários a todos os homens”, impedindo-lhe “de falar aos gentios para que sejam salvos” (1 Ts.2:15-16). Apesar de todas as ameaças, Paulo não se intimidou, desde que ouviu da boca do próprio Jesus, que numa revelação lhe disse: “Não temas, mas fala, e não te cales. Pois eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, porque tenho muito povo nesta cidade” (At.18:9-10). Nossa missão, portanto, é causar uma primeira impressão, deixando para o Espírito de Deus a incumbência de promover a impressão definitiva. Esta primeira impressão é causada tanto por nossa fala, quanto por nossa postura. Há casos em que a pessoa é ganha sem qualquer palavra (1 Pe.3:1). O que não podemos é desperdiçar a oportunidade da primeira impressão. E isso fazemos quando de alguma maneira, expressamos as profundas impressões deixadas por Cristo em nossa alma.
 
 
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Como transformar sua igreja em um Império





Por Paulo C. S. Santos





1. Endureça o coração. Seja indiferente com apelos de mães, padres, bispos, missionários e pastores em crise ou dificuldades. O sofrimento deles não é problema seu.

2. Seja obstinado. Não deixe ministros, profetas, amigos, colegas, ou qualquer outro a convencê-lo a desistir do seu império.

3. Priorize as coisas. Entre coisas e pessoas fique com as coisas.

4. Valorize os números. Não importa quem saiu ou quem entrou, o importante é o saldo.

5. Fale as massas. Não perca tempo com indivíduos, fale a auditórios, trabalhe no atacado.

6. Ignore críticas. Mantenha-se surdo quando for criticado, faça ouvido de mercador, rotule os críticos como invejosos.

7. Esconda vulnerabilidades. Convença a todos que tanto você como sua instituiçao não tem problemas, convença aos outros você não se irrita, que não perde a paciência e que tem tudo sobre controle.

8. Ridicularize os reflexivos. Faça pouco caso de intelectuais, pessoas que estudam e os que são capazes de análises profundas, de modo geral eles são pouco influentes com as massas.

9. Dissimule suas intenções. Nunca, nunca, nunca mesmo deixe os outros descobrirem as suas verdadeiras intenções de formar o seu império eclesiástico. A sua carteira de clientes você chamará de ovelhas, a sua mão de obra barata, você chamará de voluntários, os seus empregados você denominará vocacionados. O que importa é a aparência.

10. Domine a linguagem religiosa. Conheça, use e abuse da linguagem religiosa e dos jargões religiosos.

11. Ofereça entretenimento. Mantenha o povo devidamente entretido com programas que enchem os seus olhos e impressionam os seus sentidos. A música ajuda demais.

12. Mantenha o controle. Sob hipótese alguma permita que o poder que você exerce seja dividido com qualquer pessoa. Não participe de associações, alianças ou entidades que você não possa dar a última palavra. Quanto menos pessoas acessarem os balanços menos problema você terá na sua escalada de poder.

13. Cerque-se de limitados. Observe sua equipe, cuide para que somente você brilhe, verifique que a sua equipe é composta de pessoas medíocres e que nunca o ameaçarão.

14. Invista na estrutura. As paredes e os equipamentos valem mais do que os valores, o conforto impressiona mais do que o cuidado. Entre estrutura e pastoreio as pessoas escolherão estrutura.

15. Atente-se para as necessidades. Observe as necessidades do povo e então ofereça o que eles querem, mesmo que você não seja capaz de entregar ofereça. terá se passado muito tempo entre o momento em que eles aderirem e o dia em que descobrirem que você não tem o produto, nesse período o seu império estará consolidado.

16. Seja místico. O misticismo é vital para atrair pessoas desesperadas e inseguras, ele é capaz de escravizar e cegar. Depois de anos de escravidão no misticismo a libertação é quase improvável e às vezes impossível.

17. Aparente ética. Faça com que todos acreditem que você é uma ilha de ética em um mar de iniqüidade. Abuse do discurso ético, mesmo que suas práticas não sejam condizentes. Discursos éticos impressionam e são fáceis de serem feitos.

18. Ria e chore. O sorriso convence as pessoas que você é simpático, o chore convence que você é sensível. Você não deve ser nada disso, contudo as pessoas devem pensar que é.

19. Opte pelos ricos. Não adiante você ter muita gente sobre seu controle se essas pessoas não tem dinheiro no bolso.

20. Evite aproximações. Mantenha uma distancia segura entre você e seus liderados, suas relações devem ser profissionais. Lembre-se imperadores não tem amigos, apenas súditos.

21. O mais importante. Manipule, a massa gosta e não se importa, mesmo que você um dia seja descoberto ainda existirão muitos a sua volta, o suficiente para manter a igreja-império por muitos anos e ainda garantir que seu filho, ou genro herde esse empreendimento.
É possível que agindo assim você terá em meia década algumas centenas ou mesmo milhares de prosélitos, contribuintes alem do mais importante pessoas que não se cansarão de massagear seu ego, afinal é para isso que servem os Impérios, ainda que os chamemos de igrejas.


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Fonte: Revista Ultimato (Via PCAmaral)
 
 
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É chegado o Reino trazendo com ele libertação

Um reino na Terra não pode existir sem desigualdade entre as pessoas. Alguns tem que ser livres, alguns servos, alguns líderes, alguns seguidores.— Martin Luther King Jr.


É chegado o Reino!


A concepção de Reino de Deus sempre esteve no centro da vida e obra de Jesus. David Bosch afirma que esse Reino está no centro da compreensão de sua missão “para Jesus, o reinado de Deus é o ponto de partida e contexto para a missão e questiona os valores tradicionais do judaísmo em pontos decisivos” (1).


Apesar de a maioria das definições do Reino de Deus feitas por Jesus serem em forma de Parábola, frustrando todas as nossas tentativas de descrevê-lo de forma física ou linear, Jesus viveu a essência desse Reino em cada movimento do seu ministério. Jesus quebrou toda possibilidade de se compreender o Reino de Deus dentro de uma perspectiva de dominação e de opressão, e essa inovação de conceito foi tão chocante para as pessoas de seu tempo que o levou para a cruz.


Jesus inaugurou seu ministério anunciando a proximidade do Reino de Deus, com isso ele demarcou uma nova ordem na vida, ele mostrou que o reinado de Deus não deveria ser entendido como algo exclusivamente do futuro, mas também do presente, da era do já.


A esperança de libertação não é uma canção distante sobre um futuro remoto. O futuro invadiu o presente [...] permanece, entretanto, uma tensão não-resolvida entre as dimensões presente e futura do reinado de Deus. Ele chegou mas ainda virá. Por causa deste último aspecto, no Pai-Nosso os discípulos são ensinados a orar por sua vinda
(Bosch, p. 53).


A oração de súplica ou petição tem sido, ao longo da história, o modelo de oração mais utilizado pelas pessoas. As orações de gratidão, de adoração, de entrega, de confissão de pecados e todas as demais reunidas não conseguem somar o volume de orações de petições elevadas aos céus diariamente. Talvez por isso um modelo correto de oração de petição foi o único relatado nos evangelhos como sendo aquele ensinado por Jesus.


Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livrai-nos do mal.
(Mateus 6.9-13).


A “Oração do Senhor” traz uma lista de prioridades de petições. Não é que não possamos pedir outras coisas além destas, mas as prioridades estabelecidas por Jesus aqui possuem toda uma lógica voltada para sua compreensão do Reino e de sua missão. Esta lista de prioridades determina alguns princípios básicos para a oração de petição.


Queremos nos deter na frase que sempre nos intrigou: “Venha o teu reino e faça-se tua vontade assim na terra como no céu”, e destacar algumas das súplicas derivadas desta primeira.


Na lógica da oração do Pai-Nosso, para que o Reino venha, a vontade de Deus tem que estar em primeiro lugar e a vontade humana aparece depois, porém combinada com a vontade divina. Se a vontade humana tiver prioridade, o que teremos é um reino cheio de desigualdades, como Martin Luther King Jr. mencionou, e não o Reino idealizado por Jesus. O Reino de Deus não é estabelecido dentro dos padrões humanos. Ao contrário, ele desconstrói os padrões humanos.


A narrativa bíblica nos mostra que no momento mais angustiante de sua vida na Terra, Jesus praticava os princípios da oração que ensinou aos discípulos: “se possível passa de mim este cálice, mas não seja como eu quero, mas como tu queres”. Esse era o estilo didático de Jesus: ensinar a partir da prática de vida. Uma oração baseada no querer humano não conseguiria estabelecer o Reino de Deus na Terra.


“Assim na terra como no céu” ensina a não deixar brecha alguma para que realizações fora da “tua vontade” fossem feitas, nem no mundo material nem no mundo espiritual. Nem no reino da Terra nem no Reino dos Céus, nem nos reinos encantados onde habitam os guardiães ancestrais dos indígenas brasileiros, nem nos tronos dos soberanos políticos das nações deste mundo. Ele cria as fronteiras de demarcação do Reino: a vontade de Deus.


É vontade de Deus que todos se salvem (1 Timóteo 2.5), é vontade de Deus que não haja pobres entre nós (Deuteronômio 15.3), é vontade de Deus que os homens se perdoem e que usem de misericórdia uns com os outros (Mateus 18.23-28), é vontade de Deus que sejamos libertos do mal e livrados dele (Mateus 6.13). É vontade de Deus que todos tenham o que comer (Mateus 14.15), não por acaso a petição seguinte fala do sustento diário.


Pedir pelo pão nosso de cada dia é suplicar por uma necessidade básica que muitos não conseguem ter suprida. Nos tempos antigos também havia fome. Esta ocorria quando as chuvas das estações não aconteciam como previstas e longos períodos de seca ou inundação destruíam o trabalho agrícola do povo. Gente passando fome é também gente que morre sem salvação. Isso é contra a noção de Reino que Jesus estabeleceu.


Jesus exerceu seu ministério no pior período da história em termos de empobrecimento populacional. Pessoas tornavam-se escravas por não poderem pagar os impostos, que por vezes chegavam a oitenta por cento de suas rendas. Com isto vendiam os campos, as casas, os filhos e a si mesmos. A única forma de escapar de tão pesado tributarismo era não tendo mais nada, nem a própria vida — era tornar-se um escravo.


A provisão diária é algo que tem faltado a muitos. Regiões com terras áridas como nosso Nordeste ou o norte da África ou também com climas muito chuvosos e sujeitos à inundação correm o risco de perder a provisão diária. Um princípio de equilíbrio do ecossistema está contido neste “Pão nosso”, princípio repleto de sentido quando se considera que entre 168 e 68 aEC Jerusalém foi atingida por não menos do que dez calamidades que provocaram grande fome e devastação na região (2).


Pedir pelo “Pão nosso” é pedir que seja dada também à natureza a chuva e o sol no tempo certo e aos animais a erva que lhes alimenta. Sem que a natureza tenha suprida a sua necessidade de “pão” a nossa necessidade de pão também não será suprida. Sem chuva a erva seca, os animais não têm o que comer e morrem. A concepção de vinda do Reino contida na oração do Pai-Nosso está impregnada de visão sistêmica da criação e da cadeia de ações-reações que é atingida quando algum destes elos se rompe.


Por fim, é vontade de Deus que as pessoas sejam libertas do mal. E neste sentido — de livramento do mal — o mistério de Jesus fez mais diferença. “Venha o teu reino” é uma oração cheia de implicações sociais, econômicas e políticas. A única coisa que uma petição como esta não possui é neutralidade.


A boa nova (evangelho) do Reino sempre chega acompanhada de cura das doenças e enfermidades (Mateus 4.23; 9.35), expulsão de demônios ( Lucas 4.33) proclamação da justiça (Mateus 5.10; 6.33), ensino nas sinagogas e convite ao arrependimento (Mateus 4.17). Nenhuma das formas pelas quais Jesus manifestou a chegada deste Reino está desvinculada de algum desses parâmetros.


A chegada do Reino compreende, acima de tudo, libertação do ser humano. Libertação da doença, da fome, da vida sem consciência do erro, da injustiça, dos demônios, do mal e de tudo mais. Muitas vezes nós, cristãos, não temos entendido que a chegada do Reino não é o estabelecimento de uma nova igreja ou denominação evangélica e acabamos fechando as portas para todas as pessoas mais destituídas que foram convidadas pelo Rei deste Reino, o pai do noivo, para virem às bodas (Mateus 22.10). A Igreja tem empregado um tempo fabuloso discutindo até que ponto as igrejas evangélicas deve ou não permitir que as pessoas dos grupos GLBTTs e outros grupos marginais estejam em suas congregações, esquecendo que o Reino é chegado para todos!


Dois textos dos ditos de Jesus sobre o Reino explicam tudo sem necessitarmos aprofundar o óbvio e gritante confronto que eles nos fazem e nos servem de conclusão neste tópico.


Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele. [...] a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Tem demônio! Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!
(Mateus 11.11-20).


Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando (Mateus 23. 13).


O Reino chegou libertando na Cracolândia


John Stott, em sua proposta de um cristianismo bíblico equilibrado, chama nossa atenção para a atuação do reino das trevas. Nas suas palavras, quando o diabo não consegue nos induzir a negar a Cristo ele consegue nos fazer distorcê-lo, pois um dos seus passatempos prediletos é perturbar o nosso equilíbrio e desestruturar o nosso cristianismo (3). Neste esforço de nos desestruturar uma das áreas onde ele é mais bem sucedido é em promover a desunião no meio evangelical, principalmente no que diz respeito às formas como o Reino de Deus deveria ser expandido. Stott afirma:


... estamos de acordo quanto aos fundamentos éticos e doutrinários da fé. Mesmo assim parece que, constitucionalmente, somos dados a discussões e divisões, ou simplesmente a seguir nosso próprio caminho e construir o nosso próprio império. Parece que sofremos de uma incapacidade patológica de nos acertarmos uns com os outros ou de cooperarmos juntos da causa do Reino de Deus (4).


O Reino é chegado porque o Verbo já encarnou, morreu e ressuscitou e com ele trouxe libertação, mas ainda não chegou totalmente porque longe estamos de ver os efeitos deste Reino sobre toda a Terra, talvez porque nós mesmos, cristãos, ainda não absorvemos completamente o seu significado a partir de nossa vida interior.


Esta é a tensão que Stott denomina como a do e o ainda não. Para ele, a tentativa de compreender esta tensão deveria contribuir consideravelmente para uma compreensão mútua entre os diferentes grupos de cristãos e para uma colaboração ativa de comunhão genuína.


No Brasil, os evangélicos ainda gastam mais tempo acentuando suas divergências doutrinárias e apologéticas do que trabalhando juntos para a libertação de uma humanidade sofredora, oprimida e aprisionada sob as teias do império das trevas. Neste sentido, o Reino ainda não chegou.


Por outro lado, o Reino já chegou para muitos. Temos sido impactados aqui no Brasil com os efeitos da chegada do Reino na vida de mendigos, prostitutas e dependentes químicos. Esse foi um projeto de missão integral que começou a partir da visão de um líder da junta missionária da Convenção Batista Brasileira em 2008 (5).


Nas grandes metrópoles de um país tão grande quanto o Brasil, o contraste social é muito grande. Ao mesmo tempo que, há muita gente rica e próspera, há muita gente que vive num nível absurdo de indigência e mendicância. Estes redutos de gente em estado miserável infesta as grandes capitais, criando comunidades inteiras de drogados e pessoas enfermas, totalmente dominadas pelo mal e pelos efeitos do império das trevas. São demônios que precisam ser exorcizados diariamente da vida destas pessoas para que elas possam enxergar a libertação que a chegada do Reino traz a seus corações. Levar o Reino é levar libertação para as pessoas aprisionadas. Nas palavras de Jesus, se os demônios são expulsos, então o Reino é chegado! E onde o Reino chega, aí há liberdade.


O projeto Cracolândia (hoje chamado Cristolândia) começou em São Paulo, atuando nas regiões de baixo meretrício, redutos de distribuição e consumo de drogas muito pesadas. Em cerca de dois anos já se tem organizada uma comunidade com mais de quatrocentos ex-dependentes químicos e ex-presidiáriosque, sob efeito das drogas, haviam cometido crimes e passaram muito tempo nos presídios. Vários destes homens hoje, libertos da prisão e da dependência química, acabaram de ingressar em treinamento missiológico intensivo para a plantação de outras comunidades em outras inúmeras Cracolândias espalhadas pelo Brasil.


É emocionante quando o coro de duzentas vozes dos ex-dependentes químicos, sob o acompanhamento da Orquestra Filarmônica do Canadá num programa único intitulado Natal das Luzes, paralisa o centro da cidade de São Paulo e canta “eu sou livre” (6). Os voluntários, como eu, que têm participado deste projeto — dando banho nos mendigos, cortando os cabelos, cuidando, dando alimento, tratando as doenças, enviando os dependentes químicos para centros de recuperação — têm, igualmente, saído transformados dessa experiência. Alguém relatou recentemente: “ninguém que trabalha como voluntário no projeto Cracolândia consegue continuar a mesma pessoa”.


Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós.
(Mateus 12.28)


Conclusão


Venha o Teu Reino! É uma oração que devemos fazer, com a plena consciência dos efeitos que isso precisa trazer. Se os reinos deste mundo e também do mundo sobrenatural ocupam os espaços que não são físicos, espaços que dominam e aprisionam as pessoas numa vida assombrada por presenças malignas, que visam a sua destruição, a chegada do Reino precisa promover o efeito contrário. Ela traz a verdade que liberta, ela reconstrói, edifica, restaura, cura e alvoroça o mundo.


John Newton, um traficante de escravos convertido, disse certa vez: “Eu não sou o que deveria ser, não sou o que quero ser, não sou o que espero ser em um outro mundo; mas pelo menos não sou mais aquilo que fui um dia e, pela graça de Deus, sou o que sou” (7).


Dentro da perspectiva de Reino de Deus, a missão inclui: “fazer pessoas pobres, negligenciadas e desprezadas ficar de pé novamente, tendo recuperado sua humanidade plena perante Deus e as pessoas” (8).


Venha, então, o Teu Reino!


Imagem: Cerezo Barredo, En la cena ecologica del Reino.


Notas
(1) BOSCH, David. Missão Transformadora: mudanças de paradigma na Teologia da Missão. 2ª. Ed. São Leopoldo: EST/Sinodal, 2007, p. 52.
(2) JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisas de história econômico-social no período neotestamentário. São Palo: Paulus, 1983, 197-202.
(3) STOTT, John. Ouça o espírito, ouça o mundo: como ser um cristão contemporâneo. São Paulo; ABU, 1997, p. 419.
(4) STOTT, John. Ouça o espírito, ouça o mundo, p. 421.
(5) Uma síntese com o coordenador do projeto pode ser assistida neste documentário de quinze minutos de um programa de TV transmitido em rede nacional: http://www.youtube.com/watch?v=2ZJhwjeoR-U
(6) Para ver um clip desta música com o próprio coro de ex-dependentes químicos cantando: http://www.youtube.com/watch?v=R079zSmw49k&feature=related.Uma busca pelos expressões: Cracolândia, Cristolândia e Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira na web e nos vídeos do Youtube trará inúmeros documentos e testemunhos do projeto mencionado.
(7) Citado em STOTT, Ouça o Espírito, ouça o mundo, p. 432.
(8) MATTHEY, Jacques. The Great Commission according to Matthew. International Review of Mission, v. 69, p. 161-173, 1980. Citado em: BOSCH, David. Missão Transformadora, p. 56.


Por Lília Mariano - Mestre em Teologia e em Ciências da Religião com especialização em exegese bíblica do Antigo Testamento. É coordenadora da Pós-Graduação em Exegese Bíblica da UNIABEU e professora da Faculdade Batista do Rio de Janeiro. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica.


Vi no http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=773
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Tempo de depuração






Peguei a contramão das festas no meu aniversário. Não acendi velas, não parti bolo e pedi que não se cantasse parabéns. Preferi transformar o dia em tempo de depuração, um tempo drummondiano de ler e repetir: “E agora José,/ (Ricardo), a noite esfriou,/ 
o dia não veio,/
 o bonde não veio,/
 o riso não veio,/
 não veio a utopia/
 e tudo acabou/ 
e tudo fugiu/ 
e tudo mofou,/ e agora…?”


A poucos anos de aterrissar na terceira idade, vi a urgência de depurar-me dos ideais que resistiram às sessões de quimioterapia que prometiam curar o câncer de se sentir útil. Eu precisava abolir, definitivamente, as utopias. Tarefa cruenta. Imolar utopias significa despedir-se do torvelinho de “fazer a vida valer”, de “ser responsável por esta geração”, de “não decepcionar quem depositou tanta confiança em você”.


O mundo das competências brita a alma, tritura o espírito, esmaga o coração. Eu havia arquitetado e me desgastado para construir uma Roma imperial, que agora devia provar o gosto amargo do colapso. A afoiteza de perpetuar-me em gestos heróicos, verdadeira Babel, só ruiria se eu abraçasse outras linguagens; idiomas que transcendem o racionalismo.


Eu precisava desprezar o paladino que me dominou – sempre almejando um coração de leão. Vi que devia dizer adeus ao D’Ártagnan que caricaturizei em arroubos cênicos. Chegava a hora de exorcizar a casta que me prometeu renome e glória. Eu devia escolher a trilha da discrição. De costas ao rufo dos tambores dos hinos marciais, retomar a vida e seguir.


Faz oito anos, nove talvez, que tento explicar-me a religiosos. E por mais que me esforce, permaneço na boca miúda de gente espantada. Chegou a hora de esclarecer: não me considero herege na acepção real da palavra. Herege é desviante que altera as lógicas internas de algum paradigma. Existem hereges em todas as áreas. Na natação, John Weissmuller quebrou a marca de um minuto para cem metros ao ousar dar braçadas de cara enfiada na água, respirando de lado. Werner Heisenberg revolucionou a física mecânica ao propor a imprevisibilidade dos elementos quânticos. Pablo Picasso reinventou a pintura ao desejar transcender o retrato. Todos, entretanto, permaneceram em suas áreas.


Serei cândido: não quero mais fazer parte da subcultura evangélica. Não me considero cismático. Abandonei as lógicas do teísmo, simplesmente. Não partilho do pessimismo antropológico ou ontológico, chão da teologia ocidental. Não cabe dentro de meu sentido ético o mundo dependente de intervenções pontuais de Deus – ou esperando salvamentos particulares que aliviam as agruras da existência. Discordo da teleologia escatológica que engrena o mundo a propósitos inescrutáveis. Tornei-me o lutador que não gosta mais de boxear; esgrimista que guardou a espada porque anseia passear no bosque. Desci do prédio das disputas doutrinárias para desfrutar o vento selvagem.


Antecipo-me aos apologetas. Não me interesso pela defesa das verdades escolásticas. Também, não me importo em ser contradito ou demolido em meus argumentos. A verdade que abraço não carece de explicação, refutação ou contradição. Estou satisfeito em degustá-la. Sou apofático. Se não tenho competência para escrever tese que a razão exige, podem dizer que sou louco – chamaram o Nazareno de louco, estou em boa companhia.


Não proponho nova doutrina; não elaboro tese sobre o mistério. Menino, eu perguntava ao vovô se ele podia explicar-me a eternidade. Respondia como típico cearense: “Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”. Ando me sentindo parecido com ele, sem paciência para explicações que nada explicam e sem ânimo para elucidar o que não pede para ser desvendado.


Com o abalo de minhas utopias ruíram certos sonhos de amizade que, ingenuamente, preservei. Passei anos e anos iludido com pessoas que rasgavam seda e, ao mesmo tempo, odiavam. Mal sabia que elas parasitavam em minhas frágeis conquistas. No dia em que alguém alardeou a minha derrocada, rápidos como ratos que abandonam o navio, procuraram jogar uma pá de cal. Não guardo mágoa. Só não posso deixar que novos aduladores se valham de minha credulidade. Não há dor mais atroz que sentir-se abandonado no meio de bárbaros. E, notar, ao invés de mãos estendidas, unhas. Procuro amigos leais. Sei que eles existem. Oferecerei a mão a quem não trata companheirismo como um jogo de interesses.


No dia seguinte ao meu aniversário, notei que o rio de Heráclito seguia intocado. Mas eu amanhecia com a sensação de que precisava nadar muito. Além disso, a bílis do fígado emocional me deixou com o humor sensível.


Volto a escrever; ofício que me enche de prazer. Mas sinto o texto nascer temeroso. Ainda me vejo cercado de fantasmas. Tenho medo de parecer pessimista. Vou e volto: devo teimar em ser bom? Não capitulo ao pieguismo? Hesito: talvez precise de mais solitude para não extravasar indelicadeza. Falo sozinho: Quem sabe, se insistir, consigo vazar um filete do bem que ainda resta.


Ando cansado de tudo. Não passo de menino que implora: “Parem a roda gigante, quero descer”. Se me tornei adulto, não passo de homem que não encontra santuário para cultivar o silêncio. Persigo a caverna de refúgio do profeta. Preciso da cela do místico. Caço a hospedaria do Samaritano.


Quando não encontro a companhia que o coração pede, contento-me em ler e rabiscar poesia; e não me importo se ela brota trágica. Não fujo do salmista que, sem ânimo, sem acreditar nas pessoas, sem afeto, sem conexão, sonhou navegando nos raios da alvorada. Sem libido, sem tesão, não o julgo por arriscar abrir túnel ao redor da cama e chegar ao Hades.


No tempo de depuração, aprendo a recusar o limbo das emoções, o inferno dos relacionamentos e a cadeia dos compromissos. Cara a cara com a duríssima tarefa de reinventar-me, não desisto. Álvaro de Campos afirmou que “temos todos duas vidas: a verdadeira, que é a que sonhamos na infância,/ E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;/ A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,/ Que é a prática, a útil, / Aquela em que acabam por nos meter num caixão”. Introspectivo, silente e contemplativo, prefiro desocupar a alma da vida prática para reencontrar a que sonhei na infância – antes que seja tarde demais.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/50anos/tempo-de-depuracao/
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Súplica reeditada






Pai nosso e dos exilados, dos deprimidos, das meninas vendidas à prostituição, dos curdos, das aeromoças, dos ianomâmis, dos carvoeiros, das juízas, dos mineradores chineses, dos médicos legistas, dos cabelereiros, das noviças, dos poetas, das atrizes, dos teólogos, das massagistas, dos meus filhos e netos, dos ateus, das motoristas de ônibus, dos carcereiros.


Que estás no céu, na terra, no vácuo, no hades, no patíbulo, na floresta, na sala de hemodiálise, no cabaré, na UTI, no acampamento dos sem-terra, na catedral, na sala de tortura, no asilo de velhos, no botequim, no matadouro, no quartel, na ambulância, no escafandro, no aeroporto, no palco, na piscina, no hospício.


Santificados sejam o teu nome, a ideia que fazemos de ti, o livro que escrevemos sobre ti, a música que cantamos sobre ti, os planos de paz que organizamos pensando em ti, a mulher que tocamos por seguirmos a ti; e o futuro que sonhamos por ousarmos te chamar de Pai.


Venha o teu reino. Sentimos a urgência não de ir até aí, mas de demonstrar aqui neste planeta diminuto a aspiração que está no além. Queremos nos enraizar neste chão para fazer algo novo, algo que se sobreponha ao que já se construiu na história. Acontece que somos inadequados, claudicantes e egoístas. Incentiva-nos a querer mostrar lampejos do que seria a vida se vivêssemos, minimamente, teus valores. Faze-nos subversores do inexorável, sabotadores das sinas, revolucionários do amanhã. Precisamos da esperança que desvela outra realidade, outro mundo, outra forma de viver.


Seja feita a tua vontade na terra como ela é feita no céu. Desde a criação decidiste que homens e mulheres tomariam os rumos da história. Tu assinalaste a eles a responsabilidade de disseminar bondade e não crueldade, equidade e não injustiça, criatividade e não opressão, liberdade e não escravidão. Anima-nos para que possamos incubar vida, parir oportunidade, perenizar o bem e assim estreitar esse abismo que nos separa de tua morada.


O pão nosso de cada dia, nos dai hoje, mas que este pão nos alimente física, emocional e espiritualmente. Não nos deixe satisfeitos com a ração que nos apequena em nossa humanidade. Temos fome de sentido, carecemos de afetos, ansiamos por beleza, desejamos transcendência. Dá-nos gula de palavras; e que as palavras, transformadas em versos, nos saciem de eternidade. E que as parábolas, temperadas de metáforas, se transformem no banquete que nos salva no dever inclemente de sobreviver, só sobreviver.


Perdoa a nossas dívidas bem como as ofensas grosseiras de quem ataca a adolescente, o homossexual, o pobre, o negro, o cigano, o gari, o porteiro, a babá, o garçom, o pedreiro, o trovador, a enfermeira, a maria-ninguém. Somos cruéis uns com os outros, lentos em reconhecer a dignidade alheia. Mordazes, desaprendemos a respeitar dores. Inclementes, desonramos sonhos. Insensíveis, não paramos para ouvir queixas. O perdão nos livra dos grilhões que nos aferramos com o endurecimento. Precisamos de misericórdia, antídoto que nos salva do veneno que tentamos inocular nos outros. Falta-nos a percepção que revidar só expõe a soberba de nos achar melhores e mais privilegiados que os demais.


Assim como perdoamos aos nossos devedores, não nos deixa aspirar de ti nada além do que fazemos pelo próximo. Não te sintas obrigado a nos absolver mais do que absolvemos, a nos compreender mais do que compreendemos, a nos proteger mais do que protegemos. A régua que medirmos deve ser a mesma que esperamos ser aferidos. Que nossa balança não se vicie. E que nós nos identifiquemos no próximo, única forma de amá-lo.


Não nos deixe cair em tentação. Livra-nos do mal, que é a desgraça de cobiçar poder, honra e glória. Lembra-nos: cobiçar poder transforma anjo em diabo e homens em demônios. Que não nos iludamos com caminhos largos, com brilho intenso ou com segurança de riqueza sem fim. Desperta-nos para a vida do Nazareno que desprezou valer-se do divino em sua árdua trilha humana. Sem apelar para poderes sobrenaturais, ele se fez gente. Foi grande porque não fugiu da morte estúpida e banal que os opressores lhe impuseram. Dá-nos a serenidade de não nos seduzir pela mentira de que existe outra senda senão a que ele escolheu.


Amém.


Soli Deo Gloria


Vi no http://www.ricardogondim.com.br/poemas/suplica-reeditada/