quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Outro Lado do Calvinismo - Capítulo 7 - Ordenados para Salvação



Laurence M. Vance





A segunda palavra que os calvinistas usam para provar a Eleição Incondicional é ordenados. E embora haja realmente somente um versículo que eles usam, é um dos principais textos-prova empregados pelos calvinistas para confirmar a Eleição Incondicional. É também um dos dois únicos versículos que parecem relacionar a “eleição” com a salvação: “E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se, e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” (At 13.48). Todo calvinista, não importa no que mais ele crê, usa este versículo para provar a Eleição Incondicional. Todo calvinista afirma que baseado neste versículo, toda pessoa que já foi (no Antigo ou Novo Testamento) ou será salva (no período da Igreja, Tribulação ou do Milênio) foi “ordenada para a vida eterna” antes da fundação do mundo por um decreto soberano e eterno. Nettleton afirma que foi este versículo que o tornou calvinista.[1] O versículo preocupa tanto os não-calvinistas que alguns alteram o texto para não enfrentar as implicações calvinistas.[2] Por outro lado, os calvinistas que não hesitariam em corrigir a Escritura em outras passagens condenam aqueles que fazem isso aqui.[3] Não há necessidade de apresentar comentários sobre estes versículos pelos calvinistas – não há dúvidas de quais sejam. Palmer diz tolamente: “Aqui está um outro texto com impressionante clareza a quem ler a Bíblia sem noções preconcebidas sobre a eleição.”[4] Pink afirma que “todas as artimanhas da engenhosidade humana têm sido empregadas para obscurecer o significado deste versículo e para explicar de outro modo o sentido óbvio de suas palavras; mas todas as tentativas têm sido em vão; de fato, nada pode conciliar esta e outras passagens semelhantes com a mente do homem natural.”[5]


Há vários problemas com a interpretação calvinista deste versículo. Para começar, a palavra ordenar é usada de diversas maneiras na Bíblia, assim como ela é em qualquer dicionário. Muitas vezes ela é usada em relação a um ofício em que alguém é investido, tanto no Antigo Testamento (2Re 23.5; 1Cr 9.22; 2Cr 11.15; Jr 1.5), quanto no Novo (Mc 3.14; Jo 15.16; At 14.23; 1Tm 2.7; Tt 1.5; Hb 5.1). Algumas vezes ela é usada no sentido de escolher (2Cr 29.27; Dn 2.24; At 1.22, 10.42, 17.31), estabelecer (Nm 28.6; 1Re 12.32, 33; Rm 13.1; 1Co 7.17; Hb 9.6), preparar (Sl 7.13; Is 30.33), fazer (1Cr 17.9; Is 26.12; Sl 8.3), ou decidir (2Cr 23.18; At 16.4; 1Co 9.14; Ef 2.10).


Não apenas a palavra ordenar significa várias coisas diferentes, ela nunca faz referência a um decreto incondicional, soberano e eterno. Tomemos Judas como exemplo: ele foi “ordenado” com os outros onze discípulos e enviado a pregar (Mc 3.14). Todavia, ele mostrou ser um diabo (Jo 6.70). Onde estão os sacerdotes que foram ordenados a oferecer sacrifícios (Hb 5.1)? Deus não aceitou seus sacrifícios após o Calvário (Hb 10.10-14). E quanto a todos os homens que foram ordenados ao ministério? Alguns deixaram o ministério e voltaram ao mundo? Deus ordenou as estrelas (Sl 8.3)? Então por que temos estrelas cadentes? As estrelas “caem da graça”? Todo pastor “vive do evangelho” (1Co 9.14)? Todos os cristãos praticam boas obras? Ainda que “Deus preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10), Paulo tinha que lembrar os cristãos sobre a prática das boas obras (Tt 3.8, 14).


Embora os calvinistas sustentam que At 13.48 sem dúvida apoia o Calvinismo, há diversas coisas que este versículo diz que deve ser observado. Ele diz “ordenado” e não “preordenado”. É por isso que as várias conotações da palavra foram explicadas. Ele também diz “todos quantos” e não “todos.” “Todos quantos estavam ordenados para a vida eterna” não significa que todos que já creram se encaixam nessa descrição:


Não havia, pois, entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido(At 4.34).


Porque antes destes dias levantou-se Teudas, dizendo ser alguém; a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada (At 5.36).


Outra coisa importante a observar é que este versículo diz “gentios,” não judeus ou a Igreja. At 13.48 está no meio de um dos momentos decisivos no Livro de Atos que mostram a gradual progressão do Evangelho “primeiro do judeu” (Rm 1.16) aos gentios. Em At 7.54, os judeus em Jerusalém rejeitaram Estevão. Então, em At 13.46, os judeus na Ásia Menor rejeitaram Paulo. Em At 18.6, os judeus na Europa fizeram da mesma forma. Em At 28.28, a rejeição foi final. Deus agora chama dos gentios “um povo para o seu nome” (At 15.14) até que “a plenitude dos gentios haja entrado” (Rm 11.25), pois através da queda dos judeus “veio a salvação aos gentios” (Rm 11.11). Que este evento com os gentios em At 13.48 foi significativo, e não apenas um incidente isolado, pode ser visto pelo que foi dito sobre isto posteriormente: “E, quando chegaram e reuniram a igreja, relataram quão grandes coisas Deus fizera por eles, e como abrira aos gentios a porta da fé” (At 14.27). Deus não ordenou nenhum gentio à vida eterna até que ele procurou pela verdade (At 13.42). Um caso semelhante é o do gentio Cornélio (At 10.1). Cornélio era um homem “piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus” (At 10.2). Cornélio era aceito por Deus (At 10.4, 31, 35) porque ele procurou pela verdade – não porque ele era salvo, embora Lutero determinadamente insiste que ele era.[6] Cornélio ainda tinha que crer para ser salvo (At 11.17), e foi exatamente isso que Pedro pregou (At 10.43).


Que este evento com Cornélio foi também significativo, pode ser visto pelo que foi dito sobre ele posteriormente:


E ouviram os apóstolos, e os irmãos que estavam na Judéia, que também os gentios tinham recebido a palavra de Deus (At 11.1).


E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida (At 11.18).


Isto não significa que todos os gentios são salvos. Assim como Pedro dizer que os gentios por sua boca deviam “ouvir a palavra do evangelho, e crer” (At 15.7) não significa que todos os gentios são salvos. Mas supondo que os gentios em At 13.48 foram soberanamente eleitos conforme ensina o Calvinismo, nenhum caso poderia necessariamente ser apresentado para algum judeu. E supondo ainda a eleição destes gentios, como isso prova que todos os gentios salvos que já existiram foram ordenados à vida eterna conforme At 13.48?


Há também diversas coisas que At 13.48 não diz. Ele não diz que alguém tem que ser ordenado para crer. Ele não diz que há “reprovados” que não podem ser salvos. Ele não diz que alguém foi ordenado incondicionalmente. Ele não diz que alguém foi ordenado antes da fundação do mundo. Ele não diz que alguém foi ordenado por um decreto soberano. Ele não diz que aqueles que são ordenados irão crer. Ele não diz que todos que foram salvos foram ordenados a crer. E a última coisa que este versículo não diz é que todo calvinista tem que usá-lo como um texto-prova da Eleição Incondicional. O teólogo calvinista Buswell, embora crê na Eleição Incondicional, diz sobre este versículo: “Na verdade, as palavras de At 13.48, 49 não têm qualquer referência ao decreto eterno de Deus da eleição.”[7] Dessa forma, como vimos diversas vezes, são os próprios calvinistas que muitas vezes destroem suas próprias doutrinas.


Há mais um exemplo da palavra ordenados sendo usada para ensinar a Eleição Incondicional: “Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória” (1Co 2.7). Que este versículo não tem nada a ver com a Eleição Incondicional para salvação está explicitamente claro. Mas isso não significa que um calvinista não irá usá-lo de qualquer forma. Clark comenta: “Este versículo, diferente da passagem anterior, reflete somente indiretamente sobre a predestinação de Deus de pessoas específicas. Entretanto, ainda que indiretamente, ele pode talvez ser significativo.”[8] Mas, pelo contrário, este versículo, diferente da passagem anterior, reflete diretamente sobre a tendência dos calvinistas de extrair indevidamente a predestinação de Deus de pessoas específicas de todo versículo concebível. É a sabedoria que está sendo discutida no versículo, assim como em todo o capítulo, assim como no anterior. Sabedoria, não a Eleição Incondicional.


[1] Nettleton, p. 16.
[2] Shank, Elect in the Son, p. 183; Fisk, Calvinistic Paths, p. 76; Younce, p. 23; Ballard, p. 20; Kent Kelly, p. 159; William G. MacDonald, “The Biblical Doctrine of Election,” em Pinnock, ed., The Grace of God, the Will of Man, p. 227.
[3] Milburn Cockrell, “KJV Vindicated on Acts 13:48,” The Berea Baptist Banner, 5 de março de 1992, p. 57, e 5 de abril de 1992, pp. 77-78.
[4] Palmer, p. 29.
[5] Pink, Deus é Soberano, p. 53.
[6] Luther, pp. 246-247.
[7] Buswell, vol. 2, p. 152.

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