terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Eclesiastes 2 em minhas próprias palavras





O Pregador não conseguiu lidar com a náusea. E em solilóquio desesperado, comandou-se: “Devo anestesiar essa angústia; quem sabe encontro um jeito de diverti-la, mas, de antemão, sei: não alcançarei”.


O que fazer? Os ridículos riem com frequência, os insignificantes revelam uma alegria congelada, os nulos são ocos.


Melhor entorpecer, matar sentimentos, antes que se tornem dragões? Sim. Buscar o siso, porém, aumenta o desespero. A ânsia de aprender também é ovo de serpente, que chocamos para nos devorar nos últimos e inúteis dias desta vida banal.


Para que o opróbrio de trabalhar de sol a sol? Homens e mulheres absorveram a mais monumental e infame mentira: o direito à posse liberta. Ceifeiros não passam de agiotas. Produtividade e eficiência, dois percevejos que devastam a humanidade, começaram nas vinhas. As fontes d’água, impedidas de correr, represadas pela ganância, perderam melodia e a função de embelezar; agora não passam de charcos úteis.


“Talvez”, continuou o Pregador em sua divagação, “instrumentalizar pessoas, amarrando barbantes em seus pulsos para que se comportem como fantoches, alivie o meu sentimento de inutilidade. Gente e gado são iguais – não existe humanidade, apenas manada. E nas manadas, quantidade vale mais que qualidade”.


Na raiz da sua volúpia por riqueza, o Pregador desejou aplacar uma aflição inominável. Ele percebeu que os monarcas pareciam alegres quando desfilavam diante dos súditos. Mesmo sem pedigree real, pensou: “Se não fui predestinado à corte, posso exceder em riqueza ao imperador. Ele me respeitará. Promovi espetáculos. Contratei cantoras e cantores de primeira linha. Paguei mulheres bonitas para gozar o melhor sexo. Achava que assim eu me sentiria acima do rei, com mais prestígio que o maioral. Resgatando a minha autoestima preencheria o vazio que me aflige”.


“Riqueza sem sabedoria, eis a armadilha que devo evitar”, repetiu o Pregador. Com diligência, já que cautela não faz mal a ninguém, ele juntou, juntou, até que foi eleito o mais rico do país. Deu entrevista. Apareceu ao lado dos fidalgos. Conheceu os bastidores da fama. Até que um dia, de madrugada, no trajeto entre a festa e a casa, sentiu no peito um buraco sem tamanho, que lhe trouxe de volta ao solilóquio do desespero: “Tudo foi inútil, foi correr atrás do vento; não há qualquer proveito no que se faz debaixo do sol”.


O Pregador se viu patético. Notou que sabedoria e estupidez se misturam na alma de homens e de mulheres. Outros antes dele correram atrás do sossego de reis e rainhas; e percebeu que quem entrou nessa esparrela acordou para o tamanho da idiotice tarde demais.


Para escapar, deu as costas ao caminho do poder e da fama. Arrependido, deixou-se converter pela sabedoria. Mesmo intuindo que no círculo da vida, tolos e sábios convivem muito próximos, desejou a lucidez. Viu que os desejos governam os tolos e os simples se deixam levar pelos instintos. Dois passos depois de abjurar os antigos caminhos, o Pregador se constrangeu, traído pelo mesmo antigo desgosto: “Se justos e ímpios têm a mesma sorte, para que a diligência de saber? A vida se esgota em sua inutilidade, a busca de sentido é engano da mente. Na cova, a lembrança de bons e maus jaz, efêmera. Bastam algumas gerações para que qualquer nome talhado no mármore se desgaste”.


Restou odiar os roteiros que impôs a si mesmo. Ao aborrecer tais roteiros, sentiu asco pela vida. “Como saberei se minha herança ficará para o sábio ou o néscio? Trabalhei feito um animal de carga para que? Como desperdicei tempo, como enganei a mim mesmo. Certo dia vi dois adolescentes brincando na propriedade de um homem rico. Pensei: ‘esses meninos nunca trabalharam, nunca suaram uma gota, mas desfrutam da fortuna de alguém que se desgastou nas cadeias do tédio. O homem morreu; nem ele nem os meninos se conheceram, e jamais se encontrarão’”.


A vida reveza turnos, noite e dia, sem deixar ninguém esquecer o enjoo que afligiu o Pregador. Não se deve poupar a repetição: Tudo é vaidade. Se de pecar ninguém escapa, se perceber culpa passou a ser sinal de sanidade, se saber-se são desemboca em loucura, eis o juízo divino que condena a todos.


“O melhor mesmo”, concluiu o Pregador, “é comer, beber e encontrar prazer no trabalho; e encarar esses momentos não com gravidade, mas reconhecendo como presentes de Deus”. A sabedoria que Ele quer dar, consiste em viver cada momento com leveza. O pecador continua a juntar uma riqueza que não desfrutará, mas que por fim sobrará para que algum justo a possua. Felicidade pode significar uma boa conversa ao redor da mesa sem ter que medir as palavras ou um brinde sem olhar de soslaio ou talvez um café, sem precisar guardar as costas de punhaladas.


Contudo, nada basta para aplacar a náusea de existir. Herdar, sentir-se vingado, reconhecido ou preferido pelo Divino não cala o clamor do Pregador (que somos todos nós): “Tudo é inútil. Tudo é correr atrás do vento”.


Soli Deo Gloria


Por Ricardo Gondim

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