quinta-feira, 29 de março de 2012

ESTRANHO ÍNTIMO MEU

Experimentar Deus é algo um tanto complexo. Como que alguém pode interagir com o Eterno Mistério? Como ser interlocutor do Invisível, daquele que nos escapa às palavras, daquele que está para além de nossas ideias ao seu respeito? Com que Deus nos encontramos quando oramos? Nós nos encontramos com Deus ou com nossas representações de Deus?


Fico admirado com a “intimidade” melosa de alguns religiosos com o seu deus, que para mim se assemelha mais a uma blasfêmia. Chega-se diante de um Deus que se conhece a priori. Chega-se diante de um Deus que já foi formatado, sistematizado, categorizado, como se Deus fosse um fenômeno que pudéssemos capturar. Por isso em alguns meios religiosos, a apreensão da “Verdade” é idolatrada!


A grande confiança está nas representações que se tem de Deus. Os encontros com Deus são ancorados nas ideias que se tem ao seu respeito, e assim acaba-se chegando diante de um ídolo. Sobre a parábola do fariseu e publicano, Rubem Alves diz “o fariseu ajoelhou-se diante do Deus verdadeiro e orou a um ídolo. O publicano ajoelhou-se diante de um ídolo, e orou ao Deus verdadeiro”.


Qual o lugar das representações, das imagens de Deus? Qual o lugar da teologia? As ideias que temos a respeito de Deus são importantes para o diálogo entre nós; são símbolos e signos que viabilizam os relacionamentos. As representações que temos de Deus modelam a nossa moral e ética e desenham a nossa cosmovisão. Mas as nossas representações de Deus não são Deus. A nossa teologia é importante para a nós, mas ela não é Deus.


É óbvio que sempre teremos que lidar com imagens de Deus, e que elas sejam cada vez mais geradoras de humanidade. Dizer que Deus é o Mistério não deve cessar as nossas conversas. Lembro-me de Leonardo Boff quando diz que Deus não é o limite de nossa razão, mas o ilimitado de nossa razão. As imagens sobre Deus sempre teremos, no entanto, precisamos ser iconoclastas; as representações de Deus devem ser derrubadas vez por outra. Vez por outra precisamos suspender as nossas ideias sobre Deus, principalmente quando se fala em oração.


Penso que na oração, chegamos sempre diante do Estranho; daquele que eu não sei quem é. Eu chego sempre diante do Outro. Nós estamos diante do “Não sei!”, do Imponderável, como diz Jean-Yves Leloup, do “Nada do Tudo cuja Causa é Ele”.


Eu me simpatizo com a teologia de Gilberto Gil em sua canção “Se eu quiser falar com Deus”: Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que me aventurar/ Tenho que subir aos céus/ Sem cordas pra segurar.


Penso que seja assim. Se eu quiser falar com Deus eu preciso derrubar as imagens de Deus, desvencilhar-me dessa confiança na ortodoxia tão cara aos fundamentalistas; soltar as cordas de uma piedade que “capturou” Deus como fenômeno. Eu preciso soltar a âncora vaidosa do tecnicismo, do pragmatismo, do cientificismo e do racionalismo. Em entrevista a Revista Cult, Mateus Nachtergaele disse algo que achei genial: “acreditar em Deus é matar Deus. Você não tem que acreditar naquilo que existe. O que é é. Ponto.” Para lembrar de Gianni Vattimo, eu preciso considerar frágil e débil minhas verdades sobre Deus.

Eu posso me permitir à aventura de adorar a Deus em espírito. “Em espírito” não é “em transe”. Não! “Em espírito” é como vento, como um pássaro selvagem que voa, voa livre de qualquer confiança em verdades.


Isso não nos lança num desespero? Sim, maravilhoso desespero e estranhamento, pois é um salto no escuro, é subir sem cordas para segurar, é velejar na contingência do oceano, é se aventurar nas profundezas do abismo. Mas e daí, se é Nele que “nós vivemos, nos movemos e existimos”? O nosso vazio, ânsia, busca acontecem em Deus, e não a parte de Deus.


Quem garante o Encontro não são minhas verdades a respeito de Deus, quem garante o encontro é a graça de Deus. O chão, o ar, o oceano, o abismo onde nos aventuramos em oração e adoração são a graça de Deus. O Encontro é possível porque o Sagrado, transparente a tudo e a todos, nos busca.


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