sábado, 12 de novembro de 2011

Rm 9.15



R. C. H. Lenski



Pois (γάρ) diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia.



Yάρ não visa provar a afirmação de que não há justiça da parte de Deus nestas promessas, pois o que segue não é prova, nem o axioma da justiça de Deus exige prova. Nem γάρ elucida, pois o que segue não é elucidação ou explicação, e por que um axioma precisaria de mais elucidação? Este γάρ introduz uma palavra que foi dita pelo próprio Deus a ninguém menos que Moisés, uma palavra que vai muito além dos dois exemplos de promessas mencionados nos v. 9-12, uma palavra que abertamente afirma que, não somente em um ou dois casos Deus tem agido de tal maneira que mentes levianas poderiam ver injustiça em sua ação, mas que ele sempre age assim com respeito aos homens, que este é o próprio princípio de sua ação. Yάρ é algumas vezes usado simplesmente para confirmar; é o que ele faz aqui: “Sim.” Esta palavra dita a Moisés, o mediador da antiga aliança, permanece para sempre e excede até mesmo os exemplos citados da história patriarcal.


Sim, ele declara a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia (Êx 33.19). No grego, o primeiro verbo é transitivo: “Compadecer-me-ei de quem me compadecer.” Isto não é uma tentativa de diminuir o tom, justificar, fazer apologia; é exatamente o contrário, é uma afirmação pela qual se pretende ser extrema até o próprio ponto de aparente injustiça.


Mas o próprio fato que Deus afirma (λέγει) e pronuncia isto em uma sentença solene que vai muito além de qualquer dedução que nós ou Paulo pudéssemos fazer das promessas de Deus, estabelece a questão mais vigorosamente do que nunca. Sim, Deus estaria deliberadamente declarando a Moisés que a injustiça é o princípio que rege todas as suas ações com respeito aos homens! Ao que parece, essa é uma declaração impossível. O próprio fato que Deus declara isto a respeito de sua misericórdia fica estabelecido para sempre que, ao estender sua misericórdia como ele faz, nenhuma sombra de injustiça poderia possivelmente estar envolvida. Essa é uma grande vantagem de afirmar um princípio usando tal linguagem decisiva – ela literalmente esmaga e liquida todas as deduções equivocadas, embora elas possam ser feitas de apenas poucos atos com aparência de correção. Neste sentido Paulo cita a palavra de Deus dirigida a Moisés. O pensamento é este: Pereça o pensamento de injustiça! Sim (γάρ), Deus mesmo diz a Moisés o que vai além, muito além das duas promessas com as quais fez de Isaque e Jacó os próximos patriarcas depois de Abraão!


As duas afirmações significam a mesma coisa; a adição daquela sobre o compadecimento àquela sobre a misericórdia enfatiza o grande princípio. Os dois verbos gregos são como seus equivalentes hebraicos chanan e cicham, a única diferença sendo que estender misericórdia inclui tanto motivo quanto o ato resultante e compadecer se confina ao motivo. Sobre ἄν com sentenças relativas indefinidas, veja R. 958, etc.; quando o indicativo é usado em sentenças como no v. 18, ἄν não é necessário; obviamente, quando ἄν (= ἐάν) é usado, a sentença tem o subjuntivo como no v. 15. Ser misericordioso e compadecer devem aqui ser tomados no sentido mais amplo e, dessa forma, não em distinção a mostrar graça, mas como envolvendo graça. Pois esta misericórdia e esta compaixão são o favor Dei imerecido que é habitualmente especificado como χάρις ou “graça.”


“Compadecer-me-ei de quem me compadecer” significa “Eu não exigirei obras,” v. 11, pois então nenhuma misericórdia jamais seria demonstrada, pois ninguém é capaz de prover as obras necessárias. A extensão da misericórdia deve necessariamente ser de forma total e completa ἐκ τοῦ καλοῦντος, deve emanar unicamente daquele que oferece a misericórdia. Veja Ef 2.3, 4. Misericórdia e obras excluem mutuamente (Rm 11.6, onde a palavra usada é “graça”). Nos v. 4-12 tudo é visto com referência à ideia de promessa; aqui é visto com referência à ideia de misericórdia. Tudo que é listado nos v. 4, 5 era pura misericórdia aos israelitas; tudo que os cristãos, judeus e gentios, agora têm é a mesma pura misericórdia. A “compaixão” torna tudo isto ainda mais forte. Como a compaixão poderia exigir obras? A misericórdia, e ainda mais, a compaixão são evocadas pela condição miserável daqueles que perderam tudo e estão mergulhados em desgraça. Em Deus ambas as qualidades são perfeitas. Este é um outro ponto importante.


O Calvinismo desconsidera isto. Ele acredita que Deus estende misericórdia e compaixão a apenas alguns dos miseráveis e perdidos. Para a grande massa dos miseráveis, Deus não tem nenhuma misericórdia, nenhuma compaixão, mas apenas julgamento, condenação. Impiedosamente, inclementemente ele os deixa perecer em sua miséria; sim, decreta que eles assim pereçam. Na misericórdia e compaixão, a bendita qualidade que torna cada uma o que ela realmente é em Deus, a resposta de sua natureza à miséria do homem e de forma nenhuma resposta às suas obras, é substituída por uma soberania peculiar. Isto é feito colocando uma ênfase restritiva peculiar nas afirmações relativas: “de quem me compadecer – de quem eu tiver misericórdia.” Estas sentenças deixam de significar que Deus não permitirá que ninguém possa restringi-lo no exercício de sua misericórdia e compaixão, restringi-lo a homens e obras que eles supõem ter, ou pretensões e direitos (tais como nascimento físico) que eles imaginam serem seus. Elas são tomadas com o significado de que Deus pretendia mostrar misericórdia e compaixão somente aos poucos escolhidos por Deus de forma absoluta. O fato que tal soberania em Deus seria a própria personificação da iniquidade e injustiça é afastada pela simples negação calvinista e por pretextos como aqueles que Deus não deve nada aos não-eleitos.


A verdadeira soberania ligada à misericórdia e compaixão de Deus é que ele a estende a quem ele quer, desimpedida, irrestrita de limites que os homens possam estabelecer, despreocupada das acusações de injustiça que o raciocínio insensato dos homens possa preferir. Nesta bendita soberania, ele planeja o que fará de forma que o excelente propósito de misericórdia e compaixão seja atingido até o máximo entre os homens. A que ponto vai sua misericórdia, muito além do que os homens pensariam ser possível, vemos presentemente em seu tratamento dos obstinados que desprezam sua misericórdia e tentam interferir em sua operação. Não há nenhuma soberania que possa restringir a misericórdia e compaixão em Deus, nenhuma soberania que possa dispor impiedade e inclemência ao restante e misericórdia e compaixão a alguns. Há somente a soberania que destroi as restrições que os homens pensam ser estabelecidas pelas suas obras, etc., ou pelos decretos eternos secretos de Deus.


Quando Deus despejou sua misericórdia sobre Israel (v. 4, 5), ele inaugurou o plano para enviar Cristo e salvação ao mundo (Gn 18.18, “todas as nações da terra”). Esta vasta e irrestrita misericórdia era o propósito da primeira aliança com Abraão. Quando Deus fez de Abraão, Isaque e Jacó os três patriarcas desta aliança, ele os fez, não meramente em prol deles mesmos, mas de todos aqueles a quem esta aliança poderia possivelmente estender. Ismael teve a aliança em seu pai e seu meio irmão ao mesmo tempo em que recebeu o sinal da aliança da circuncisão (Gn 17.26). Esaú teve a aliança da mesma maneira. O desígnio soberano de Deus fez sua misericórdia e compaixão se estenderem até o máximo.


Fonte: The Interpretation of St. Paul’s Epistle to the Romans


Tradução: Paulo Cesar Antunes




Vi no http://www.arminianismo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1304:r-c-h-lenski-rm-915&catid=239&Itemid=38

0 comentários: