segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O poder de quem abriu mão do poder





Tentando de um jeito bastante confuso expor meus pensamentos políticos, sentado com alguns amigos frente a uma lanchonete, disse com algum desânimo que o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.



– E Deus – replicou um amigo, discordando de modo categórico –, Ele é o detentor de todo poder e autoridade.


O interessante dessa questão, é que em nosso contexto capitalista, essa afirmação se torna contundente. Mas, apesar de nossa sociedade – inclusive as igrejas – abraçar com todas as forças esse sistema, o Evangelho grita veementemente contra esse principio. Não só nos evangelhos, mas em todo momento, tanto no Novo quanto no Antigo Testamento, vemos uma constante subversão da parte de Deus. O poder é divino só pela origem; no seu exercício segue os mecanismos de todo poder profano com seus mecanismos de segurança e de controle (Boff, 2006).


No Antigo Testamento vemos Deus andar em consonância com gente como Abraão, que demonstra ter uma moral inferior à dos adoradores do sol. Fica do lado de gente como Jacó, que engana o irmão descaradamente. Perde tempo tentando convencer Moises, um gago com antecedentes criminais, a guiar um povo escravizado numa terra alheia. Deus acerta os ponteiros com murmuradores ruidosos como Jó, assassinos como Davi, etc., mas, em nenhum momento Deus se deixa se compactuar com altivos, presunçosos e arrogantes. Deus trabalha ao lado do fraco, do incapaz, daqueles que recusam o chamado, pois, só os que rejeitam o poder estão aptos a geri-lo.


Os israelitas é o povo que mais dilataram a revelação de Deus, quando o povo era apenas povo. E esse povo foi escolhido não por que era a melhor nação ou a mais bem sucedida, muito pelo contrário, eram escravos. E Deus age no meio desse povo não como um senhor soberano e dominador, não! Deus intervém na história como um libertador. O agir de Deus no mundo é sempre um ato de libertação. E seu olhar diante do governo é sempre um olhar de reprovação. Moises foi escolhido para ser o porta-voz de Deus, guiando os israelitas até a terra prometida, e não para manter domínio e autoridade sobre os mesmos. Diante da leitura do Pentateuco vemos que Deus levantou Israel para ser como espelho para os outros povos, e foi estabelecido para ser uma nação única na terra, e não um estado à parte. Um dos ditames da Lei era para não se juntar aos outros governos, mas, caso eles quisessem manter vínculo, que os israelitas os recebessem passivamente. Pois bem, Israel não só quiseram manter conexão, como também quiseram um governo como os outros estados. Diante de pessoas com consciência mais elevada – como Samuel –, isso foi uma violação, uma atitude retrógrada. Diante de Deus, a atitude foi como uma total rejeição.


A partir de então, a Lei – que tinha como Moises seu devotado patrocinador –, não estava sendo o suficiente para guiar o povo. E Deus coloca em cena agora uma comitiva de profetas, que tem como missão denunciar a corrupção do poder estatal. Os profetas – tendo Elias como seu representante fiel –, geralmente é aquele que fala o que todo mundo tá vendo, mas ninguém tem coragem de arrazoar. A maioria de suas acusações sempre bate de frente com o rei. Sem dó e sem piedade, o profeta é aquele que fala em nome de Deus, e decididamente traz juízo sobre o poder centralizado. O próprio Davi é um dos maiores exemplos; homem segundo o coração de Deus, autor de poesias magnificas, e ao mesmo tempo, um homem truculento, homicida, péssimo pai e vingativo. Não escapou do juízo de Deus por seus abusos de autoridade.


As discursões sobre o poder não tem fim. Thomas Hobbes (†1679), teórico sobre a lógica do poder de estado, diz em seu famoso Leviatã que os homens em geral têm a tendência perpétua de desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte. E a razão disso não é a espera de um prazer mais intenso, mas, simplesmente no fato de que o poder só pode ser garantido na busca de mais poder. O principal motivo para o rompimento do psicanalista Adler com Freud foi por achar o poder e não o prazer (a libido) a pulsão central da psique. A famosa frase de Emerich Edward Dalberg-Acton (†1902) “O poder tem a tendência de se corromper e o absoluto poder a se corromper absolutamente”, sempre citada em contextos de corrupção, é uma verdade histórica incisiva.


Deus sempre trata o poder e os poderosos com um orgulhoso desdém. Diz o salmista que: “Embora o Senhor seja excelso, atenta para o pobre e humilde, mas ao soberbo, o rico e o dominador, os rejeita, pois conhece de longe”. No Evangelho de Lucas, todos os ricos são aferidos com julgamentos ironicamente perturbadores. Jesus se mostra nos Evangelhos como um Deus único, singular, ímpar e totalmente imprevisível, chegando ao ponto de retirar de si todo o manto que o determinava como um deus – tradicionalmente concebido pela historia. Jesus é um Deus que rejeita ser deus, sendo assim o verdadeiro Deus. Paulo disse que Cristo se esvaziou, assumindo forma de servo e a si mesmo se humilhando, admitindo que a humildade de Cristo é a sua gloria. E por esse motivo, o nome de Jesus está acima de todo nome.


Tratando o nosso mundo de forma irônica – pois, não há outra forma de abordar um mundo decaído como o nosso –, Deus vira todos os valores concebidos por nós de cabeça papa baixo. “O maior é aquele que mais serve”, “aquele que se humilha é que é verdadeiramente exaltado”, “quando estou fraco é ai que sou forte”, “a sabedoria dos homens é loucura pra Deus”, e a lista não para aqui, deixando a entender que o poder, na verdade, está nas mãos daqueles que rejeitam no encosto da simplicidade, na doçura da naturalidade.


Diante disso, nem sempre notamos esses princípios adotados no Antigo Testamento, pois, Deus geralmente é ofuscado por revelações deficientes e desajeitadas. Sobremodo, Deus só é verdadeiramente revelado em sua totalidade na pessoa de Jesus. Nem Abraão, nem Moises, ou Davi, ou Elias, conceberam a revelação de Deus fielmente. Somente na pessoa de Cristo a revelação foi filtrada com total pureza. Não é por acaso que Paulo afirma que a Lei é sombra das coisas que haveriam de vir, ou um escravo, que serviu apenas para nos guiar ao nosso Pai. Jesus é nosso modelo de subversão.


Por Lindiberg de Oliveira


Vi no http://ferazaoegraca.blogspot.com/2011/11/o-poder-de-quem-abriu-mao-do-poder.html

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