sábado, 15 de outubro de 2011

PERCEPÇÕES DE UMA IGREJA PARA HOJE





Ninguém expressa espiritualidade sem a materialidade. Ninguém demonstra materialidade, sem espiritualidade alguma.

 
Mas diante dos absurdos, das manipulações, da religiosidade falsa e opressora que objetiva o lucro, ficamos confusos em compreender como uma igreja que simboliza o corpo de Cristo pode ter alguns adjetivos nada cristãos?

 
Para melhor justificar o contrassenso entre a os fatos e o ideal, dividimos a realidade e falamos em igreja visível e igreja invisível. Uma tentativa de comprovar a possibilidade de uma igreja imaculada.

 
A questão é que a igreja é o que é.



Temos um distanciamento entre aquilo que compreendemos de igreja e a maneira como expressamos isto e, consequentemente quais as ferramentas que utilizamos para que ela exista.

 
Uma igreja espiritual que não se vê não existe.



O que existe é uma única igreja, porém como tudo o que tange ao humano, uma igreja complexa. Não podemos acreditar na possibilidade de uma igreja inumana, só existe a humana. Se humana, temos tudo que o humano apresenta: bondade e maldade permeada.

 
Portanto, o grande desafio para a igreja hoje, é torná-la mais próxima possível daquilo que se pensa sobre como deve ser uma igreja que segue a Cristo. Não trabalhar estas questões é condená-la à falência.

 
Para nada serve uma igreja que faz o discurso de igreja celestial, que exige de seus membros que se adéquem a este discurso, mas que não o torna possível à realidade terrena, não tange o humano.



Falar em santidade e perfeição, no sentido de impecabilidade, inculpável e sem erros e descrever isto como a única realidade aceita para os salvos, é condená-los a uma vida impossível e excluir a todos da igreja.



Devemos reconhecer e admitir-nos e seguir em busca de um crescimento e maturidade espiritual, mas de uma legítima e verdadeira expressão de quem somos e como estamos. Nisto, perceber o grande amor de Deus, trabalhando em nós pelo seu espírito, para que vivamos uma vida justa, sóbria e piedosa. Mas conscientes de que não existe uma igreja desencarnada. Igreja como espaço para ser gente. Não um espaço que exige desumanização.



Diante disto, pensei em algumas questões que diferentes campos do saber têm refletido, e que são pertinentes ao tempo em que vivemos e capazes de nos ajudar.

 
Como uma igreja pode melhor harmonizar aquilo que se entende como igreja, com aquilo que se é como tal. Uma instituição, mais adequada à realidade?



- A igreja precisa de constantes reformas.

 
Aqueles paradigmas que se arrastam pelo tempo, aos quais se exige que as pessoas os aceitem, para que se configure uma igreja, precisam ser abandonados e hoje, ela precisa provocar mudanças nas estruturas teológicas e de paradigmas. Ela não pode considerar-se detentora da verdade e de um projeto perfeito, no qual todos se sujeitem. A verdade não pode ser uma ditadura e a igreja não pode achar que sabe o suficiente para a vida das pessoas e tem todas as respostas. Deve sempre estar em busca, nunca chegar a um patamar de conclusão de si mesmo.



Em função disto, ela se mobiliza nos seguintes fatores:



- Mudar sua compreensão pedagógica.

 
A igreja não detém todo o saber, por isso não pode arrogar-se o direito de ser uma instituição que ensina, mas humildemente colocar-se como uma instituição discípula, quer dizer, sempre aprendendo.

 
Uma instituição que ensina, pressupõe possuir todos os conteúdos pelos quais seus membros devem viver e trilhar, o problema é que normalmente os conteúdos são fixistas e a vida não. Em um dado momento, aqueles conteúdos para nada mais servirão, a não ser compor uma estante empoeirada de gabinetes pastorais.

 
A vida é a matéria-prima de uma igreja. As pessoas são os livros teológicos, por isso aquilo que acontece com a vida de seus membros ensina-la-á quanto ao que deve colocar em seu ensino. Jesus disse que poderíamos aprender com os filhos das trevas, com o mordomo infiel, e o sábio da antiguidade nos alerta que podemos aprender até com as formigas, abelhas e aranhas.

 
Não deve mais ser um projeto pronto e conduzir as pessoas a aderi-lo, mas deve a partir das próprias pessoas construir um projeto. Se a igreja não for construída coletivamente, ela produz a alienação de seus membros e dependência infantil



- A igreja precisa focar seu objetivo na busca pela autonomia das pessoas.

 
A nova aliança nos informa que as pessoas teriam a verdade de Deus em seus corações. Cada um saberia o que precisaria fazer e ser. A igreja deve então, se somar ao Espírito Santo confiando de que Ele de fato escreveu a Lei Áurea nos corações das pessoas e portanto elas podem amadurecerem e serem autônomas.

 
Não temos problema em conhecer o que é certo e errado, bom e ruim, todas as pessoas sabem. O problema está na autonomia, isto é, colocarmos em prática aquilo que sabemos.



- A igreja deve reconhecer as diversidades e diferenças.

 
Existem diferenças conceituais e modelos mentais, que originam as diferentes interpretações da vida e fazem da vida o que ela é. A vida é diversa e complexa. Ela não se resume em escolher a alternativa correta entre duas opções.

 
A igreja não pode se colocar como dona da verdade e única opção entre tantas coisas no mundo.

 
- Ser transparente quanto às suas realizações.

 
Ela precisa saber deixar claro o que está fazendo, pensando e objetivando como igreja.

 
Deixar claro o objetivo da igreja, e os valores que a norteiam, desenvolvendo e estimulando cada vez mais a comunhão, e as realizações conjuntas. Esta é a principal ferramenta do evangelho.



- Ser crítica de si mesma a partir do todo.

 
A autocrítica é muito volúvel ao grau de autoestima, por isso ser crítica é aprender a ouvir a partir de onde a vida acontece.

 
Ser motivo de piadas e chacotas por pessoas de fora é um fator norteador para uma crítica de si mesmo. Se numa sociedade, as pessoas ao lidarem com a vida, veem a necessidade da igreja como irrelevante, ou a última opção dentre muitas alternativas, este é um fator a ser considerado para criticar a si mesma a partir do todo.



- Verificar sua dinâmica de relacionamentos

 
As relações que mobilizam a igreja devem ser por influência (relações de amor) e não por hierarquia quer de cargo, função ou de saber. Para isso se requer transparência, honestidade, abertura de mente, confiança, bom senso e principalmente humildade. No máximo a hierarquia deve ser utilizada para distribuir responsabilidades e não separar ou discriminar pessoas. O uso do poder para conduzir processos, sempre implica a anulação do outro. A hierarquia desequilibra as relações.



- Pronta para ouvir e tardia para falar.

 
Precisa ouvir seus membros para saber se, como igreja, está fazendo diferença na vida das pessoas. Esta é a retroalimentação da igreja. Sem isto, ela não justifica sua própria existência.

 
A igreja do século XXI se dispõe a aproveitar a inteligência, o conhecimento de seus membros para a construção de uma identidade pertinente ao lugar onde está inserida. Ela respeita a vida e concilia-a com os anseios e necessidades existenciais de cada um. Deve ser conciliadora entre o bem comum e os interesses individuais. Ela não decreta a verdade, produz. Não exige submissão aos conteúdos, ela dialoga, convence.



A igreja para hoje, deve penetrar na realidade humana viva e a partir dali ver como o evangelho se aplica.



Uma igreja que ouve os anelos de seus membros, pode melhor atender seus anseios e ajudá-los a superar seus problemas e com isto elevar o grau de satisfação com a própria igreja.

 
Quando falo em ouvir seus membros, alguns logo pensam em assembleias, votos e coisas semelhantes. Ouvir, não é um método ou uma técnica, mas um acolhimento da realidade. Ouvir os dilemas, as lutas, as alegrias. Ouvir quais são os enfrentamentos cotidianos e quais as ferramentas disponíveis para lidar com eles.



Enfim, estas questões, fazem muito sentido para meu olhar para o mundo. Se são possíveis, praticáveis ou devaneios, saberemos um dia.



Eliel Batista.
 
 
 

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