quarta-feira, 1 de abril de 2009

Salvação e a Vontade

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Salvação e a Vontade
Quando diante dessa evidência clara para o livre-arbítrio do homem, o calvinista recua e admite que o homem tem livre-arbítrio, mas não para a aceitação da salvação. Lutero dizia do homem: “Em relação a Deus, e tudo que diz respeito à salvação ou danação, o homem não tem ‘livre-arbítrio.’”[1] Se alguém discorda desta tese, as velhas acusações familiares de negar a salvação pela graça são disparadas novamente:

Quando a noção arminiana do livre-arbítrio é levada à sua conclusão lógica, faz o homem ser o seu próprio salvador e nega a obra necessária e miraculosa do Espírito Santo na regeneração.[2]

As idéias da livre graça e do livre-arbítrio são diametralmente opostas. Todos aqueles que são defensores do livre-arbítrio são estrangeiros para a graça do soberano Deus.[3]

Uma maneira que os calvinistas procuram se livrar da idéia do livre-arbítrio referente à salvação é pelo uso do termo cognato porém um tanto ambígüo “livre-argência”:

O homem é um agente livre. Mas o homem não tem livre-arbítrio.[4]

Em livre-agência podemos acreditar, mas o livre-arbítrio é simplesmente ridículo.[5]

Outros calvinistas, da mesma forma, mantêm esta dicotomia.[6] Palmer explica a diferença: “O termo livre-agência tem sido usado em teologia para designar que um homem é livre para fazer o que ele quer fazer; e livre-arbítrio tem sido usado para indicar a espécie de liberdade que ninguém tem – a saber, a capacidade ou liberdade para escolher entre o bem ou o mal, ou crer em Cristo ou rejeitá-lo.”[7] Entretanto, como é o caso com a maioria dos mais distintos pontos do Calvinismo, há muita discórdia entre os calvinistas. Alguns introduzem um outro termo: “agente moral livre.” O teólogo Charles Hodge explica que “a doutrina da incapacidade do homem, por conseguinte, não assume que o homem cessou de ser um agente moral livre.”[8] Mas isto está em contradição com o que o batista radical Eddie Garrett alega: “Antes da queda, Adão era um agente livre. O homem é um agente livre agora, e ele será um agente livre na eternidade. Mas o homem é uma criatura caída, totalmente depravada, por essa razão ele não é um agente moral livre e não tem livre-arbítrio.”[9] Pink igualmente rejeita ambos, livre-arbítrio e livre-agência: “‘Agência moral livre’ é uma expressão que o homem inventou e, como foi dito anteriormente, falar da liberdade do homem natural é, de maneira direta, repudiar a ruína espiritual.”[10] Mas Talbot and Crampton diferem: “Manter que o homem não tem agência moral livre seria alegar que ele nunca poderia fazer qualquer escolha. Isto seria absurdo.”[11] Todavia Pink insiste a respeito do homem que “afirmar que ele é um agente moral livre é negar que ele é totalmente depravado.”[12]

Esta distinção entre livre-agência e livre-arbítrio leva alguns calvinistas a fazerem algumas curiosas declarações sobre o homem e seu livre-arbítrio:

Ele é livre para se virar para Cristo, mas não é capaz.[13]

É sua decisão escolher ou rejeitar Cristo mas não de seu próprio livre-arbítrio.[14]

Mas seja livre-arbítrio, livre-agência, ou agência moral livre, o resultado continua o mesmo: o pecador não regenerado tem a incapacidade de aceitar Cristo de seu próprio livre-arbítrio. Se o homem não pode crer, então como ele pode ser considerado responsável por não crer? Pink tem a resposta: “Em e de si mesmo o homem natural tem o poder de rejeitar a Cristo; mas em e de si mesmo ele não tem o poder de receber a Cristo.”[15]

Não somente o calvinista insiste que a vontade do homem pode somente agir de acordo com sua natureza, ele também erra em relação à função da vontade. Da mesma forma que a posição “arminiana” foi deturpada em relação às influências da vontade, o calvinista espalha o falso ensino que seus oponentes supostamente acreditam:

Os corações dos homens são tão vis, que é absolutamente impossível que algo santo possa sair deles. Eles não podem mais mudar sua natureza através de um esforço da vontade mais do que um leproso pode curar-se por sua própria volição.[16]

À parte da graça soberana de Deus, o homem é absolutamente incapaz de salvar-se. Ele não tem nem a vontade nem o poder de mudar seu vil coração.[17]

Ele não pode renovar sua própria vontade, mudar seu próprio coração, nem regenerar sua natureza má.[18]

Mudar sua natureza? Regenerar a si mesmo? Nenhum não-calvinista jamais disse que alguém, exercendo seu livre-arbítrio, pode mudar sua natureza ou regenerar a si mesmo. Tudo que a afirmação de que o homem tem livre-arbítrio significa é quanto à questão da salvação, que ele tem a capacidade de responder à palavra de Deus e à convicção do Espírito Santo. O fato de que muitos homens escolhem rejeitar a Cristo e permanecer em seus pecados mostra a extensão da depravação do homem, mas não muda o fato de que o homem tenha livre-arbítrio para agir de forma contrária. Um homem é somente livre se ele for capaz de ter escolhido de forma contrária. Se um calvinista quer dizer que o homem pode somente escolher o menor de dois males, então está bem. Neste caso, aceitar Jesus Cristo seria um mal menor do que ir para o inferno. Porém, o calvinista responde que medo não é um motivo apropriado. Todavia, para um culpado pecador encarando a possibilidade de sofrer uma pena eterna, o medo é um motivo muito saudável.

Há dois pilares sobre o qual repousa a idéia de que o homem não pode aceitar a Jesus Cristo de seu próprio livre-arbítrio:

Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1.13).

Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece (Rm 9.16).

Estas duas frases, “nem da vontade do homem” (Jo 1.13), e “isto não depende de quem quer” (Rm 9.16), são aplicados sem exceção pelos calvinistas para a vontade do homem para receber a Jesus Cristo. Manford Kober sustenta que “se os dois versos provam alguma coisa, é que o homem não tem livre-arbítrio quando se trata de salvação.”[19] O modo que isto é feito é um procedimento padrão pelos calvinistas. Eles fazem tirando uma palavra ou frase fora de seu verso e fazem-na dizer o que quer que eles queiram. Uma palavra ou frase pode ser usada para provar qualquer coisa se ela for separada de seu contexto.

O verso de João não pode ser examinado sem notar o contexto:

Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1.10-13).

Os calvinistas geralmente listam o verso treze como uma referência depois de declarações como esta de Custance: “O que poderia possivelmente ser uma declaração mais clara do que esta do fato de que a salvação é concedida a um seleto grupo que são concebidos pelo Espírito Santo e nascidos de novo pela vontade de Deus apenas.”[20] Pink comenta: “A vontade do homem natural é oposta a Deus, e ele não tem nenhuma vontade por Deus até que ele seja nascido de novo.”[21] O que os calvinistas estão querendo dizer é que um homem tem a incapacidade de receber a Cristo por seu próprio livre-arbítrio. Essencialmente, o que os calvinistas têm feito é tirado a frase “o receberam” fora do verso doze e substituíram-na por “nasceram” no verso treze. Isto nos dá: “Os quais não o receberam do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” Mas o verso treze está nos dando a fonte do novo nascimento, não a razão por que os homens recebem a Cristo. A fonte do novo nascimento é dada três vezes negativamente antes de uma, positivamente. Qualquer um que seja nascido de novo é dito ser nascido de Deus com a exclusão de três coisas. O novo nascimento não é “do sangue.” A fonte do novo nascimento não é regeneração física, herança, ou descendência natural. O novo nascimento não é “da vontade da carne.” A fonte do novo nascimento não é reforma, auto-desenvolvimento, ou auto-esforço. O novo nascimento não é “da vontade do homem.” A fonte do novo nascimento não é parentes, pregadores, ou sacerdotes. A negação tripla enfatiza o fato de que a fonte do novo nascimento é “de Deus” e não do homem. E por que Deus dá a alguém o novo nascimento? Deus dá o novo nascimento a “tanto quantos o receberam.” O novo nascimento é obra de Deus, mas receber a Cristo é a parte do homem.

O próximo fragmento de um verso é de Rm 9, mas novamente o contexto deve ser examinado:

Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece (Rm 9.15-16).

Ao comentar o verso dezesseis, os calvinistas invariavelmente colocam a frase “não depende do que quer” para o desejo do homem para receber a salvação:

Deus verdadeiramente governa sobre todos de forma que a salvação é completamente dependente dele.[22]

Nem deve a salvação do pecador ser de alguma forma atribuída à docilidade do coração ou à aplicação do uso de meios.[23]

A aplicação da salvação é toda da graça e é efetuada somente através do imenso poder de Deus.[24]

Esta frase até apareceu na primeira página do livro de 1754 de Jonathan Edwards Freedom of the Will.[25] Mas por que Deus falou o verso quinze para Moisés? Ele estava dizendo a ele sobre seus planos de somente ter misericórdia dos “eleitos” e condenar o resto? Deus falou com Moisés depois que ele pediu para ver sua glória (Ex 33.18-19). O pedido de Moisés foi concedido enquanto na fenda da penha (Ex 33:22). A salvação de um “pecador totalmente depravado” não estava sequer remotamente relacionado com este evento. Então o que é que “não depende do que quer”? É a salvação? É a predestinação? A resposta é encontrada exatamente no verso: “mas de Deus, que se compadece.” Isto é reforçado notando o “assim, pois” no início do verso que nos leva de volta ao verso anterior, o sujeito do qual foi a demonstração da misericórdia por Deus. A misericórdia não é meramente uma resposta da vontade do homem ou dos esforços do homem para obtê-la. Ela deve ser recebida sob seus termos e condições. Mas Deus não tem que ter misericórdia de um homem antes que ele possa ser salvo? Sim, certamente ele tem: “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3.5). Mas a misericórdia de Deus não é limitada a apenas os “eleitos”:

Porque assim como vós também antigamente fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia pela desobediência deles, assim também estes agora foram desobedientes, para também alcançarem misericórdia pela misericórdia a vós demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia (Rm 11.30-32).

A misericórdia de Deus não tem que estar relacionada com a salvação. Jesus Cristo demonstrou misericórdia a muitos povos que resultaram em sua cura física, não em sua salvação (Mt 9.27, Mt 15.22, Mt 17.15, Mt 20.30).

O fato de que um homem tem livre-arbítrio para crer em Jesus Cristo para salvação não significa que ele escolherá aceitar a oferta da graça de Deus. Ter livre-arbítrio é uma coisa; usá-lo corretamente é outra. Como Boettner observa: “A natureza caída do homem produz a mais obstinada cegueira, estupidez, e oposição referente às coisas de Deus.”[26] Como conseqüência de sua depravação, o homem não pode fazer qualquer coisa boa que seja fundamentalmente agradável a Deus para que mereça seu favor. Ele não pode exigir que Deus o salve. Ele não pode contribuir para a sua salvação. Ele não pode mudar sua natureza. Ele não pode se salvar. Disto é o que sua “incapacidade” consiste. A Bíblia afirma a capacidade de responder ao Evangelho enquanto em seu estado de depravação: “Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues” (Rm 6.17). A razão dos homens não responderem ao Evangelho não é porque eles têm a incapacidade de agir assim: “E não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).

[1] Lutero, p. 107.
[2] Tom Ross, Abandoned Truth, p. 45.
[3] Best, Free Grace, p. 43.
[4] Bishop, p. 146.
[5] Spurgeon, Free Will, p. 3.
[6] Gerstner, Free Will, p. 10; Storms, Chosen for Life, pp. 36-37; Kober, p. 33; N. L. Rice, p. 75; Best, Free Grace, p. 20.
[7] Palmer, p. 36.
[8] Charles Hodge, Theology, vol. 2, p. 260.
[9] Eddie K. Garrett, “Freedom of the Will?” The Hardshell Baptist, julho de 1989, p. 1.
[10] Pink, Sovereignty, p. 143.
[11] Talbot e Crampton, p. 18.
[12] Pink, Sovereignty, p. 138.
[13] Beck, p. 9.
[14] Gerstner, Free Will, p. 10.
[15] Pink, Sovereignty, p. 128.
[16] Pink, Gleanings from the Scriptures, p. 216.
[17] Steven R. Houck, God’s Sovereignty in Salvation (Lansing: Peace Protestant Reformed Church, n.d.), p. 17.
[18] Bishop, p. 146.
[19] Kober, p. 31.
[20] Custance, p. 188.
[21] Pink, John, p. 30.
[22] Houck, Bondage of the Will, p. 14.
[23] Pink, Gleanings from the Scriptures, p. 226.
[24] Steele e Thomas, p. 55.
[25] Edwards, Freedom of the Will, p. v.
[26] Boettner, Predestination, p. 63.

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