quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Por que não sou Calvinista.

Não plante uma “ Tulip” num jardim reformado.


Richard A. Muller.

A tradução não repete simplesmente o passado, mas desenvolve-o. Os intérpretes cristãos, acima de tudo, deveriam ser pessoas que têm esperança na recriação.

Vincent B. Leitch.

Devo começar com uma confissão, talvez estranha, mas sincera. Acredito que tenha vivido durante muito tempo sob ditaduras, num meio intelectual hostil e desesperadoramente estranho, para que pudesse desenvolver uma certa consciência crítica sobre sistemas. Por que não sou Calvinista? Como que alguém que viveu as convicções do poder judiciário em família, não possa aceitar tal ideologia ? Seja como for, tal experiência me colocou frontalmente numa realidade única: Sou existencialista; deixo o milagre para quando Deus quiser – mas nem isso afirmo. Em vista disso, fui assaltado por dúvidas e comecei a passar o tempo se observando. Como teria certeza sobre a vontade de Deus, se sempre, em minhas conclusões, me deparava com o conflito do meu Jonas interior? (Aqui, me refiro a experiência do profeta neotestamentário com Deus). Portanto, porque não sou um calvinista? A resposta é óbvia: Porque não acredito em mim mesmo – Ao menos, posso dizer que cheguei a essa posição sem rodeios.



Mas chega de nove horas e vamos a teologia. Afinal de contas, não é isso que trata esse blog ? Além do mais, afirmar que exista algum motivo de crer, ou não crer, num descritivo correto sobre algo devido a uma experiência familiar, não seria uma forma de absolutismo epistemológico?



Não sou Calvinista porque acredito que nenhum homem entende as Escrituras perfeitamente, a menos que tenha sido crucificado. Antes de qualquer coisa, deixem-me esclarecer uma objeção. Em primeiro lugar, será que minha abordagem é a de um fundamentalista que anseia por uma certeza subjetiva e incentiva os indivíduos a participarem de uma interpretação teológica carnavalesca? Não exatamente. Ao contrário, abracei um não-realismo crítico que não tende a retirar seu entendimento da verdade apenas de cânones do empirismo científico. Que não se aproxima de Deus somente através de uma interpretação precisa ao seu respeito.Em segundo lugar, será que minha abordagem pressupõe que a verdade da Bíblia está relacionada a sua correspondência com a liberdade de? Não necessariamente. Argumento que os cristãos confrontam a realidade de maneiras diferentes, apesar de muitos não entenderem que são como crianças da era científica ( De maneira irônica, o calvinista foi aprisionado por uma imagem enganadora, e moderna, de significado e verdade). Logo, meus motivos não estão baseados em meus esquemas interpretativos da tradição reformada, não seria tal relativismo auto-refutador ou, no mínimo, incoerente? Mas sim, na virtude teológica reformadora que pressupõe que todas as interpretações são provisórias (semper reformata pressupõe a corrigibilidade de nossas interpretações), e na clareza das Escrituras que prova não possuir nenhum valor absoluto nem uma propriedade abstrata, mas uma função específica relativa a seu objetivo particular: ser testemunha do Cristo.



É verdade que o calvinismo oferece uma maneira de terminar as divagações que com tanta freqüência caracterizam o processo de interpretação bíblica. No entanto, o caminho para dentro não leva para a Terra Prometida, mas de volta para o Egito; a certeza teológica que eles desejam só pode ser alcançada recorrendo-se a algum tipo de autoridade discursiva, intencionalmente incompleta e praticável: As Escrituras nos ensinam, que somos livres para usar, e criticar os sistemas de pensamento e os modelos descritivos – O “ Midrash” também nos ensina isso.



Acredito que os calvinistas estejam certos em sua preocupação de preservar um realismo de significado, e em seu desejo de deixar a Bíblia falar por si própria. No entanto, o realismo deles é um tanto ingênuo por tender a equacionar o significado do texto através de uma epistemologia objetivista. Infelizmente eles esquecem que o conhecimento cristão não é simplesmente uma questão de possuir as descrições certas, mas de ter as disposições certas. As interpretações bíblicas não são verdadeiras, corretas ou justificadas meramente porque alguma tradição acredita que elas sejam assim; precisamos ir atrás de descobertas incomensuráveis, e não de invenções etnocêntricas. Precisamos não simplesmente aprovar, mas continuar a provar nossas interpretações, no sentido de colocá-las à prova. De maneira específica, testamos nossas interpretações, primeiro, submetendo-as a uma epistemologia crística e, depois, entrando em uma conversação mais ampla com outros intérpretes a respeito do texto. Os calvinistas tipicamente abstêm-se do segundo teste, na verdade ignorando completamente o problema hermenêutico. Às vezes, eles dão a impressão de que a principal dificuldade interpretativa é vir a “aceitar” a Bíblia, e não determinar o que ela diz e buscar como aplicar isso. Com relação ao espectro da moralidade do conhecimento hermenêutico, os calvinistas tendem a escorregar em direção ao dogmatismo.




Um desejo deslocado de honrar a “ Sagrada Escritura” leva muitos calvinistas a ler a Bíblia como um livro de declarações verdadeiras. O problema, em minha opinião, é menos a identificação deles da Bíblia com a Palavra de Deus do que a teoria de significado e referência que têm. Uma imagem de significado mantém os calvinistas presos. Essa imagem equaciona o significado de um texto com seu referente, isto é, com sua correspondência tradicional empírica. Sem testar as leituras, tanto subjetivas quanto objetivas na prática, os idealizadores da “tradição reformada” não são consistentes literais como dizem ser .Quando uma leitura bíblica, social , histórica ou científica parecer problemática para seu próprio ponto de vista, eles alteram para uma leitura não literal. Ou seja, o letrismo reformado de hoje deixa claro que muitos (por acalentados próprios, e dogmas pessoais) não despertaram do sono reformado da razão, tradição e experiência de uma época. Não entenderam que, da mesma forma que os reformadores do século XVI redimiram o texto e, dessa forma, a possibilidade de conhecimento literário, nós temos que redimir o texto em nossa época.



Diz-se muitas vezes de mim – alguns imaginam que seja um elogio, outros uma crítica – que escrevo sobre um único assunto : Dúvida. Não tenho nada a opor. Por que eu não aceitaria, com certas restrições, a “porção destinada a mim” nas fronteiras teológicas? Mas se sou um bom calvinista, por que superar tais fronteiras ? Por que se preocupar em pensar se tudo já está predestinado ? Puxa, se Deus quisesse que dependêssemos de alguma ideologia sociocultural com raízes egocêntricas, por que Cristo teve que recontextualizar, se tornar referente do Antigo Testamento? Enfim, acredito que, elevar uma tradição teológica acima das Escrituras é fundamentalmente admitir que minha tradição interpretativa possui um valor absoluto.É tornar a tradição suplementar à Escritura, em vez de um comentário à seu respeito. Como bem demonstrado por Lutero, creio que podemos superar os ideais papistas de qualquer época. De qualquer forma, reconheço minhas contradições, e acredito que, se Calvino estivesse vivo hoje – com as informações da era – ele bateria contra o calvinismo, e principalmente contra o objetivismo ingênuo dos defensores “da tradição reformada”. Logo, como dito, o calvinismo, ou qualquer outro “ismo”, não é uma tarefa à qual fomos sentenciados. Não é a voz de Deus. Não é uma regra de fé. Ou seja, nenhuma dessas abordagens interpretativas praticam a interpretação literal de maneira coerente; todas elas escapam para outro nível de significado. O pecado delas? Omissão! O de não contar toda a verdade. Por isso digo: Não sou calvinista.


Por Nelson Costa Jr


Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/01/por-que-nao-sou-calvinista/

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