sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Deus não instituiu instituições

É racionalmente indiscutível, portanto, que a mensagem de Jesus foi – e está sendo – muito mal compreendida. A questão não é que o Nazareno deixou uma mensagem secreta a qual devemos decifrar o seu verdadeiro significado, definitivamente não. A mensagem do Evangelho é bem simples, mas apesar disso, nós insistimos metodicamente em complica-la.

É assombroso para evangélicos de toda estirpe imaginar que Jesus foi até o calvário sem deixar nenhuma regra, nenhuma lei e nenhuma letra. Liberdade e autonomia eram o que ele sugeria em todo momento. Andava semeando vida e amor em uma terra que minava sangue, não se rebaixando em nenhuma ocasião a pregar à sombra de um cativeiro religioso do qual a graça nos viera libertar. O ponto de encontro que Jesus obtinha para semear suas palavras era a praia, o campo, o monte, o barco; era na beira de um poço, numa festa, ou em um jantar, sem compromisso com protocolos ou burocracias.

É amaldiçoadamente significativo o fato de Cristo ter edificado a Igreja e ao longo dos séculos os homens terem feito dela uma máquina que gera mais morte do que vida. Ora, Jesus pronunciou a palavra igreja apenas duas vezes, e em nenhuma das duas se referia ao que observamos hoje. A institucionalização da igreja trouxe grandes angústias à humanidade. O que era para ser um ambiente em que a graça era pra ser derramada, onde as diferenças eram para ser apreciadas como diversidades simbolicamente divinas, se tornou um espaço geográfico com uma estrutura física onde Deus só tem poder naquela atmosfera, e só ali Deus consegue se manifestar. A graça é totalmente anulada nesses recintos dando lugar a uma teologia de causa e efeito,[1] aonde o que vale é obedecer às regras, tendo o nome de Jesus associado às praticas mais infantis, bizarras e esquizofrênicas imagináveis.

As iniciativas humanas tendem sempre à institucionalização, e é nesse ponto que a graça emanada do Filho do Homem começa a ter um preço. Na pulsão incansável pela mumificação de suas tradições, a igreja segue coagindo qualquer tipo de liberdade e evolução que possa existir dentro de seu arcabouço. Na luta pela conservação de práticas, doutrinas e dogmas totalmente rudimentares, a igreja abraça a cada dia processos de engessamento onde vale mais o cumprimento das leis do que a preservação das pessoas. E nessa brincadeira a igreja vai se tornado uma unidade rígida, passadista, sem evolução e parcial.

No outro estremo, algumas igrejas se descobrem prestando culto a uma evolução exacerbada destruindo toda a base do passado em benefício das visões do futuro. Nessa esfera a igreja se torna uma árvore sem raiz, um tronco podre que garante a “liberdade”, mas, não raro, destrói a unidade e estabilidade de qualquer espiritualidade ali outrora edificada. Tanto uma como a outra são manifestações prejudiciais de instituições falidas. Não há meio termo nesse negócio.

Para haver equilíbrio nisso tudo temos que ser tomados pelo Espírito de revolução do Evangelho. Ora, a revolução está em colocar de cabeça para baixo toda ordem institucionalizada. Jesus, o mais místico de todos os homens, andou numa ótica subversiva, guardando as conquistas sólidas do passado (a Lei e os Profetas), mas sempre ultrapassando as bases e estendendo as mãos para realidades futuras, conseguindo mesclar tanto a tradição quanto a evolução, reinando assim em sua volta a unidade como também a liberdade, diferente da unidade eclesiástica, que é em sua multiplicidade mecânica e geometria. Um triângulo ou um círculo possuem rigorosa unidade geométrica, mas uma planta possui unidade orgânica, porque as variedades das suas partes não destrói a unidade do seu todo.

Lutero, Tolstoi, Kierkegaard e Nietzsche, foram profetas que denunciaram veementemente o tradicionalismo promovido pela igreja, sendo chamados de “abusados e rebeldes que torciam seus narigões para as instituições”, pois, ser dogmático é a voz da inércia e do menor esforço moral, porquanto é cômodo aceitar uma religião estática, já devidamente cristalizada em formas concretas.

Enfim, na tendência de perpetuar o que começou como medida provisória – e isso na melhor das intenções –, paredes são levantadas e leis são escritas com tintas indeléveis, fazendo com que a religião venha se tornar nosso chão, base pra tudo que faremos, falaremos, deixaremos de falar e deixaremos de fazer. Aprendemos a amar quem nos ama, ser indiferente com os que nos odeiam e separar nossos amigos de acordo com as crenças que apresentam. Isso porque as igrejas como vemos, não tem muito haver com o projeto de Cristo, pois, não divulgam o Reino, não anunciam o Evangelho, mas apenas esbravejam sobre uma religião. Ou pior, anunciam a si mesmas, fazendo os discursos de Jesus – principalmente sobre prostitutas entrarem no Reino primeiro que nós – terem todo sentido.

Diante disso, vale finalizar dizendo que Jesus não instituiu nem este, nem aquele monte para ser adorado; nem este, nem aquele templo para ser louvado; nem este nem aquele púlpito para ser anunciado o seu Reino.


©2012 Lindiberg de Oliveira
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[1] A teologia de causa e efeito é vinculada a tipo de praticas como: se estou passando por dificuldades é por que certamente estou em pecado, ou porque o diabo encontrou alguma brecha em minha santidade, e nesse caso devo dar o dizimo, orar, fazer campanhas, ir a encontros, etc., e certamente serei abençoado.

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