quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um Povo Escolhido



Bruce L. Shelley




Aprendemos finalmente que a igreja é uma comunidade de pessoas – o povo de Deus – escolhidas por Deus para refletir a sua glória e espalhar o evangelho a todos os povos.

Considero ser esse o ponto central da doutrina bíblica da eleição. A palavra eleição deixa muitas pessoas inquietas. Ela conjura imagens de calvinistas sombrios e puritanos com negros capuzes. Jonathan Edwards que pregou o sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado,” não acreditava na eleição? Quem quer retroceder a esse ponto?

Tais temores têm um certo fundamento. A doutrina da eleição nas mãos de certos cristãos tem sido deturpada, tornando-se irreconhecível biblicamente. A tradição calvinista, em particular, a partir de um desejo justificado de eliminar todos os pensamentos no sentido do homem ganhar a salvação por seus próprios méritos, salientou a liberdade soberana de Deus em eleger e regenerar quem Ele quiser. Ela tem frequentemente defendido a eleição, no entanto, como um decreto arbitrário de Deus estabelecido na eternidade. Nesta forma de pensamento, a verdadeira igreja torna-se facilmente uma companhia misteriosa dos eleitos invisíveis, só conhecidos de Deus.

O resultado desta conclusão é muitas vezes a remoção da igreja na terra do lugar central que ocupa nos registros do Novo Testamento e em especial o deslocamento da tarefa missionáría do centro de interesse e obediência cristãs.

Sob a influência das aventuras do Capitão Cook nas Ilhas dos Mares do Sul, e as instruçoes de seu amigo, Andrew Fuller, William Carey começou a pregar sobre as obrigações universais do evangelho. Numa reunião de ministros, ele propôs que os pregadores discutissem a necessidade de levar as Boas Novas para aqueles que jamais as tinham ouvido. O idoso John Ryland agastou-se com ele por interferir nos assuntos de Deus. “Sente-se, jovem,” falou ele. “Quando Deus quiser converter os pagãos, Ele o fará sem a sua ou a minha ajuda.”

Essa é uma doutrina de eleição sem apoio neo-testamentário, construída sobre conclusões filosóficas em lugar de revelação bíblica.

A eleição no Novo Testamento acha-se arraigada em fatos históricos, especialmente em Jesus Cristo que foi crucificado sob Pôncio Pilatos. Ele é o Eleito de Deus, o Filho amado do Pai (Mt 3.17). Nossa eleição se faz apenas por causa de nossa união com Ele. Não somos escolhidos isoladamente, como indivíduos, mas como membros do seu corpo, a igreja.

O instrumento da escolha de Deus na Bíblia é a pregação do evangelho da morte e ressurreição de Jesus. Foi assim que Paulo entendeu. Ele recapitulou seu ministério para os Tessalonicenses e fez com que se lembrassem dos resultados do mesmo: “Reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição, porque o nosso evangelho não chegou até vós tão somente em palavra, mas sobretudo em poder, no Espírito Santo e em plena convicção” (1Ts 1.4-5).

Os teólogos cristãos têm-se interessado geralmente pelas razões ou falta de razões na eleição. A Bíblía, porém, não nos oferece razões. Ela enfatiza o propósito da eleição, permitindo que o mistério da escolha de Deus continue inexplicado, e se concentra em vez disso na qualidade de vida que a igreja deve manifestar.

Deus disse a Israel no Sinai: “Vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19.6). E Paulo escreveu aos Efésios que Deus nos escolheu em Cristo “antes da fundação do mundo, para sermos santos e írrepreensíveis perante ele” (Ef 1.4).

A Escritura não sugere em ponto algum que eleito signifique “favorito.” Se for o caso, eleito representa “instrumento,” porque Deus escolheu Israel para ser um “reino de sacerdotes,” isto é, um povo que serviria de mediador das misericórdias divinas àqueles que não têm esperança de misericórdia.

Essa distinção é absolutamente imperativa. Lesslie Newbigin a reforça quando escreve: “Toda vez em que o caráter missionário da doutrina de eleição é esquecido; sempre que esquecemos termos sido escolhidos a fim de sermos enviados; ... sempre que os homens pensam que o propósito da eleição é sua própria salvação em lugar da salvação do mundo; então o povo de Deus terá traído a sua confiança” (The Household of God, New York: Friendship Press, 1954, p. 111).

A doutrina da eleição longe de ser antiquada e irrelevante, é uma explicação fundamental da razão da existência da igreja.

Se a igreja é a companhia dos eleitos – e ela é realmente – não tem motivo para vangloriar-se, pois a verdade e a graça de Deus são nossas para passar adiante e não para guardar. O convite para receber o evangelho é também uma ordem para passá-lo adiante. Esse o motivo pelo qual a única igreja de que a Bíblia fala é uma igreja missionária.

Isso nos leva de volta ao ponto inicial porque na passagem que inaugurou este capítulo – 1Pe 2.9-10 – o apóstolo tocou nesta nota missionária. Ele lembrou os leitores de que eram “povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Essa é uma nota digna de ser soada repetidas vezes.

Fonte: A Igreja: O Povo de Deus, pp. 27-29







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