quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

TRANSGREDIR PARA SER HUMANO

Conversando com minha esposa a respeito da educação de nossos filhos, disse que gostaria que meus filhos, vez por outra, quebrassem minhas regras; que não queria filhos subservientes, assustados, com medo das fronteiras, obedientizinhos a tudo que lhes ordenasse. Até porque muitas de minhas ordens não são legítimas! Uma criança que segue minhas leis à risca não vai além de mim, já que em meus conselhos, obviamente, eu projeto todos os meus receios, preconceitos, previsões... enfim, a minha “experiência de vida”, e assim posso lhe furtar o direito de ter a sua própria experiência.



A minha leitura da poesia de Gênesis é que ali Deus abre os olhos do ser humano para a responsabilidade que ele passaria a ter se ultrapassasse o limite. A meu ver não foi uma mera proibição! Foi apenas uma advertência.



“Vocês terão grandes responsabilidades. Vão ter consciência de si. Vão comer do trabalho, vão saber a dor de criar filhos e perdê-los. Morrerão e saberão disso. Terão consciências dos sentimentos bons e ruins.



A curiosidade do ser humano foi tanta que ele imaginou como seria a vida depois da linha. Pagaram para ver! Comeram a Liberdade!



Muitos "batem" em Eva dizendo que ela foi a grande culpada pela queda da humanidade, afinal ela comeu do fruto primeiro. Mas eu, que fui salvo da perfeição assim como Eva, acredito que ela foi muito corajosa, transgressora, curiosa para ir além da fronteira do desconhecido, e assim pariu a Consciência Humana... (E, fiel como toda mulher, voltou para buscar Adão! Imagine se ela o deixa lá...?!) Eva nos colocou não num estado danado, mas para além dos limites de uma existência animal. Eva não deu à luz à Queda, Eva deu à luz a Humanidade! Eva deu à luz ao mundo complexo, interessante, inevitável, dinâmico que é a vida humana. Viva Eva! Salve Eva! Ave Eva!



Imagino que Deus ao perceber a curiosidade da mulher/homem e o seu ato de ir para além das fronteiras disse “bingo!”. Deus vibra com o inconformismo do homem porque foi para isto que Deus criou o homem: para liberdade, portanto com a capacidade de se inconformar, de se rebater, de subverter, de transgredir.



Não existe nenhum código, programa, software (nem bom, nem mal) para o homem cumprir. Isto é o que o homem tem de mais caro: a liberdade. Para usar a expressão de Rousseau – a “perfectibilidade”: a capacidade de se emancipar de todo código, de todo programa de computador natural; um potencial que o homem tem para se aperfeiçoar, reinventar, mudar, transformar.



Não estou convencido que Deus criou o homem com potencialidade para o Mal e para o Bem, senão poderíamos responsabilizar Deus de nossos atos, já que Ele previamente definiu dois programas. Acredito que Deus criou o homem para além do Bem e do Mal. A visão dicotômica Mal X Bem que se tem apequena demais a vida e é muito simplória. A vida é mais do que o Mal e o Bem. Aliás, o que é o Mal e o que é o Bem? O que pode ser bom para alguém pode ser mau para outra pessoa e vice-versa. Nesta dicotomia simplória Mal X Bem existem muitas outros matizes de valores, belezas, verdades, éticas que são contingentes, culturais e relativas.



O  Existencialismo diz que a existência precede à essência; outros filósofos, como André Comte-Sponville, dizem que a essência se confunde com o existir. De um jeito ou de outro não há uma “natureza-software” a ser seguida. Acho que é por aí: eu sou enquanto vou vivendo; eu sou como eu vou vivendo. Ao contrário da ordem tradicional fundamentalista que diz que o homem nasce com um código mau e basta chegar à idade da razão para que a víbora que nele há se manifeste.

Deus criou o ser humano para aprender a liberdade.

Entendo que é na dialética filhos - pais que as crianças aprendem um código de ética combinado entre eles. De certa maneira, o meu “não” ao meu filho desperta nele curiosidade, imaginação, desejo de saber que tipo de experiência existe além dessa fronteira “não”. O fato de ele transgredir não é necessariamente mau, e às vezes o levará a descobrir novas possibilidades, reinvenções e a se enxergar superando um obstáculo.

Há transgressões para morte e há transgressões para a vida. Há quebras de códigos de ética que são extremamente nocivos, mas há subversões que geram vida, evolução, aperfeiçoamento. Sem subversão não há evolução, sem quebra de limites e paradigmas a história humana não teria chegado aonde chegou. Se os gênios, pensadores, artistas, utópicos, poetas não subvertessem os paradigmas, as normas, as leis o mundo seria a estagnação!

Jesus Cristo quebrou padrões, subverteu normas e etiquetas a favor da vida, reinterpretou a Lei “vocês ouviram assim, porém eu vos digo assim...” Jesus não se encaixava num esquema sócio-econômico, político ou religioso, Cristo não cumpria o programa do que se esperava de um Messias. O carpinteiro frustrou a máxima que “não poderia vir coisa boa de Nazaré”. Cristo transgrediu em favor da vida! Cristo subverteu para a humanidade seguir caminho!


Por Márcio Cardoso


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