quinta-feira, 29 de maio de 2008

Comunicação e Adolescência - o modelo da encarnação

Rubem Amorese


Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele. Pv. 22:6

Uma das ciências que mais tem evoluído nos últimos tempos é a Comunicação Social. Está em alta nos vestibulares, nos cursos de Recursos Humanos das empresas, nas grandes multinacionais e até nas campanhas políticas, cuidando da imagem de partidos e candidatos. Parece que as pessoas, sob a influência da poderosa mídia, descobriram a importância de se comunicar bem (ou o desastre de uma comunicação cheia de ruídos). Com isso, até os programas de aprimoramento institucional ou pessoal - de cursos de liderança a encontros de casais - têm que ter, obrigatoriamente, um capítulo sobre comunicação.

As teorias da comunicação remontam a Sócrates, para quem, um bom discurso tinha o objetivo de persuadir. Ou seja, mudar a forma de pensar do meu ouvinte, na direção do meu pensamento. Desde então, até os dias de hoje, essa concepção da Comunicação tem ocupado um importante espaço entre teóricos e práticos. O professor é um bom comunicador se é capaz de "enfiar" sua matéria na cabeça do aluno (de preferência, sem que este tenha muito trabalho de estudar); o pregador é avaliado por seu poder de convencimento, de transformação dos seus ouvintes; o político atilado é aquele que se faz compreender facilmente (mesmo que ele próprio não saiba bem o que está dizendo, não importa), e assim por diante.

Mas essas teorias evoluíram. Principalmente, quando se começou a descobrir que nem sempre a persuasão modificava o comportamento das pessoas; que a boa comunicação do professor nem sempre fazia o aluno conhecer mais, e que sermões inflamados nem sempre produziam a vida desejada nos ouvintes. Na verdade, foi ficando claro que esse modelo implicava uma certa dose de prepotência e arrogância, pois avaliava o resultado dos processos comunicativos a partir da ótica do comunicador. O aluno aprendeu, se for capaz de reproduzir o que o professor ensinou - e se ele pensar diferente? Pode pensar? O fiel foi impactado pelo sermão, se modificou seu comportamento na direção prevista pelo pregador - e o espaço para ter sido abençoado em outra direção?

A idéia de que "comunicar é transferir informação", até geograficamente, começa a ser revisada. O conceito da via de mão única começa a ser repensado. E o termo assume a idéia de "comum-nicar", ou seja, estabelecer coisas em comum. A novidade é que, a partir dessa compreensão, o processo passa a igualar o comunicador como parte, e não senhor, desse processo. Colocar em comum é tarefa para os dois pólos teóricos do processo. Os dois se transformam em comunicadores-receptores; os dois têm uma dignidade própria de sujeitos (e não objetos) do processo. Os dois têm algo a dizer.

Ensina a Criança

Uma das áreas em que essas evoluções da teoria e da prática da Comunicação têm tido dificuldades de penetrar é nas relações entre pais e filhos. Acho que dá para entender por que. Nem sempre percebemos que nossos filhos estão crescendo. Refiro-me à dignidade que vão assumindo, como pessoas, autônomas em relação a nós, com seus desejos, vontades, pensamentos etc. Aos nossos olhos, vão ficando grandes, cheios de espinhas, voz grossa, mas dificilmente deixamos de chamá-los de meninos. Até afetivamente, são nossas crianças.

Junto com esse lado bom, no entanto, vai a nossa arrogância disfarçada de amor. Nossa comunicação com eles está sempre na mesma direção que esteve nos últimos dezoito anos: de cima para baixo. Tudo o que eles nos comunicam se resume em sinalizações sobre como estão de saúde, o que fizeram ou deixaram de fazer, e outros "elementos de controle"; informações que captamos para poder corrigir suas trajetórias. Nem sempre pensamos no assunto, e muito menos verbalizamos que "eles não têm nada a nos ensinar", mas essa é uma realidade tácita.
É um pressuposto pacífico.

Na verdade, temos até o sábio Salomão, a corroborar esse pressuposto. Quando ele dizia que deveríamos ensinar a criança, e ela, mesmo velha, não se afastaria desses princípios, não nos estaria colocando como autoridade suprema em relação ao seu conhecimento? Esse ensino que hoje lhe dou, é para sempre!

De certa forma, isso é verdade. E implica grande responsabilidade. Mas Salomão está falando, a meu ver, mais que isso: está dizendo que a criança precisa ser orientada no caminho em que deve andar; e esse caminho há de ser o dela, também. É mais que um caminho moralmente aceitável. É o caminho da vida. Preciso ensiná-la a caminhar seu caminho. Não o meu. Preciso ajudá-la a adolescer e encontrar o caminho em que deve andar. Um caminho de santidade, é verdade, mas não, necessariamente, o meu. E como vou fazer isso se não aprender com ela sobre esse seu caminho?

Encarnação e Comunicação

É interessante o que aconteceu com a teoria da Comunicação. Toda a evolução dessa ciência acabou por se mostrar a "redescoberta da roda". Estudaram, estudaram, e descobriram o que já se sabia há dois mil anos: que a forma mais completa, mais dignificante, mais eficiente de comunicação é aquela que promove todos os participantes do processo, sem transformar qualquer deles em objeto, em elemento menor. Descobriram que comunicação e adestramento são coisas muito distintas; descobriram que a simples transferência de conteúdos mentais não existe, pois o "receptor" é inteligente e tem seus próprios conteúdos, pelos quais avaliará o que recebe. Descobriram que a redução do receptor à condição de objeto do processo é reflexo da minoridade do emissor, que usa conceitos extraídos da Psicologia para manipular, dominar, encabrestar.

Ao contrário, o modelo mais avançado de comunicação já estava descrito pelo evangelista João:

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai. Jo. 1:14

Outra versão, diz: "e armou tenda entre nós".

O senhor do universo, ao se comunicar conosco, não usou técnicas persuasivas de transferência de conteúdos. Ele poderia muito bem ter feito isso. Ele poderia ter aberto um alçapão no céu, e gritado. Mas não o fez. O que fez? Abriu mão da sua glória e nasceu entre nós, como um de nós.

As Lições

Gostaria de extrair, dessa revelação de João, 6 lições sobre comunicação, aplicáveis a qualquer relação de liderança, mas em particular entre uma mãe e seu filho adolescente.

1. Primeira lição: Comunicação é mais que palavras

Deus já havia falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas (Heb. 1: 1-2). Deus já havia utilizado a técnica das palavras. Mas chegou um tempo, em que aprouve ao Pai apresentar-se por inteiro, de forma que o que de Deus se pudesse apreender nos fosse manifesto, inteiramente no seu Filho. E então, Deus pára de falar e parte para atos e gestos. Deus encarna.
Comunicação é mais que palavras. É gesto eloqüente, é ação de integração, é encarnação que faz nascer junto ao seu filho adolescente. Comunicação é fazer junto, é sofrer junto. É aprender e crescer com ele.

2. Segunda lição: Comunicação requer proximidade

Deus já havia falado à distância: já havia mandado cartas (livros sagrados) e enviados (profetas), mas não estava satisfeito. Tudo acontecia numa distância insuportável para quem realmente ama e quer salvar. Então, pelo gesto de "habitar entre nós", definitivamente encurtou distâncias, e se fez um Deus próximo. Em Jesus, Deus fez a aproximação do homem consigo mesmo.
Comunicação requer proximidade. Uma proximidade muito mais que física, amocional e afetiva; uma proximidade de quem se interessa, de quem quer o bem; de quem quer saber do íntimo, do coração, da alma, dos problemas. Uma proximidade que se dispõe, humildemente, a "comun-icar".

3. Terceira lição: Comunicação exige horizontalização

A vida e as palavras de Jesus não foram um discurso de poder, mas de fraqueza; não houve, na boca de Jesus, argumentos de força, do tipo - faça isto porque eu estou mandando; eu sou sua mãe - mas espírito de sacrifício.
Comunicação verdadeira não se dá de cima para baixo; daquele que manda para aqueles que obedecem; daquele que sabe para ignorantes; daquele que detém o cetro para plebeus. Comunicação verdadeira compartilha ideais, visões, alvos e sonhos; busca, procura ajudadores; inspira vocações; fortalece os fracos; solidariza-se com as dificuldades e limitações.

4. Quarta lição: Comunicação é gesto de amor

O texto sagrado nos ensina que a motivação da encarnação foi só uma: amor. Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu..." Um amor que não ficou em palavras, nem em sentimentos platônicos, mas que deu. Mais que isso: um amor que se deu. Essa partícula "se", no caso é muito importante, porque muitas vezes somos capazes de dar para não termos que nos dar. No caso do pai, da mãe, do líder, isso é muito comum. Damos coisas aos nossos filhos para que parem de exigir de nós proximidade, horizontalização, e doação pessoal. Mas o amor de Jesus não foi assim. Manifestou-se em uma intensidade e dramaticidade tal que, ao invés de dar, deu-se. Este é o gesto de amor de Deus, revelado na encarnação de Jesus.
Comunicação é gesto, é atitude, é ação concreta; é cumprimento de promessa; é realização de esperança.

5. Quinta Lição: Comunicação é caminho de serviço

O texto de Daniel 7: 14 fazia prever que aquele que viria seria forte e poderoso; destinado a ser servido pelas nações da terra. Quem poderia esperar que Cristo viria na forma de Isaías 53? No entanto, Lucas 9:48 encontra Jesus ensinando, a partir de seu próprio exemplo, que seu caminho, seu exemplo, foi um exemplo de serviço humilde e singelo.
Comunicação é mais que palavras; é mais que proximidade; é mais que horizontalização; é mais que gesto de amor.

6. Sexta lição: Comunicação é um contínuo atravessar de fronteiras. É romper barreiras

O primeiro grande gesto de amor de Deus se consumou na travessia de uma barreira dimensional entre o divino e o humano. Quando Deus se faz homem, estava vencida a grande distância; a fronteira das naturezas, das dimensões, das visões do mundo, das compreensões da vida e do cosmo. A encarnação significa Deus cidadão do mundo; Deus entre nós - Deus Homem.

Comunicação é ser capaz de nascer na realidade em constante e rápida mutação de seus filhos adolescentes, para fezer-se um com eles; para compreender sua realidade, para sofre sua angústia de não ser mais criança e ainda não ser adulto.

Conclusão

Não precisamos de um curso de Comunicação Social para nos relacionar bem com nossos filhos adolescentes. Até que não é má pedida. Mas o essencial é que, também nessa área, sejamos discípulos de Cristo, quando diz: assim como o Pai me enviou aos seus filhos rebeldes, eu também vos envio aos vossos adolescentes.

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