quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Funeral de Deus

Philip Yancey

O que impedirá o desaparecimento da fé nos Estados Unidos?

Henri Nouwen escreveu com melancolia sobre as visitas à casa em que passou sua infância, na Holanda, em que uma geração de católicos vibrantes perdeu o brilho e mergulhou em um estranho ritualismo. Poucos meses antes de sua morte, ele falou para um insignificante grupo de 36 estudantes no seminário em que servira, o qual já fervilhara com centenas de ansiosos candidatos ao sacerdócio.

A família de Nouwen, bastante devota, regozijou-se com sua vocação, apesar de, mais tarde, muitos em sua família perderem o interesse em sua escolha. Pediam-lhe que batizasse um sobrinho ou sobrinha, embora não passasse de uma relíquia cultural. Depois de um desses eventos, ele disse: “Senti-me como um anfitrião que deixa muito a desejar para os convidados.”

Em recente visita aos Países Baixos, encontrei muitos sinais do declínio da fé na Europa. Os cristãos holandeses disseram-me que no século passado, 98% do povo holandês desempenhava alguma função na igreja com regularidade, mas que em duas gerações o percentual caiu para pouco mais de 10%. Hoje está abaixo dessa marca. Além disso, metade das igrejas construídas na Holanda foi destruída ou transformada em restaurantes, galerias de arte ou condomínios.

Participei de um culto vespertino em uma igreja belga, renomada por seus vitrais. Dez de nós sentaram-se sob os altos arcos góticos, minha esposa e eu éramos os únicos com menos de 70 anos. Do lado de fora, muitos turistas lamentavam-se, pois havia uma placa que anunciava que não era permitida a entrada de turistas durante o culto. Para a maioria dos europeus a igreja é totalmente irrelevante.

Um correspondente alemão escreveu-me sobre a reação européia ao ataque às Torres Gêmeas. Líderes estado-unidenses instituíram um Dia Nacional de Oração e, por um tempo, os cidadãos comuns afluíram às igrejas e adquiriram uma quantidade recorde de Bíblias.

Os alemães reagiram de maneira única. Antes, em seus programas de entrevistas e nos editoriais dos jornais, eles ficaram introspectivos. Eles arrazoavam: os fanáticos mulçumanos querem morrer por seu Deus; e nós já não mais acreditávamos em Deus. Qual alternativa nos resta?

Senti a mesma ansiedade existencial na Holanda, ainda vacilante devido ao assassinato de um político popular, em maio. Pim Fortuyn, de extrema direita e abertamente homossexual (não é um oxímoro na Holanda), deu voz às alarmistas preocupações de muitos europeus sobre a imigração. Os mulçumanos têm presença mais pronunciada e visível na Europa Ocidental que nos Estados Unidos; os movimentos xenófobos na Alemanha, Espanha e França alimentam-se dessa ansiedade resultante. Meus anfitriões, na Holanda, consideram os Estados Unidos um modelo de nação moderna que mantém uma fé religiosa viva. Sempre que visito a Europa, quando vejo que a igreja, uma instituição que dominou o continente por 1.500 anos, tornou-se apenas um invólucro, pergunto-me se o mesmo padrão se repetirá em minha pátria. Será que o declínio da fé, conforme documentado em God’s Funeral [Funeral de Deus], livro de A. N. Wilson, ele mesmo um símbolo dessa ruína, acontecerá nos Estados Unidos?

Wilson escreve: “O funeral de Deus não é o fim de uma fase da história do intelecto humano, conforme muitos do século 19 podem ter acreditado. Ele é a remoção do maior objeto de Amor.” Wilson admite uma profunda perda em pelo menos duas áreas. Pela primeira vez na história, muitas pessoas não mais sentem a necessidade de orar e adorar. Também, de maneira única, muitos não vêem um mundo de valores fora de si mesmos e, tampouco, aceitam uma verdade objetiva transcendente. Apenas os seres humanos devem definir seus valores e propósitos – e se o século anterior dá alguma indicação de qual possa ser o resultado, enfrentaremos, de fato, um futuro sombrio.

Mas tenho alguma esperança de que os Estados Unidos não siga o caminho da Europa Ocidental. Primeiro, temos seminários sólidos e colégios cristãos que abraçam o secularismo. Talvez mais importante, a igreja estado-unidense há muito é uma igreja que envia missionários. (Algumas vezes, pergunto-me, se é essa a única razão pela qual Deus continua a abençoar nossa nação, a despeito de sua decadência.)

Os cristãos americanos, educados no reducionismo iluminista, podem aprender, em primeira mão, sobre o combate espiritual em viagens missionárias para a América do Sul. Podemos aprender sobre o sofrimento com a igreja na China, sobre evangelismo vibrante com a África e sobre a oração de intercessão com a Coréia. Como o que mais ameaça minha fé são as visitas às porções agnósticas da Europa, também nada revigora mais minha fé que visitar as igrejas de países não-ocidentalizados.

Talvez, não tenhamos ouvido as últimas notícias sobre a igreja na Europa também. Encontrei-me com Paul Nouwen, irmão caçula de Henri. Paulo falou sobre sua experiência durante o funeral de Henri, após sua morte repentina, em 1996, aos 64 anos, em que ouviu pessoas de vários países comentarem sobre a influência de Henri.

Ele disse: “Percebi que, em comparação com Henri, não tenho nada. E enquanto estive lá, sentado e escutando o que diziam, a diferença tornou-se clara para mim – Henri tinha Deus. Isso faz toda a diferença.” Paul Nouwen, com espírito de humildade, continuou a contar as mudanças que tem feito em sua vida para se preparar melhor para sua morte e restaurar seu relacionamento com o Deus que seu irmão conhecia tão bem. Henri, conforme seu irmão testificou, viveu como missionário nas América do Norte e do Sul, mas acabou como missionário em sua desalentada pátria.


Tradução Lena Aranha

0 comentários: