terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Eu, o analista e minhas loucas análises




Direto ao assunto, no encontro, iniciei:


- Doutor, gostaria de saber por que preciso ser ensinado por você, a olhar o meu passado?









- Engano seu meu caro! Não ensino. Apenas auxilio. Respondeu ele.





- Bem, mudarei a pergunta: Por que preciso de sua ajuda para olhar o meu passado?





Como costumeiro, ele não me respondeu, mas perguntou:

- Será que sem ajuda você não olharia sempre com o mesmo olhar, e por ser a parte mais intensamente envolvida, não estaria este olhar comprometido? Será que não existe outra forma de se ver e quem sabe mais saudável?





Chegando ao ponto do meu interesse prossegui:

- Olhar saudável!? Adoecido, meu olhar está comprometido. Pense comigo doutor! Doente ou não, o jeito que vejo é exatamente como vivenciei, experimentei, senti. Ao olhar para meu passado, vejo-o com minhas entranhas e revivo tudo exatamente como foi e esse sou eu. Tentar ver de outra forma, isentando-me de mim mesmo, isto é, dos meus sentimentos como foram, não seria somente diferente, mas eu não deixaria de ser eu mesmo?





Conduzindo com maestria, me perguntou, parecendo mais uma disputa teórica...

- Voce não considera que ao relembrar com outras possibilidades, você cria outros sentimentos, e este continuará sendo você mesmo, mas com outro olhar?





Quase que sem saída, retruquei:

- Concordo com isto, doutor. Mas a questão é que o passado não pode ser refeito e ele foi vivido com as condições que foram experimentadas e não com estas novas condições. Ao tentar criar outro sentimento, para algo que foi bastante real, eu estaria inventando sentimentos que não existiram e enganando a mim mesmo. A realidade não foram estes novos sentimentos, mas exatamente aqueles. E aqueles fui eu e, estes novos um novo eu, mas numa outra etapa. Tentar ter novos sentimentos em relação ao passado é ver com óculos de hoje, algo que foi visto com olhos de ontem. E sinto doutor, não fui cego, apenas enxergava o que me era possível. Ontem não é hoje e o que fui é diferente do que sou e somente a somatória dos dois é que me coloca na etapa do que estou sendo. Mas cada qual com sua realidade.





Pensativo, tocando os lábios com a caneta e ajeitando os óculos, continuou:

- Se fosse possível você passar exatamente pela mesma coisa hoje, você não sentiria e compreenderia diferente?





- Doutor, se voce não fosse especialista eu riria. Se vivesse hoje as mesmas situações, evidentemente interpretaria diferente, mas isto porque eu não sou mais o mesmo. Para mim trata-se do seguinte: Senti, vivenciei, experimentei e sofri ou não, como eu fui. Olhar como sou hoje me coloca em condição de novas interpretações, mas ao tentar me convencer que o que experimentei poderia ter sido diferente, apenas gera em mim um engano, ou quando não a culpa, o que seria pior, pois hoje sou sabedor que poderia ser diferente, mas para isto eu precisaria ter sido ontem quem sou hoje, e isto é impossível. Penso que a melhor maneira é tentar sorver aquela experiência, beber aquele cálice exatamente como foi. Se conseguir engoli-lo, absorvê-lo como sendo eu mesmo daquela época, mas que não conseguira, sem tentar mudar, crescerei e amadurecido sairei mais forte. Criar novos sentimentos para dar outro significado para aquilo que vivi, seria como jogar para debaixo do tapete algo que foi muito real.





O doutor quase que me interrompendo:

- E quem disse que voce precisa de novos sentimentos? É melhor tentar compreender porque teve determinados sentimentos...





- Por que tive medo? Porque eu era assim, tinha medo de coisas que me causavam medo, ódio das que me causavam ódio. Hoje, as mesmas coisas já não me causam mais os mesmos sentimentos e reações. Enfrento outros monstros.





Esboçando um leve nervosismo, o doutor levantando levemente o olhar por cima dos óculos, prosseguiu como se toda minha enfática retórica não o afetasse:

- Percebo pelo que me parece, que você está querendo ser herói. Matador de monstros... E já que você quer ir por este caminho, você não acha que precisa de ajuda para tal empreitada?





- Herói? Ah, doutor! Voce está tentando me convencer de sua utilidade ou de minha fraqueza? Enfrentar o passado é uma atividade solitária... Talvez por isso, depressiva... São corredores de morte e a morte é solitária, ninguém me acompanhará. Ou morro para a história deixando de ser, ou com a história como real e legítima construtora de mim. De qualquer forma, sou eu, eu mesmo que preciso desta investida. Não dá para reinterpretar. O que penso precisar é de enfrentar os monstros que costumamos cobrir com os panos do tempo...





- Meu caro, disse o doutor, nosso tempo se finda, mas o espero numa próxima e interessante conversa. Vejo que nossos encontros serão instigantes...





- Doutor, disse eu, antes de ir preciso dizer que percebi você um tanto quanto nervoso em nossa conversa, e preciso perguntar: Por que você entrou no debate? Ficou confuso ou convencido de que ao reinterpretar o passado corro o risco de deixar de ser eu mesmo como fui? Que em cada tempo sou outro e por isso os diversos eus lidaram como souberam com cada situação e, portanto, o que foi, foi e, na somatória de todos eles, este sou eu.





- Por que você me procurou? Até mais. Abriu a porta fechando a conversa.





E na conversa entreaberta finalizei:

- Doutor estou apenas tentando me aprofundar no que significa: “pela graça de Deus sou o que sou”.



Eliel Batista
 
 
 
Vi no http://www.elielbatista.com/
 


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