Se eu amo você, isso não isenta nossa relação de tensões. Pelo contrário, se eu amo você verdadeiramente, as tensões serão algo necessário. As tensões aparecerão aí como expressão do desejo arquetípico por perfeição entre os humanos. Conquanto que as tensões levem em consideração as imperfeições que há em mim também, não haverá nenhum problema se num momento ou noutro ela surgir entre eu e você, que nos amamos. As tensões tendem a ser desagradáveis somente quando polarizadas de um lado da relação. Vejo os seus defeitos, mas não vejo os meus. Sofro suas imperfeições, mas ignoro as minhas. Então as tensões se tornam fonte de profundo desprazer.
Minha relação com a educação teológica é uma relação de amor. É uma relação erótica, observadas as resignificações de Freud e de Adélia Prado para a palavra Eros. “Erótica é a alma”, dizia a poetiza mineira. Para o pai da psicanálise Eros é a “pulsão de vida”, contrária à Tánatos, a “pulsão de morte”.
E é exatamente por causa dessa relação erótico-amorosa com a educação teológica que vou esboçando aqui um conjunto de tensões que me advém dessa relação. Vou apresentá-las em forma de perguntas, mas sem respondê-las uma a uma, a fim de que possam permanecer abertas a possíveis interlocutores interessados. Depois vou apresentar uma “hipótese geral” para algumas das questões levantadas, hipótese geral cuja intenção é provocar, só e somente só.
1. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral, sobretudo protestantes, é quase completamente desconhecido das comunidades religiosas que patrocinam esses mesmos centros de formação? Seria esse saber conscientemente negado a essas comunidades? Caso sim, por quê?
2. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral, sobretudo protestantes, é, geralmente, um saber completamente divorciado do substrato de pensamento vigente nas comunidades cristãs que patrocinam esses estudos? Sustentar uma relação tão assimétrica assim não é contraditório e prejudicial à própria dinâmica das comunidades cristãs?
3. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral causa uma resistência quase instantânea ao cristão não-iniciado nesse tipo de saber?
4. Por que os teólogos e teólogas que concluem sua formação acadêmica, ao ingressarem nas atividades formais do pastorado, fazem pouquíssimo uso dos conteúdos aprendidos durante a graduação em Teologia, com exceção das disciplinas mais instrumentais e de teor administrativo?
5. Se o saber teológico é tão fundamental à atividade formal do pastorado, por que os rigores da vida acadêmica em boa parte desses centros de formação são levados tão pouco a sério por docentes, discentes e gestores? Agindo assim, não estaríamos reificando um consenso social de que “qualquer um pode ser pastor e pastora”?
6. Se nossa visão está voltada para o ser humano de hoje, com suas contradições e mazelas, por que o saber teológico próprio da formação pastoral é visto comumente como uma espécie de “neo-alquimia”, sobretudo nas universidades, onde aparece sempre com cheiro de mofo medieval?
7. Se nossa formação em Teologia busca munir nossos pastores e pastoras de ferramentas que lhe permitam discernir e dialogar com o mundo contemporâneo, por que os teólogos e teólogas estão geralmente ausentes das discussões provocadas e patrocinadas pela sociedade? Por que teólogos e teólogas falam, via de regra, somente para os seus pares?
A minha “hipótese geral” tem inspiração em Karl Popper, a quem estimo profundamente o trabalho intelectual. Falando da ciência como um todo, Popper, em A Lógica das Ciências Sociais, diria que “embora a verdade [grifo meu] seja o valor científico decisivo, ele não é nosso único princípio. Relevância, interesse e significância [grifos meus] (...) são, igualmente, valores científicos de primeira ordem; e isto é também verdadeiro acerca dos valores como fecundidade, força explicativa, simplicidade e precisão [grifos meus]”.
Minha “hipótese geral”, portanto, é a de que nosso saber teológico está tão incuravelmente marcado por uma pulsão pela verdade, que outros valores como a relevância, o comprometimento com as causas humanas, o interesse e a significância social lhe são totalmente indiferentes.
Não se trata de declinar da verdade enquanto um valor especial em Teologia. Nesse caso teríamos que mudar o nome desse saber! Mas se trata de reconhecer que, como em todo saber, a verdade, como bem apontou Popper, deve estar acompanhada por outros valores de primeira grandeza: a relevância, a pertinência, o comprometimento com o ser humano, a sensibilidade social entre eles. Em Alagoas muito mais.
Por Paulo Nascimento é baiano de Muritiba, terra de Castro Alves. É casado com Patrícia Nascimento e sem filhos. Também é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Nordeste (Feira de Santana-BA) e graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas. Além disso, é pastor batista em Maceió e professor de Teologia Sistemática no Seminário Teológico Batista de Alagoas. É autor de Ópio coisa nenhuma: Ensaio de Teologia Crítica a partir de Alagoas.
Vi no http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=17
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