Subtraindo o conceito de “graça” do Evangelho, o que sobra? É possível pregar um Evangelho sem graça? Daria pra aproveitar alguma coisa?
Talvez alguém responda que tirando a graça, sobraria ainda o conceito de “reino”, e isso, de alguma forma, preservaria pelo menos uma parte da essência do Evangelho.
Já houve até quem diferenciasse o Evangelho da Graça do Evangelho do Reino, afirmando que este último teve que sair de cena, tão logo Cristo fora rejeitado por Seu povo, para dar lugar ao Evangelho da Graça, pregado por Paulo. Ledo engano!
Não há, nem jamais houve dois evangelhos. De acordo com Paulo em Gálatas 1:6-7, um ‘outro’ evangelho só poderia ser uma farsa, e por isso, deveria ser prontamente rejeitado.
O Evangelho do Reino anunciado por Jesus é o mesmo Evangelho da Graça anunciado por Paulo. Em outras palavras, Jesus anuncia a chegada do Reino de Deus aos homens, e Paulo anuncia a disposição de Deus em receber tais homens neste reino.
Se o reino anunciado por Jesus não tivesse em seu centro um trono de graça, estaríamos todos perdidos. Seria como se fôssemos invadidos por forças alienígenas, sem dó nem piedade, prontas a dominar-nos a seu bel-prazer. Em vez de um Deus soberano, teríamos que submeter-nos a um Deus tirano.
Os conceitos de reino e graça devem entrelaçar-se, a fim de que nos acheguemos a Deus com confiança, sem o risco de sermos rejeitados.
O fato é que Aquele que está assentado no trono é três vezes santo, enquanto que nós somos pecadores. A base do Seu trono são a retidão e a justiça (Sl.97:2). É a Sua justiça que garante a estabilidade do Seu reino. Seu trono está firme pelos séculos dos séculos. O terreno sobre o qual Seu trono se ergue é plano e, por isso, nenhuma de suas pernas necessita de calço.
Se Ele cometesse um único ato de injustiça, isso abalaria todo o Universo, pois afetaria a base, e, por conseguinte, a estabilidade do Seu reino.
Este, porém, é apenas um lado da verdade.
A mesma Escritura que diz que “retidão e justiça são a base do seu trono”, também afirma que “com AMOR sustém ele o seu trono” (Pv.20:28).
As quatro pernas do Seu trono apontam para as múltiplas dimensões do amor, reveladas nas quatro palavras do grego neotestamentário traduzidas por amor: Agape, Eros, Storge e Phileo. Nenhuma delas é maior que as outras (Falo mais sobre isso no meu livro Amor Radical).
Como evitar o atrito entre esses dois atributos divinos, a justiça e o amor? Ora, se a justiça insiste em que o pecador seja devidamente punido, o amor exige que este seja perdoado. Como manter a estabilidade no reino, tendo que harmonizar dois atributos aparentemente antagônicos?
Sabemos que o pecado abalou a estrutura do Universo, porém, manteve intacto o reino de Deus. Como isso seria possível?
Recentemente, o Japão foi sacudido por um dos maiores terremotos de sua história, sendo seguido por um enorme tsunami. Uma das imagens que mais chamaram minha atenção foi a dos prédios que se moviam, mas não sucumbiram aos abalos sísmicos repetidos. O que os manteve de pé? Por que não caíram como tantos outros?
Graças aos constantes terremotos, os japoneses desenvolveram uma inusitada técnica de engenharia, em que o prédio tem em sua base uma espécie de amortecedor, semelhante aos usados nos carros. Os amortecedores têm como função, controlar as oscilações da suspensão, mantendo as rodas do veículo em contato permanente com o solo estabilizando a carroceria do veiculo, propiciando conforto, segurança, estabilidade e prevenindo o desgaste excessivo dos componentes da suspensão e dos pneus. No caso dos prédios, esses amortecedores fazem com que eles se mantenham de pé mesmo quando o terreno no qual estão construídos é severamente sacudido por abalos sísmicos.
De maneira análoga, a graça serve como amortecedor, impedindo o atrito entre a justiça e o amor, mantendo assim a estabilidade do Reino de Deus.
No Salmo 46, a graça é apresentada como um rio que traz alegria à Cidade de Deus, Capital do Reino de Deus.
“Portanto não temeremos, ainda que a terra se mude, e ainda que os montes se transportem para o meio dos mares. Ainda que as águas rujam e se perturbem, ainda que os montes se abalem pela sua braveza. Há um rio cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela; não se abalará. Deus a ajudará, já ao romper da manhã” (Sl.46:2-5).
Aleluia! Estamos seguros mesmo em meio ao caos. A graça nos traz segurança. O trono continua ocupado pelo Rei de toda a Terrra. Nada Lhe foge ao controle. O que tiver que ser abalado, será. E isso, para que as coisas abaláveis dêem lugar às inabaláveis, o transitório ceda a vez ao permanente. Portanto, “tendo recebido um reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e santo temor”(Hb.12:28).
Não perca a continuação desta reflexão.
Por Hermes C. Fernandes
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