sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Igrejas

Existem dois elementos fundamentais à caminhada da igreja cristã. A utopia e o projeto.


Utopia é uma ideia norteadora de vida, projeto é um instrumento para se viver. Utopia é subjetiva, formada por nuances, contornos leves e inspiradores, projeto é objetivo e concreto, formado por passos, metas e aferidores bem definidos. Utopia é algo que se persegue, projeto é algo que se realiza. Utopia sem projeto é sonho desprovido do solo da realidade, onde ele deve ser plantado. Projeto sem utopia é realidade árida, desprovida das sementes dos sonhos para fecundar sua terra.


Ambos são fundamentais para o sucesso de nossa caminhada cristã.


A igreja cristã tem quatro características básicas, que são determinadas pelos seus protagonistas fundantes. Tais características, constituem aquilo que devemos ser.


Em primeiro lugar, somos a IGREJA DO ESPÍRITO SANTO (Jo 3. 8), que tem como proposta, um “novo jeito de ser gente”. É uma proposta para o indivíduo. Para uma nova cosmovisão, uma nova consciência, despertada em nós por essa nova presença em nossas vidas. Somos chamados a ser como o vento, desapegado, desalojado, suave como brisa ou intenso como ventania, mas sempre perceptível.


Em segundo lugar, somos a IGREJA DE JESUS CRISTO (Mt 18. 20), que tem como proposta “uma nova forma de se relacionar”. É a igreja dos dois ou três, que prioriza as pessoas em detrimento das estruturas e as relações em detrimento dos programas. Na Igreja de Jesus, qualquer relação deve acontecer em seu nome, por isso, os relacionamentos são o ambiente de sua presença. Aqui, não há igreja do indivíduo. Para ser igreja, precisamos nos relacionar com gente. Mas não de qualquer forma. A chave é “reunidos em meu nome”. A substância desses relacionamentos é tudo o que pode gerar um “outro melhor” por se relacionar conosco. Confissão, oração, terapia, tanto quanto as irrelevâncias de conversas que sedimentam relações verdadeiras, são os elementos fundamentais dessa igreja.


Depois, vem a IGREJA DOS APÓSTOLOS (At 2. 42 – 47), cuja proposta é “uma nova forma de ser comunidade”. Os apóstolos, na medida em que o Espírito agrega à comunidade aqueles que vão sendo salvos, se veem na responsabilidade de organizar as coisas. Instituem posições mediante funções específicas, reúnem-se em locais e horários definidos, organizam-se com a intenção de que as necessidade básicas, emocionais, espirituais e sociais, de toda comunidade, sejam atendidas. Promovem um movimento para-estatal que equaliza as necessidades de todos, de forma que aquele que tem mais, se sente impelido a ofertar para que não falte ao que tem menos. Essa comunidade onde os problemas básicos são sanados, inspira àqueles que a observam, ao ponto de ganharem a simpatia do povo.


Por último, a IGREJA DE PAULO (At 11. 26 e 13. 1). A proposta aqui é “uma nova forma de ser sociedade”. Paulo é a pessoa escolhida por Deus para descortinar a proposta universal do Reino de Deus aos demais povos. Ele é treinado e discipulado para multiplicar o que, até então, estava praticamente restrito aos judeus. E ele o faz com excelência. Sabe escrever e compartilhar conceitos desconhecidos aos outros a partir de símbolos, linguagem e estrutura que lhe são comuns, de forma que aprendam sobre o desconhecido, tendo como ponto de partida o que lhes é familiar. É assim que ele age no areópago, na carta aos Romanos, nas epístolas pastorais. Apresenta as profundas realidades do Reino de Deus, inaugurado em Jesus Cristo, tendo como ponto de partida a realidade de seus destinatários.


A “Igreja do Espírito” e a “Igreja de Jesus”, são nossa utopia. Segundo Eduardo Galeano, “a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. A “Igreja dos Apóstolos” e a “Igreja de Paulo”, são nosso projeto. Um projeto deve acontecer em função de algo maior do que ele, em nosso caso, a utopia. O problema da institucionalização que vivemos hoje na igreja cristã, não se dá porque esse processo seja ruim, mas porque as instituições viraram o fim delas mesmas. O fim legítimo das instituições religiosas é promover a igreja que acontece como vento e no “dois ou três” e ser a igreja que atende às necessidades humanas, todas elas e se expande exercendo o senhorio de Cristo na terra, pelas portas do serviço e da missão, linguagem que todos entendem. Utopia sem projeto, é caminho sem chão. Projeto sem utopia, é chão sem caminho.


Está posto o desafio para todos nós, igreja contemporânea. Ser a “Igreja do Espírito”, um outro tipo de gente, consciente e aberta a novas e maiores realidades; “Igreja de Jesus”, onde as relações têm primazia e o pouco é suficiente, dois ou três; “Igreja dos Apóstolos”, organizada, atenta e atuante em sua realidade, promovendo a equidade e emancipação comunitárias e a “Igreja de Paulo”, inserida na sociedade, dialogando com demandas e realidades contemporâneas à luz das Escrituras, provando que existe a possibilidade de ser sociedade em categorias diferentes, sociedade que nós chamamos: Reino de Deus.


Por Fabricio Cunha


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