O movimento evangélico brasileiro cresceu assustadoramente nas últimas décadas. Ainda que não sejam maioria em terra tupiniquim, os evangélicos representam uma parcela significativa entre os brasileiros — projeções dos dados estatísticos do IBGE apontam aproximados 55 milhões de evangélicos no Brasil para 2010. Durante as últimas décadas, a Igreja Evangélica cresceu mais do que o dobro do ritmo do crescimento da população brasileira.
Trazendo alegria para muitos, o avanço do evangelicalismo no Brasil suscita, contudo, uma questão importante: Este crescimento estaria relacionado ao evangelismo ou ao proselitismo promovido pelos evangélicos brasileiros?
Que o avanço da Igreja é bíblico, todos sabemos. Jesus afirmou a queda das portas do inferno, promovida pelo avanço de sua Igreja. Pregou, ainda, o estabelecimento do reino dos céus na terra. Isso, todavia, não garante que o número de pessoas cujos nomes estão arrolados nas igrejas evangélicas corresponda ao número de pessoas cujos nomes estão arrolados no livro da vida.
O proselitismo faz parte da história das religiões. E parece caminhar, muitas vezes, sem ser identificado como tal. Comenta-se, nas rodas de amigos, o sucesso de determinados ministérios pelo número de pessoas arrebanhadas "do mundo" para "a igreja". Pouco se fala, entretanto, do movimento na direção diametralmente oposta — também comum nas comunidades evangélicas.
Por que tanto entra e sai nos arraiais evangélicos? Por que se torna cada vez mais rara a cena de pessoas verdadeiramente conscientes da liberdade promovida pelo evangelho da graça, transformadas pelo poder do Espírito, servindo a Cristo de coração, alma, força e entendimento?
Longe de esgotar as possíveis respostas às referidas perguntas, penso que muito do que acontece no evangelicalismo brasileiro deve-se à confusão entre proselitismo e evangelismo. Confunde-se "trazer alguém para o reino" com "trazer alguém para a igreja". Pensa-se ser possível despovoar o inferno, enchendo de gente os bancos dos templos.
Acredito, inclusive, que muitos gostariam de ver acontecer em nossa nação o que o profeta Daniel vivenciou em sua história. A fim de achar culpa em Daniel, os príncipes e presidentes do reino de Dario propuseram ao rei promulgar um edito proibindo qualquer petição a homem ou deuses, que não ao rei, pelo período de 30 dias. Não cumprindo o edito real, Daniel é lançado na cova dos leões por fazer petições ao seu Deus, e não ao rei Dario.
Tal promulgação é vista como absurda pelos leitores cristãos da bíblia. Interessante perceber, contudo, que a mesma indignação não se revela na leitura do final desse episódio. Tendo visto que Daniel não foi devorado pelos leões na cova, Dario promulga um novo edito exigindo que todos se prostrem, a partir de então, ao Deus de Daniel. Sobre este ponto, os mesmos leitores — outrora indignados — rejubilam. Não percebem, contudo, que o absurdo permanece; a única diferença é que, agora, todos estão obrigados a adorar outro Deus.
É possível chamar a atitude de Dario de evangelista? Absolutamente! Sua postura não passa de proselitismo, e dos mais autoritários. Proselitismo traz novos adeptos; evangelismo gera novas criaturas. Proselitismo visa massas; evangelismo alcança indivíduos. Proselitismo faz inchar; evangelismo faz crescer. Proselitismo usa, se possível, a força; evangelismo é movido por amor.
Os dados citados no começo deste artigo me fariam sorrir, não fosse o fato de revelarem uma triste realidade. Nada tenho contra os 55 milhões de pessoas lutando por uma causa — sobretudo considerando o evangelho que dizem carregar. O que entristece é a constatação de que boa parte desta multidão encontra-se ali apenas porque mudou de lado e entrou na Igreja Evangélica. Enquanto continuarmos nos preocupando em trazer gente para o nosso gueto, o discurso do evangelicalismo brasileiro continuará proselitista, ainda que camuflado em um suposto evangelismo — longe de fazer com que celebrem os anjos no céu.
Por Daniel Guanaes é pastor presbiteriano e doutorando em Teologia pela Universidade de Aberdeen, Escócia.
Vi no http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=79
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