Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
A Época de Arminius
Na época que Arminius nasceu, a Reforma já estava firmemente estabelecida na Alemanha e na Suíça. Tal não era o caso, entretanto, na Holanda, a terra de Arminius. A Reforma na Holanda coincidiu com sua libertação do domínio espanhol e o surgimento da Contra-Reforma católica. A Holanda, muito freqüentemente referida como os Países Baixos, nesta época da história, consistia dos países da Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Quando o imperador do Sacro Império Romano da família Hapsburg, Charles V, abdicou em 1555, o controle das dezessete províncias da Holanda foi dado ao seu filho, Philip II (1527-1598), o rei da Espanha (1556-1598). Durante o reino de Charles V, o poder da Igreja Católica era usado para tentar aniquilar a sempre crescente ameaça do “Protestantismo.” Decretos foram emitidos contra os luteranos e anabatistas, assim como seus escritos, e muitos foram queimados vivos.[1] Um decreto de 1550 ordenava a morte por fogo a quem possuísse “qualquer livro ou escrito feito por Lutero, Ecolampádio, Zwínglio, Bucer, ou Calvino.”[2] Com vigor renovado, Philip seguiu a mesma política de seu pai até deixar a Holanda em 1559 para a Espanha, e nunca mais voltar.[3] A meia-irmã de Philip, Margaret (1522-1586), foi então nomeada regente em sua ausência e instruída a continuar sua política.
Os próximos vinte anos foram marcados por guerras contínuas. A dissensão estava crescendo, entretanto, contra a tirania dos papistas, e alguma tolerância foi estendida.[4] Todavia, quaisquer possibilidades de concessão que existiam foram abaladas em 1576 quando amotinadores enraivecidos saquearam igrejas católicas e destruíram todas as imagens. Após eclosões desta difusão de iconoclasmo, Philip enviou o Duque de Alva (1507-1582), com milhares de tropas de católicos espanhóis, para dominar a Holanda.[5] Um conselho foi então estabelecido para suprimir a heresia e a sedição. Isto resultou em ainda mais execuções, e, como um historiador contemporâneo descreveu:
A forca, a roda, estacas, árvores ao longo das estradas, estavam carregados de carcaças ou membros daqueles que foram enforcados, decapitados, ou calcinados; de modo que o ar que Deus criou para a respiração dos vivos, se tornou agora a sepultura ou habitação comum dos mortos.[6]
Mas sob a liderança de William de Orange (1533-1584), os líderes das províncias protestantes e católicas assinaram um acordo (o Tratado de Paz de Ghent) para se unirem politicamente a fim de repelir os espanhóis.[7] Esta instável união, entretanto, não iria durar muito tempo. No início de janeiro de 1579, as províncias católicas formaram uma aliança em Arras para tentar uma reconciliação com a Espanha.[8] As províncias do norte, mais tarde neste mesmo mês, formaram uma aliança similar em Utrecht, mas para manter sua independência da Espanha.[9] Em julho de 1581, as províncias do norte declararam sua independência da Espanha no Ato de Abjuração e vieram a se tornar uma força européia maior. Entretanto, a região sul continuou sob o jugo de Roma. Esta divisão lançou os países modernos da Holanda no norte e a Bélgica no sul.
É evidente que os movimentos de reforma que estavam espalhando através da Europa não agradava a Igreja Católica Romana. Como conseqüência, várias medidas foram tomadas para combater as novas “heresias” que estavam destruindo a força da Igreja sobre o povo da Europa. E embora houvesse tentativas de reforma na Igreja Católica que precederam a Reforma, estes esforços se tornaram cada vez mais positivos no século dezesseis, culminando no que é conhecido como a Contra-Reforma.
Um dos eventos mais significantes na história do Catolicismo Romano no século dezesseis é a fundação da Sociedade de Jesus (os jesuítas) por Inácio de Loyola. Após reunir um grupo de seguidores em 1534, Loyola foi ordenado ao sacerdócio em Veneza em 1537, e então viajou para Roma onde encontrou com o papa Paulo III (1468-1549). Em 1540, o papa formalmente reconheceu a nova sociedade de Loyola. Os jesuítas deviam ser uma milícia santa, absolutamente obediente à igreja e sua hierarquia, e completamente dedicada à difusão da una, santa, apostólica, fé católica.[10] A educação foi o meio principal usado pelos jesuítas para a re-catolização.[11] Por isso, neste país temos atualmente a Georgetown, a Loyola University, e outras escolas jesuítas.
Algum tempo depois do surgimento dos jesuítas, o mais famoso concílio na história do Cristianismo foi convocado pelo papa Paulo III – o Concílio de Trento. Os procedimentos deste concílio, que formalmente se reuniu em 13 de dezembro de 1545, foram realizados sob três papas, durante três períodos de tempo, em vinte e cinco sessões, se estendeu por dezoitos anos.[12] E embora se reuniu em Trento, na Áustria, o Concílio foi dominado pelos italianos.[13] No Concílio de Trento, os ensinos tradicionais da Igreja Católica Romana foram reafirmados e sua oposição ao Protestantismo se tornou manifesta. Os apócrifos foram aceitos como canônicos, a tradição foi tornada igual às Escrituras, a Vulgata Latina foi proclamada a única Bíblia oficial, e a autoridade da Igreja para interpretar a Escritura foi mantida.[14] Dos decretos do Concílio de Trento, o mais longo é sobre a Justificação. Consistindo de dezesseis capítulos e trinta e três cânones, ele expressamente condena o ensino de Lutero e dos reformadores. Os decretos do Concílio de Trento, que anatematizaram todo não-católico no mundo, nunca foram repudiados pela Igreja Católica. O Concílio é até mencionado na última edição do Catecismo da Igreja Católica (1994).
Duas outras medidas empregadas pela Igreja Católica Romana no século dezesseis para combater a “heresia” foram o Índice e a Inquisição. A proibição e queima dos escritos julgados heréticos não foi nada para a Igreja de Roma. Depois da invenção da impressão, entretanto, esta tarefa se tornou bem mais difícil, especialmente com a enxurrada de literatura que aparecia expondo as doutrinas da Reforma e criticando o Catolicismo. A enorme tarefa de suprimir literatura herética foi assumida pelo papa Paulo IV (1476-1559) em 1559. Seu Índice de Livros Proibidos condenou todas as traduções vernáculas da Bíblia assim como as obras de Erasmo.[15] Após o Concílio de Trento, o papa Pio IV (1499-1565) publicou um novo índice que absolutamente proibia os escritos dos reformadores Zwínglio, Lutero e Calvino.[16] A outra ferramenta empregada pela Igreja Romana foi a Inquisição. Da mesma forma, não foi nada novo, e mais recentemente tinha sido empregada na Espanha sob a direção do infame Torquemada. A Inquisição papal foi reorganizada pelo papa Paulo III em 1542 como A Congregação do Santo Ofício.[17] Com zelo inflexível, os papistas buscavam aniquilar os “heréticos” protestantes.
Nessa época Arminius começava a ministrar em sua terra natal, a igreja estabelecida era a Igreja Reformada. Entretanto, tal não foi sempre o caso: o Calvinismo foi na verdade o último movimento de reforma a ser estabelecido na Holanda. E além disso, os movimentos de reforma na Holanda diferem consideravelmente daqueles na Alemanha e Suíça. A Reforma na Holanda não teve um líder proeminente como Lutero, Zwínglio ou Calvino. Não foi o resultado de uma seita ou facção, nem foi estabelecida por meios políticos. Mas, como o resto da Europa, e ainda mais no caso da Holanda, a Reforma foi o resultado de uma variedade de fatores.
Embora os escritos de Lutero estavam logo circulando nos Países Baixos, e muitos de seus primeiros pregadores eram seguidores do reformador alemão,[18] outros fatores que precederam o século dezesseis foram também responsáveis pela Reforma holandesa. Os Irmãos de Vida Comum, fundado por Gerard Groot (1340-1384) em 1378, não foram somente conhecidos por seus esforços educacionais, mas por sua ênfase nos estudos bíblicos e nas versões vernáculas das Escrituras.[19] Não havia apenas um conhecimento geral da Vulgata Latina entre as pessoas, mas numerosas traduções de trechos da Bíblia para o holandês também.[20] O aparecimento do humanismo holandês, que teva uma tremenda influência sobre a educação e a cultura, foi também um fator em que estimulou a erudição clássica, e ultimamente, os estudos do Novo Testamento.[21]
A primeira parte do século dezesseis na Holanda viu a ascenção do humanista holandês Erasmo de Roterdã. Embora difamado pelos calvinistas por opor Lutero sobre a questão do livre-arbítrio, Erasmo não somente publicou o primeiro Novo Testamento grego em 1516, como também criticou a Igreja Católica em sua célebre obra The Praise of Folly.[22] Numerosas novas traduções da Bíblia logo começaram a aparecer, e mais tarde, os escritos de outros reformadores além de Lutero.[23] Que os movimentos de reforma na Holanda não seguiam a obra de um homem pode ser visto nos grupos diversos que surgiram durante o século dezesseis. Os sacramentalistas, que opunham tanto os católicos quanto os luteranos, negavam a presença física do corpo de Cristo nos elementos da comunhão.[24] Os anabatistas, e especialmente Menno Simons (1496-1561), de quem os menonitas devem seu nome, foram muito proeminentes na Holanda. E exatamente como a Suíça, eles foram impiedosamente perseguidos por suas concepções sobre o batismo.[25] Há também os primeiros líderes reformados holandeses que não eram necessariamente calvinistas. Antes mesmo do nascimento de Arminius, Anastasius Veluanus (1520-1570), em seu livro The Layman’s Guide, que circulou por toda Holanda, explicitamente rejeitava a predestinação dos calvinistas.[26] Assim, desde o começo da Reforma holandesa, havia dois tipos de cristãos “reformados” na Holanda.[27]
Embora a introdução do Calvinismo na Holanda possa ser traçado à metade do ano de 1540,[28] as primeiras congregações calvinistas foram na verdade formadas em exílio.[29] Os escritos de Calvino circularam vastamente e suas Institutas foram traduzidas para o holandês em 1560.[30] A força da Igreja Reformada na Holanda foi sua rápida organização. O sínodo mais antigo foi realizado em Turcoing em 1563 seguido por vários outros em Antuérpia.[31] O desenvolvimento de uma forte igreja nacional pode ser traçada ao Sínodo de Emden em 1571. Aqui, um plano do governo da igreja foi aprovado, e regras foram decretadas para regular funerais, casamento, roupa, adultério, embriaguez, e vários outros assuntos.[32] Foi aqui também que dois importantes documentos foram oficialmente adotados que iriam desempenhar um papel importante na história subseqüente da Igreja Reformada na Holanda: o Catecismo de Heidelberg e a Confissão de Fé Belga.
O Catecismo de Heidelberg, assim chamado por causa da cidade de seu nascimento na Alemanha, foi redigida por Zacharias Ursinus (1534-1583) e Caspar Olevianus (1536-1587), sob comissão do membro do colégio eleitoral do Palatinado Friedrich III, e publicado em 1563.[33] Embora originalmente escrito em alemão, foi logo depois traduzido para o holandês e usado pelos protestantes holandeses. A Confissão Belga, escrita no que hoje é conhecida como Bélgica, foi a obra de Guido de Bres (1523-1567), o “reformador da Holanda.”[34] Escrita em francês, foi pretendida, como as Institutas originais de Calvino, ser uma apologia aos protestantes franceses perseguidos.[35] Após sua publicação em 1561, também foi logo traduzida para o holandês para uso pelos protestantes holandeses. Mas como reconhecido pelos próprios calvinistas, a aceitação destes e de quaisquer outros credos “foi atingida por diplomacia religiosa antes que pelo acordo da maioria das igrejas calvinistas.”[36]
Os calvinistas holandeses, embora na minoria, foram líderes na revolta contra os espanhóis. Até William de Orange proclamou-se publicamente calvinista em 1573.[37] Por isso, quando as províncias do norte conseguiram independência em 1581, a Fé Reformada foi feita a religião oficial do estado.[38] Não somente toda propriedade da igreja foi concedida à Fé Reformada, os fundos para mantê-la foram fornecidos pelo estado.[39] Todos os ministros estavam sujeitos à aprovação pelas autoridades civis.[40] O ex-professor do Calvin College, Walter Lagerwey (n. 1918), admite que embora “o Calvinismo foi capaz de expandir por causa dos laços próximos com o governo,” “esta relação foi também prejudicial e apresentou sérios problemas para as igrejas.”[41] Os mais tenazes dos calvinistas da mesma forma reconhecem que as igrejas foram financiadas e controladas pelo governo.[42] Dessa forma, os dois males, uma hierarquia denominacional e uma organização Igreja-Estado, estiveram com a Igreja Reformada Holandesa desde o começo.
As enormes mudanças que aconteceram na história eclesiástica da Holanda durante o século dezessete se acabaram por volta da época do início do ministério de Arminius em 1587. Entretanto, novas controvérsias iriam logo surgir, mas na própria Igreja Reformada. E Arminius estava bem no meio delas.
Os próximos vinte anos foram marcados por guerras contínuas. A dissensão estava crescendo, entretanto, contra a tirania dos papistas, e alguma tolerância foi estendida.[4] Todavia, quaisquer possibilidades de concessão que existiam foram abaladas em 1576 quando amotinadores enraivecidos saquearam igrejas católicas e destruíram todas as imagens. Após eclosões desta difusão de iconoclasmo, Philip enviou o Duque de Alva (1507-1582), com milhares de tropas de católicos espanhóis, para dominar a Holanda.[5] Um conselho foi então estabelecido para suprimir a heresia e a sedição. Isto resultou em ainda mais execuções, e, como um historiador contemporâneo descreveu:
A forca, a roda, estacas, árvores ao longo das estradas, estavam carregados de carcaças ou membros daqueles que foram enforcados, decapitados, ou calcinados; de modo que o ar que Deus criou para a respiração dos vivos, se tornou agora a sepultura ou habitação comum dos mortos.[6]
Mas sob a liderança de William de Orange (1533-1584), os líderes das províncias protestantes e católicas assinaram um acordo (o Tratado de Paz de Ghent) para se unirem politicamente a fim de repelir os espanhóis.[7] Esta instável união, entretanto, não iria durar muito tempo. No início de janeiro de 1579, as províncias católicas formaram uma aliança em Arras para tentar uma reconciliação com a Espanha.[8] As províncias do norte, mais tarde neste mesmo mês, formaram uma aliança similar em Utrecht, mas para manter sua independência da Espanha.[9] Em julho de 1581, as províncias do norte declararam sua independência da Espanha no Ato de Abjuração e vieram a se tornar uma força européia maior. Entretanto, a região sul continuou sob o jugo de Roma. Esta divisão lançou os países modernos da Holanda no norte e a Bélgica no sul.
É evidente que os movimentos de reforma que estavam espalhando através da Europa não agradava a Igreja Católica Romana. Como conseqüência, várias medidas foram tomadas para combater as novas “heresias” que estavam destruindo a força da Igreja sobre o povo da Europa. E embora houvesse tentativas de reforma na Igreja Católica que precederam a Reforma, estes esforços se tornaram cada vez mais positivos no século dezesseis, culminando no que é conhecido como a Contra-Reforma.
Um dos eventos mais significantes na história do Catolicismo Romano no século dezesseis é a fundação da Sociedade de Jesus (os jesuítas) por Inácio de Loyola. Após reunir um grupo de seguidores em 1534, Loyola foi ordenado ao sacerdócio em Veneza em 1537, e então viajou para Roma onde encontrou com o papa Paulo III (1468-1549). Em 1540, o papa formalmente reconheceu a nova sociedade de Loyola. Os jesuítas deviam ser uma milícia santa, absolutamente obediente à igreja e sua hierarquia, e completamente dedicada à difusão da una, santa, apostólica, fé católica.[10] A educação foi o meio principal usado pelos jesuítas para a re-catolização.[11] Por isso, neste país temos atualmente a Georgetown, a Loyola University, e outras escolas jesuítas.
Algum tempo depois do surgimento dos jesuítas, o mais famoso concílio na história do Cristianismo foi convocado pelo papa Paulo III – o Concílio de Trento. Os procedimentos deste concílio, que formalmente se reuniu em 13 de dezembro de 1545, foram realizados sob três papas, durante três períodos de tempo, em vinte e cinco sessões, se estendeu por dezoitos anos.[12] E embora se reuniu em Trento, na Áustria, o Concílio foi dominado pelos italianos.[13] No Concílio de Trento, os ensinos tradicionais da Igreja Católica Romana foram reafirmados e sua oposição ao Protestantismo se tornou manifesta. Os apócrifos foram aceitos como canônicos, a tradição foi tornada igual às Escrituras, a Vulgata Latina foi proclamada a única Bíblia oficial, e a autoridade da Igreja para interpretar a Escritura foi mantida.[14] Dos decretos do Concílio de Trento, o mais longo é sobre a Justificação. Consistindo de dezesseis capítulos e trinta e três cânones, ele expressamente condena o ensino de Lutero e dos reformadores. Os decretos do Concílio de Trento, que anatematizaram todo não-católico no mundo, nunca foram repudiados pela Igreja Católica. O Concílio é até mencionado na última edição do Catecismo da Igreja Católica (1994).
Duas outras medidas empregadas pela Igreja Católica Romana no século dezesseis para combater a “heresia” foram o Índice e a Inquisição. A proibição e queima dos escritos julgados heréticos não foi nada para a Igreja de Roma. Depois da invenção da impressão, entretanto, esta tarefa se tornou bem mais difícil, especialmente com a enxurrada de literatura que aparecia expondo as doutrinas da Reforma e criticando o Catolicismo. A enorme tarefa de suprimir literatura herética foi assumida pelo papa Paulo IV (1476-1559) em 1559. Seu Índice de Livros Proibidos condenou todas as traduções vernáculas da Bíblia assim como as obras de Erasmo.[15] Após o Concílio de Trento, o papa Pio IV (1499-1565) publicou um novo índice que absolutamente proibia os escritos dos reformadores Zwínglio, Lutero e Calvino.[16] A outra ferramenta empregada pela Igreja Romana foi a Inquisição. Da mesma forma, não foi nada novo, e mais recentemente tinha sido empregada na Espanha sob a direção do infame Torquemada. A Inquisição papal foi reorganizada pelo papa Paulo III em 1542 como A Congregação do Santo Ofício.[17] Com zelo inflexível, os papistas buscavam aniquilar os “heréticos” protestantes.
Nessa época Arminius começava a ministrar em sua terra natal, a igreja estabelecida era a Igreja Reformada. Entretanto, tal não foi sempre o caso: o Calvinismo foi na verdade o último movimento de reforma a ser estabelecido na Holanda. E além disso, os movimentos de reforma na Holanda diferem consideravelmente daqueles na Alemanha e Suíça. A Reforma na Holanda não teve um líder proeminente como Lutero, Zwínglio ou Calvino. Não foi o resultado de uma seita ou facção, nem foi estabelecida por meios políticos. Mas, como o resto da Europa, e ainda mais no caso da Holanda, a Reforma foi o resultado de uma variedade de fatores.
Embora os escritos de Lutero estavam logo circulando nos Países Baixos, e muitos de seus primeiros pregadores eram seguidores do reformador alemão,[18] outros fatores que precederam o século dezesseis foram também responsáveis pela Reforma holandesa. Os Irmãos de Vida Comum, fundado por Gerard Groot (1340-1384) em 1378, não foram somente conhecidos por seus esforços educacionais, mas por sua ênfase nos estudos bíblicos e nas versões vernáculas das Escrituras.[19] Não havia apenas um conhecimento geral da Vulgata Latina entre as pessoas, mas numerosas traduções de trechos da Bíblia para o holandês também.[20] O aparecimento do humanismo holandês, que teva uma tremenda influência sobre a educação e a cultura, foi também um fator em que estimulou a erudição clássica, e ultimamente, os estudos do Novo Testamento.[21]
A primeira parte do século dezesseis na Holanda viu a ascenção do humanista holandês Erasmo de Roterdã. Embora difamado pelos calvinistas por opor Lutero sobre a questão do livre-arbítrio, Erasmo não somente publicou o primeiro Novo Testamento grego em 1516, como também criticou a Igreja Católica em sua célebre obra The Praise of Folly.[22] Numerosas novas traduções da Bíblia logo começaram a aparecer, e mais tarde, os escritos de outros reformadores além de Lutero.[23] Que os movimentos de reforma na Holanda não seguiam a obra de um homem pode ser visto nos grupos diversos que surgiram durante o século dezesseis. Os sacramentalistas, que opunham tanto os católicos quanto os luteranos, negavam a presença física do corpo de Cristo nos elementos da comunhão.[24] Os anabatistas, e especialmente Menno Simons (1496-1561), de quem os menonitas devem seu nome, foram muito proeminentes na Holanda. E exatamente como a Suíça, eles foram impiedosamente perseguidos por suas concepções sobre o batismo.[25] Há também os primeiros líderes reformados holandeses que não eram necessariamente calvinistas. Antes mesmo do nascimento de Arminius, Anastasius Veluanus (1520-1570), em seu livro The Layman’s Guide, que circulou por toda Holanda, explicitamente rejeitava a predestinação dos calvinistas.[26] Assim, desde o começo da Reforma holandesa, havia dois tipos de cristãos “reformados” na Holanda.[27]
Embora a introdução do Calvinismo na Holanda possa ser traçado à metade do ano de 1540,[28] as primeiras congregações calvinistas foram na verdade formadas em exílio.[29] Os escritos de Calvino circularam vastamente e suas Institutas foram traduzidas para o holandês em 1560.[30] A força da Igreja Reformada na Holanda foi sua rápida organização. O sínodo mais antigo foi realizado em Turcoing em 1563 seguido por vários outros em Antuérpia.[31] O desenvolvimento de uma forte igreja nacional pode ser traçada ao Sínodo de Emden em 1571. Aqui, um plano do governo da igreja foi aprovado, e regras foram decretadas para regular funerais, casamento, roupa, adultério, embriaguez, e vários outros assuntos.[32] Foi aqui também que dois importantes documentos foram oficialmente adotados que iriam desempenhar um papel importante na história subseqüente da Igreja Reformada na Holanda: o Catecismo de Heidelberg e a Confissão de Fé Belga.
O Catecismo de Heidelberg, assim chamado por causa da cidade de seu nascimento na Alemanha, foi redigida por Zacharias Ursinus (1534-1583) e Caspar Olevianus (1536-1587), sob comissão do membro do colégio eleitoral do Palatinado Friedrich III, e publicado em 1563.[33] Embora originalmente escrito em alemão, foi logo depois traduzido para o holandês e usado pelos protestantes holandeses. A Confissão Belga, escrita no que hoje é conhecida como Bélgica, foi a obra de Guido de Bres (1523-1567), o “reformador da Holanda.”[34] Escrita em francês, foi pretendida, como as Institutas originais de Calvino, ser uma apologia aos protestantes franceses perseguidos.[35] Após sua publicação em 1561, também foi logo traduzida para o holandês para uso pelos protestantes holandeses. Mas como reconhecido pelos próprios calvinistas, a aceitação destes e de quaisquer outros credos “foi atingida por diplomacia religiosa antes que pelo acordo da maioria das igrejas calvinistas.”[36]
Os calvinistas holandeses, embora na minoria, foram líderes na revolta contra os espanhóis. Até William de Orange proclamou-se publicamente calvinista em 1573.[37] Por isso, quando as províncias do norte conseguiram independência em 1581, a Fé Reformada foi feita a religião oficial do estado.[38] Não somente toda propriedade da igreja foi concedida à Fé Reformada, os fundos para mantê-la foram fornecidos pelo estado.[39] Todos os ministros estavam sujeitos à aprovação pelas autoridades civis.[40] O ex-professor do Calvin College, Walter Lagerwey (n. 1918), admite que embora “o Calvinismo foi capaz de expandir por causa dos laços próximos com o governo,” “esta relação foi também prejudicial e apresentou sérios problemas para as igrejas.”[41] Os mais tenazes dos calvinistas da mesma forma reconhecem que as igrejas foram financiadas e controladas pelo governo.[42] Dessa forma, os dois males, uma hierarquia denominacional e uma organização Igreja-Estado, estiveram com a Igreja Reformada Holandesa desde o começo.
As enormes mudanças que aconteceram na história eclesiástica da Holanda durante o século dezessete se acabaram por volta da época do início do ministério de Arminius em 1587. Entretanto, novas controvérsias iriam logo surgir, mas na própria Igreja Reformada. E Arminius estava bem no meio delas.
[1] Lindsay, vol. 2, pp. 229-237.
[2] Citado em McNeil, p. 260.
[3] McNeil, p. 242.
[4] Lindsay, vol. 2, pp. 252-253.
[5] Jonathan Israel, The Dutch Republic (Nova York: Oxford University Press, 1995), p. 155.
[6] Gerard Brandt, citado em Lindsay, vol. 2, p. 257.
[7] Israel, pp. 185-186.
[8] Lindsay, vol. 2, p. 267.
[9] Ibid.
[10] Lindsay, vol. 2, pp. 552-555.
[11] Israel, p. 417.
[12] Lindsay, vol. 2, p. 565.
[13] Estep, p. 279.
[14] Lindsay, vol. 2, pp. 572-573.
[15] Estep, p. 279.
[16] Lindsay, vol. 2, p. 604.
[17] Estep, p. 284.
[18] Lindsay, vol. 2, pp. 228-229, 270.
[19] McNeil, p. 255.
[20] W. B. Lockwood, “Vernacular Scriptures in Germany and the Low Countries Before 1500,” em The Cambridge History of the Bible, Vol. 2: The West from the Fathers to the Reformation, ed. G. W. H. Lampe (Cambridge: Cambridge University Press, 1969), pp. 431-434.
[21] Israel, pp. 44-47.
[22] Ibid., p. 46.
[23] Peter Y. De Jong, “The Rise of the Reformed Churches in the Netherlands,” em De Jong, ed., Crisis in the Reformed Churches, pp. 7, 9.
[24] Walter Lagerwey, “The History of Calvinism in the Netherlands,” em Bratt, ed., The Rise and Development of Calvinism, p. 65.
[25] Armitage, vol. 1, pp. 411-416.
[26] Bangs, Arminius: A Study, pp. 21-22.
[27] Carl Bangs, “Arminius as a Reformed Theologian,” em Bratt, ed., The Heritage of John Calvin, pp. 211-214.
[28] De Jong, Reformed Churches, p. 9; Israel, p. 101.
[29] Lagerwey, p. 67.
[30] Ibid.
[31] McNeil, p. 261.
[32] Lagerwey, p. 71.
[33] Evangelical Dictionary of Theology, s.v. “Heildelberg Catechism,” p. 514.
[34] Lagerwey, p. 72.
[35] Evangelical Dictionary of Theology, s.v. “Belgic Confession,” p. 132.
[36] Charles Miller, p. 61.
[37] McNeil, p. 260.
[38] Lagerwey, p. 72.
[39] De Jong, Reformed Churches, p. 14.
[40] Ibid.
[41] Lagerwey, p. 72.
[42] Homer Hoeksema, Voice of Our Fathers, p. 4.
Fonte: http://www.arminianismo.com/
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