segunda-feira, 30 de março de 2009

Deus dói


Mas quando eu acho que vou voar, vem logo uma idéia pesada, como uma âncora, me lembrando que eu sou só um mortal. Um mortal louco pra voar, preso ao medo de cair no chão. Irônico isso, né?

Eu fico pensando em João Batista. Aquele doido varrido, de roupas estranhas e hábitos ainda mais estranhos. Fico pensando em Jonas dentro da baleia, cheio de teimosias, crises, medos. Fico pensando em Noé no fim de um dia cheio de trabalho, com milhões de xingamentos e zombarias nas costas. Paulo com suas feridas, açoites, dores e perseguições. Pedro e seus três nãos, Pedro e seu “sim”. Eu penso em Davi que uma hora era ninguém, outra hora era rei. Davi com o rosto no chão, Davi chorando e sem comer por vários dias. Davi, o menor, o zuado. Eu também fico pensando em Ester, cheia de receios e dúvidas. Tendo que entender que a condição dada por Deus para estar onde estava era lembrar-se todos os dias da pessoa que ela nunca deixaria de ser. Ela era rainha mas aquilo nada tinha a ver com a coroa. Deviam ser dias estranhos dentro daquele palácio.

Todos esses pensamentos na minha cabeça me levam para a mesma conclusão: talvez esteja na hora de sofrer um pouco mais com Deus. Sofrer um pouco mais pelo o que eu desejo ser para Ele, para o que eu posso experimentar dEle, para então, ser de fato, alguma coisa mais real para mim, para Ele, e para quem está do meu lado.

Claro, não estou desabafando aqui nenhuma mensagem religiosa, recomendando que você ajoelhe no milho. Nada disso. Mas se você também parar para pensar, todas essas pessoas aí em cima conheceram Deus de perto porque com tudo o que viveram e passaram, não se deixaram iludir. Não perderam o foco. E o motivo pelo qual isso não rolou é muito simples: Eles sofreram.

A dor definitivamente é um segredo para conhecermos Deus mais a fundo. O problema, é que muitas vezes não entendemos o sinal da dor. Não acreditamos que o sofrimento possa fazer parte da vida de alguém que um dia vai morar numa terra onde não há choro nem lágrima e nem lamento. Mas aí fica a pergunta: Se eu sou salvo, por que eu tenho medo de morrer para algumas coisas? Se Deus é a minha alegria, por que eu evito alguns sofrimentos? Por que então não nos expomos de uma vez por todas para Deus? Por que evitamos tanto a lama na cara, se somos tão cegos quanto aquele cara da bíblia, que nem chegou a ver que Jesus havia misturado saliva com a terra para curá-lo?

Expor seus limites e fraquezas para Deus é muito mais do que um estilo de vida cristão. Não é uma frase de efeito. Não é só um refrão. É uma atitude que na maioria das vezes ninguém verá você ter. É uma experiência individual, intransferível e incomum. Entender o sinal da dor é para quem quer romper padrões de como ser feliz.

Na verdade, esses momentos são os momentos que Deus tanto espera, e que nós as vezes levamos em banho maria.

É por isso que para entrar na presença dEle (onde há de fato a cura), está escrito que é necessário ter ousadia. É preciso ter coragem para se abrir e entrar nesse lugar secreto onde só há você e Deus. Lá não há palpites alheios nem conselhos que você pode jogar fora mais tarde, caso não ache legal ou necessário. Deus sempre vai ter uma opinião relevante para tudo o que você faz. Não aproveitar a opinião de Deus é simplesmente abrir mão de algo que faça sentido nos dias de hoje. E essa é a parte louca do evangelho: se você está rasgado, você pode entrar na presença de Deus exatamente assim, e ainda pode se rasgar ainda mais. Essa é a ousadia. Deus não tem interesse em vitoriosos, mas deve ficar extremamente feliz com os corajosos. Aqueles que entendem que as vezes Deus dói, e que sua grandeza é muito maior do que uma definição só que possa ser dada à Ele.

Em outras palavras, Ele não aplica band-aid nos seus filhos. Ele lava com sabão, desinfeta e limpa por completo. Ele espreme feridas não porque é um Deus mau, mas porque não faz sentido algum viver de anestasias, quando você conhece a injeção da cura. Essa é a dor que faz você se sentir vivo.

Eu fico pensando nisso: A dor é a oportunidade que Deus tanto sonhou para que você pudesse conhecê-lo melhor. E conhecê-lo melhor não é uma exclusividade para as tardes de domingo na igreja. Não precisa ser num culto, não precisa ser quando tudo estiver resolvido para você. Mas é quando você está sozinho. Quando não há quem ore por você, quando não há conexão com a internet, quando você não tem com quem falar, quando seus motivos não convencem ninguém, quando você tem raiva do seu pastor, quando as letras da sua bíblia não fazem muito sentido. Essa é a hora de você ser sincero e trair as etiquetas do relacionamento tradicional com Deus. Quem sofre quase nunca se importa com modos, aparências e formatos. Quem sofre desaba, se derrama, se joga, se entrega.

A hora em que a sua decisão no mundo espiritual é feita você pode entender o que é não ter nada e ter tudo ao mesmo tempo. Mas andar nessa direção é uma escolha. Se você não andar, você nunca saberá como é esse lugar.

Noé construiu um barco quando nem havia chuva no planeta. João Batista era tido como um louco, Ester tinha conflitos, Jonas tinha medo. Davi tinha irmãos mais preparados e mais bonitos. Além disso, ele tinha perseguidores querendo matá-lo a cada momento, e para completar, um coração profundamente sensivel que acumulava angústias e questionamentos do tipo “Deus, por que você me abandonou?”

Paulo tinha a espera. Para ele morrer era lucro, mas ainda assim, tinha a espera, as coisas desta vida, os espinhos na carne. Pedro tinha que retomar suas escolhas.

Nós temos milhões de problemas, questões que não entendemos, erros que conhecemos muito bem e que fingimos não ver, pendências, descasos, roubos que assistimos todos os dias na nossa alma, no nosso corpo, no nosso espírito. Deus não menospreza nada disso. Ele não deixou um versículo sequer dizendo que seria fácil. Essa é a dica para você entender que sim, você vai sofrer, e não, você não poderá cuidar disso sozinho. Se Deus não fizesse você questionar tantas coisas, então Ele não teria o menor valor e a história de cura que ele tanto divulgou por aí não faria o menor sentido. Eu fico pensando em Marcos 15:37.

0 comentários: