terça-feira, 31 de março de 2009

Calvinismo e Arminius

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Calvinismo e Arminius
A ligação entre Calvino e Arminius naturalmente leva à pergunta de quais foram as opiniões de Arminius sobre o Calvinismo. Obviamente, ele se opôs a ele, ou qualquer sistema de teologia contrário ao Calvinismo não seria chamado Arminianismo. Tem sido comumente sustentado que Arminius se encantou com Beza enquanto esteve em Genebra e completamente aceitou sua doutrina da predestinação até que, com mais estudo poucos anos depois, ele o repudiou.[1] Mas como isto é, na melhor das hipóteses, uma exagerada simplificação, é recomendável que mais análise seja feita antes de examinar as disputas que Arminius teve a respeito das doutrinas do Calvinismo.

Logo após ingressar no ministério em Amsterdã, Arminius se envolveu em controvérsia sobre a questão da predestinação que, somente mais tarde, abrandaria com sua morte. Em 1578, dois ministros de Delft, Arent Corneliszoon (1547-1605) e Reynier Donteklok (c. 1545-c. 1611), tinham debatido o Calvinismo com o humanista e Secretário de Estado holandês Dirck Coornhert (1522-1590).[2] Coornhert, que tinha anteriormente tido uma disputa com Calvino, da qual resulta a Response to a Certain Hollander, que Calvino escreveu em 1562,[3] acreditava que o Calvinismo “representava Deus como o autor do pecado.”[4] Ele então escreveu Responses to Arguments of Beza and Calvin.[5] Foi seguido em 1589 por uma obra de Corneliszoon e Donteklok intitulada An Answer to Some of the Arguments Adduced by Beza and Calvin; From a Treatise Concerning Predestination, on the Ninth Chapter of the Epistle to the Romans.[6] Arminius foi solicitado pelos ministros de Amsterdã para refutar Coornhert, mas ele foi, ao invés disso, persuadido por Martinus Lydius (c. 1539-1601), um ex-pastor em Amsterdã, para refutar o livro dos dois ministros de Delft.[7] É supostamente durante sua preparação para refutar Corneliszoon e Donteklok que Arminius passou por uma transformação teológica e “se converteu às próprias opiniões que lhe foi solicitado combater e refutar.”[8] Embora isto seja algumas vezes relatado com precisão,[9] os dois pedidos de Arminius foram freqüentemente combinados na rejeição gradual do Calvinismo enquanto buscava responder Coornhert.[10] Todavia, a história de sua transformação do Calvinismo para o “Arminianismo,” é também, algumas vezes, apenas mencionada como uma conseqüência de seus estudos.[11] Quanto a se Arminius alguma vez esteve em completo acordo com o Calvinismo de Beza não há como saber. Ele escreveu a um amigo em Basel em 1591 que “há muita controvérsia entre nós sobre a predestinação, o pecado original e o livre-arbítrio,”[12] mas ele nunca se expressou com maiores detalhes. A única vez que foi registrado que Arminius mudou suas concepções é em uma carta escrita em 1608, mas quanto a quais estas antigas ou novas opiniões eram permanece um mistério: “Eu não me envergonho de ter ocasionalmente abandonado algumas opiniões que tinham sido instiladas por meus próprios mestres, visto que me parece que eu posso provar pelos argumentos mais convincentes que tal mudança ocorreu para melhor.”[13] Assim, independente de como aconteceu, o fato é que Arminius era agora publicamente conhecido como tendo assumido uma posição oposta ao Calvinismo estabelecido da Igreja Reformada.

Arminius teve quatro disputas significativas sobre o Calvinismo durante o seu ministério – três quando em Amsterdã e uma em Leiden. É de três destas que Arminius escreveria algumas de suas principais obras. A primeira discussão foi com seu colega ministro Petrus Plancius. Além de servir como ministro em Amsterdã, Plancius se especializou em cartografia, astronomia e navegação.[14] Por causa de seus feitos nestas áreas, ele desempenhou um papel importante na exploração e no comércio holandês.[15] Entretanto, ele era também um calvinista: um zeloso calvinista, e um dos primeiros a propagar as doutrinas de Calvino na Igreja Reformada Holandesa.[16] Plancius se opôs a Arminius durante todo seu pastorado em Amsterdã e professorado em Leiden, e continuou a atacá-lo mesmo depois de sua morte.[17] A próxima controvérsia sobre o Calvinismo foi com o acima mencionado Franciscus Junius, que Arminius substituiu como professor de teologia em Leiden. Junius manteve correspondência com ele a respeito da predestinação, e depois da morte de Arminius, o material foi publicado como Friendly Conference of James Arminius with Francis Junius about Predestination Carried on by Means of Letters.[18] O último debate sobre o Calvinismo enquanto ele ainda estava em Amsterdã foi com o professor de Cambridge William Perkins (1558-1602). Perkins, em resposta a uma obra anterior contra a predestinação, redigiu uma obra intitulada On the Mode and Order of Predestination, and on the Amplitude of Divine Grace. Após comprar o livro, Arminius escreveu a Perkins: “Pensei que compreendia algumas de suas passagens que mereciam análise pelo princípio da verdade. Por esse motivo julguei que não seria impróprio se eu estabelecesse uma reunião com você a respeito desse seu pequeno livro.”[19] Embora Perkins morreu antes que Arminius pudesse completar sua réplica, ela resultou na publicação de Examination of Perkins’ Pamphlet on the Order and Mode of Predestination, mas não até depois da morte de Arminius.[20] Com sua mudança para Leiden, Arminius foi imediatamente contraposto por Franciscus Gomarus (1563-1641), um dos professores. Gomarus primeiro tentou impedir Arminius de entrar na faculdade e então discutiu com ele acerca da predestinação até sua morte precoce.[21] Ele foi calvinista a tal ponto que os calvinistas na Holanda foram mais tarde chamados Gomaristas.[22] A controvérsia entre Arminius e Gomarus se tornou tão acalorada que houve disputas entre ambos os estudantes de teologia e os trabalhadores têxteis.[23] Desta contínua disputa surgiu a obra Examination of The Theses of Dr. Francis Gomarus Respecting Predestination e a Declaration of Sentiments, que foi entregue por Arminius em 1608 diante dos Estados da Holanda em Haia.[24] Enquanto comprometido em disputas com estes homens acerca do assunto da predestinação, Arminius também tinha que defender-se de algumas acusações frívolas que exigiam um maior estudo.

Pela razão dele se opor ao seu sistema de doutrina, os calvinistas contestaram Arminius com acusações de Catolicismo Romano, Socinianismo, e Pelagianismo. A muito usada associação com o Catolicismo foi feita porque, visto que os católicos rejeitavam a concepção reformada da predestinação, qualquer um que fizesse o mesmo deve ter afinidades católicas.[25] Uma outra heresia da qual Arminius foi acusado é o Socianismo.[26] Surgindo durante a existência de Arminius, este movimento foi assim chamado por causa de Laelius Socinus (1525-1562) e seu sobrinho, Faustus Socinus (1539-1604). Sua doutrina era a do Unitarismo: rejeição da Trindade e uma negação da verdadeira natureza da Expiação.[27] Não há necessidade de dizer mas os socinianos rejeitavam a predestinação, e é por isso que Arminius é agrupado com eles. Mas talvez a associação mais injuriosa, e uma que ainda é feita hoje,[28] é a de Pelagianismo. Esta foi uma acusação favorita dos inimigos de Arminius,[29] mas uma que ele veementemente repudiou.[30] Arminius claramente reconhecia em sua dia esta incessante tática ainda empregada pelos calvinistas para impugnar qualquer infamador do Calvinismo: “Se qualquer contradição for oferecida a esta doutrina, Deus é necessariamente privado da glória de sua graça, e então o mérito da salvação é atribuído ao livre-arbítrio do homem e a seus próprios poderes e força – cuja declaração cheira a Pelagianismo.”[31] É interessante notar, embora os calvinistas nunca mencionem, que em 1549 Calvino foi também forçado a defender-se de acusações de Pelagianismo.[32]

Além de ser injustamente associado com heréticos que, da mesma forma, rejeitavam o Calvinismo, Arminius foi acusado de distanciar dos credos aceitos pelas igrejas reformadas: o Catecismo de Heidelberg e a Confissão Belga.[33] Para a acusação de que ele ensinava contrário aos credos aceitos, Arminius respondeu com vigor. Ele afirmou mais de uma vez que ele “não ensinava nem desejava ensinar nada que fosse de alguma forma repugnante” à Confissão e ao Catecismo oficiais.[34] Todavia, por causa de seu elevado conceito da Escritura, Arminius nunca colocou os credos estabelecidos acima da palavra de Deus: “Eu confiantemente declaro, que eu nunca ensinei qualquer coisa, seja na Igreja ou na Universidade, que violasse os Escritos Sagrados, que devem ser a nossa única regra de pensar e de falar, ou que fosse oposto à Confissão de Fé Holandesa, ou ao Catecismo de Heildelberg.”[35] Ao defender um sínodo nacional para examinar a Confissão e o Catecismo, Arminius novamente exaltou a Escritura acima do que ele chamava obras de homens:

Que possa abertamente parecer a todo o mundo que atribuímos à palavra de Deus apenas a honra devida e adequada, ao ponto de estabelecê-la ser além (ou melhor acima) de todas as disputas, grande demais para ser assunto de qualquer objeção, e digna de toda aceitação. Pela razão destes panfletos serem escritos que procedem de homens, e podem, por essa razão, conter dentro deles alguma porção de erro, é adequado instituir uma investigação legítima, isto é, em um sínodo nacional, se ou não haja qualquer coisa nessas produções que requeira correção.[36]

Arminius propôs que a Confissão fosse, tanto quanto possível, feita concisa e contendo poucos artigos, e que somente expressões bíblicas fossem usadas.[37] Ele desejava ver omitidas as “explicações, provas, digressões, redundâncias, amplificações e exclamações” e conservadas somente as verdades “necessárias para a salvação.”[38] Quanto ao que nestes dois credos poderiam ser considerados debatíveis ou incorretos, a resposta é muito breve, pois cada um contém somente uma referência ambígua à eleição – uma referência muito ambígua. A questão cinqüenta e quatro no Catecismo de Heidelberg é um exemplo ilustrativo:

54. O que você crê sobre a “santa igreja universal” de Cristo?

R. Creio que o Filho de Deus reúne, protege e conserva, dentre todo o gênero humano, sua comunidade eleita para a vida eterna. Isto Ele fez por seu Espírito e sua Palavra, na unidade da verdadeira fé, desde o princípio do mundo até o fim. Creio que sou membro vivo dessa igreja, agora e para sempre.[39]

O artigo correspondente na Confissão Belga é o artigo dezesseis:

Cremos que Deus, quando o pecado do primeiro homem lançou Adão e toda a sua descendência na perdição, mostrou-se como Ele é, a saber: misericordioso e justo. Misericordioso, porque Ele livra e salva da perdição aqueles que Ele em seu eterno e imutável conselho, somente pela bondade, elegeu em Jesus Cristo nosso Senhor, sem levar em consideração obra alguma deles. Justo, porque Ele deixa os demais na queda e perdição, em que eles mesmos se lançaram.[40]

Foi durante alguma controvérsia sobre a pregação de Arminius sobre Rm 9 em 1593 que ele apareceu diante do consistório e afirmou seu assentimento à Confissão, mas reservou o direito de interpretar o aqueles no artigo dezesseis como uma referência aos crentes.[41] O que é realmente irônico sobre estes credos é que os próprios calvinistas alteraram-nos. Franciscus Junius tinha condensado o artigo dezesseis e editado o artigo trinta e seis anos antes de sua controvérsia com Arminius.[42] Arminius então observou que outras igrejas reformadas tinham revisado suas confissões e que a Confissão Belga tinha de fato sido revisada.[43]

É a interpretação da predestinação de Arminius que é o ponto crucial de sua argumentação com Calvino. Antes que aplicar a predestinação aos incrédulos (como fez Calvino), Arminius a aplicou somente aos crentes. Em sua Declaration of Sentiments, Arminius então apelou ao Catecismo de Heildelberg em defesa de sua concepção. Na questão vinte desse antigo documento se lê:

20. Todos os homens, então, tornam-se salvos por Cristo, assim como pereceram em Adão?

R. Não, somente aqueles que pela verdadeira fé são unidos a Cristo e aceitam todos os seus benefícios.[44]

O comentário de Arminius é digno de nota: “Desta sentença infiro, que Deus absolutamente não predestinou ninguém para salvação; senão aqueles que, em seu decreto, considerou [ou reputou] como crentes.”[45] Arminius sumariou suas concepções da predestinação como “um decreto eterno e gracioso de Deus em Cristo, pelo qual Ele determinou justificar e adotar os crentes, e para conferir-lhes vida eterna, mas para condenar os incrédulos e os impenitentes.”[46] Ele chamou esta predestinação “a fundação do Cristianismo, de nossa salvação, e da segurança da salvação.”[47] Arminius reduz a controvérsia acerca do Calvinismo às mesmas duas perguntas mencionadas previamente: “Cremos, porque fomos eleitos?” ou “Somos eleitos, porque cremos?”[48] Esta foi a principal questão na época de Arminius; foi a principal questão nos debates Calvinismo-Arminianismo subseqüentes; permanece sendo a principal questão nestes mesmos debates hoje.

[1] Bangs, Arminius: A Study, pp. 19, 171.
[2] Ibid., p. 139.
[3] de Greef, pp. 139-140.
[4] Dirck Coornhert, citado em Curtiss, p. 23.
[5] Curtiss, p. 23.
[6] Bangs, Arminius: A Study, p. 138.
[7] Ibid., p. 139.
[8] Works of Arminius, vol. 1, p. 30.
[9] Bangs, p. 139; Thomas Scott, p. 8; R. C. Sproul, Willing to Believe (Grand Rapids: Baker Books, 1997), p. 134.
[10] Curtiss, p. 24; Schaff, History, vol. 8, p. 510; Custance, p. 76; Sellers, p. 8; Homer Hoeksema, Voice of Our Fathers, p. 7; Encyclopedia of Religion and Ethics (Nova York: Charles Scribner’s Sons, n.d.), s.v. “Arminianism,” vol. 1, p. 808; Dictionary of Christianity in America (Downers Grove: InterVarsity Press, 1990), s.v. “Arminianism,” p. 78; Praamsma, p. 24; J. L. Neve, A History of Christian Thought (Philadelphia: The Muhlenberg Press, 1946), vol. 2, p. 16.
[11] The Oxford Dictionary of the Christian Church, s.v. “Arminianism,” p. 90; The Westminster Dictionary of Christian Theology, s.v. “Arminianism,” p. 43; New Catholic Encyclopedia, s.v., “Arminius, Jacobus,” vol. 1, p. 840; Baker’s Dictionary of Theology, s.v. “Arminianism,” p. 64; Frederick D. Kershner, Pioneers of Christian Thought (Freeport: Books for Libraries Press, 1958), p. 305; The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, s.v. “Arminius, Jacobus,” vol. 1, p. 296.
[12] Arminius, citado em Bangs, Arminius: A Study, p. 139.
[13] Ibid., p. 296.
[14] Bangs, Arminius: A Study, p. 178.
[15] Ibid., p. 119.
[16] Ibid.
[17] Ibid., pp. 147, 272.
[18] Works of Arminius, vol. 3, p. 1.
[19] Ibid., p. 266.
[20] Bangs, Arminius: A Study, p. 209.
[21] Ibid., pp. 283, 327-328.
[22] Curtiss, p. 65.
[23] Israel, p. 393.
[24] Bangs, Arminius: A Study, pp. 264, 307.
[25] Ibid., p. 273.
[26] Works of Arminius, vol. 2, p. 686; Bangs, Arminius: A Study, p. 282.
[27] Berkhof, History, pp. 96, 185.
[28] Steele and Thomas, pp. 20-21; Spencer, Tulip, p. 65; Boettner, Predestination, p. 47; Mason, p. 5.
[29] Curtiss, p. 39; Bangs, Arminius: A Study, pp. 114, 216, 272; Works of Arminius, vol. 1, pp. 102, 113, 289.
[30] Bangs, Arminius: A Study, pp. 144, 192; Works of Arminius, vol. 1, p. 102.
[31] Works of Arminius, vol. 1, p. 617.
[32] de Greef, pp. 162-163.
[33] Bangs, Arminius: A Study, pp. 144; Works of Arminius, vol. 1, p. 101.
[34] Works of Arminius, vol. 1, pp. 106, 110, 113, 600.
[35] Ibid., vol. 2, p. 690.
[36] Ibid., vol. 1, p. 702.
[37] Ibid., p. 724.
[38] Ibid.
[39] The Three Forms of Unity (Grand Rapids: Protestant Reformed Churches in America, 1991), p. 10.
[40] The Three Forms of Unity, p. 28.
[41] Bangs, Arminius: A Study, p. 149.
[42] Ibid., pp. 101, 225, 314.
[43] Ibid., p. 314.
[44] The Three Forms of Unity, p. 5.
[45] Works of Arminius, vol. 1, p. 623.
[46] Ibid., vol. 2, p. 698.
[47] Ibid.
[48] Ibid., vol. 1, p. 643.

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