Ouvi essas sentenças como reação a um discurso que proferi em uma entidade filantrópica. O tema que me foi apresentado era: A realidade do mundo e a expectativa evangélica para o futuro.
Embora esse comentário sobre minha palestra tenha me deixado triste, compreendi que ele não se dirigia apenas a mim. Representava muito mais uma resposta secularizada à visão cristã de mundo.
A expectativa evangélica do futuro parece, em um primeiro instante, muito negativa.
Cristo previu um cenário bem cru para os últimos dias. Independente da interpretação que se dê para alguns textos como Mateus 24 e Lucas 21, vê-se claramente que Jesus não foi ufanista quanto ao futuro da humanidade. Seu vaticínio previa uma falência do sistema ecológico (terremotos, o sol se escurecendo, a lua não dando sua claridade etc.); crises econômicas (fome); conflitos políticos (guerras e rumores de guerra); abalo na família (pai se levantando contra filho); barafunda religiosa (falsos profetas, falsos cristos, perseguição); frouxidão moral (multiplicação da iniqüidade, esfriamento do amor).
Depois de Cristo, os pagãos também acusaram os primeiros cristãos de “odiar a raça humana”. E Paulo não poupa palavras. Escrevendo para seu discípulo Timóteo, anteviu um futuro nebuloso: “Sabe porém, isto: Nos últimos dias sobrevirão dias difíceis; pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma da piedade, negando-lhe, entretanto, o poder” (2 Tm 3.1-5).
Passados quase 2.000 anos, vale perguntar: “a escatologia cristã é pessimista?”.
Só neste século experimentamos duas guerras mundiais, centenas de conflitos em menor escala e mais de 150 milhões de mortos.
A cobiça humana arrasou com florestas, dizimou espécies animais, poluiu rios, destruiu a camada de ozônio.
A sofisticação dos sistemas políticos foram incapazes de amenizar as injustiças sociais; um terço da humanidade ainda vive em miséria absoluta.
Os cartéis do tóxico tornaram-se poderosas forças econômicas e políticas. Pode-se continuar relatando desgraças ad infinitum: aborto, ódio étnico e religioso, indústria da pornografia infantil, chuva ácida, minas que mutilaram homens, mulheres e crianças etc.
Antes de ter sido acusado por sua mulher de cometer incesto com uma de suas filhas adotivas, o cineasta Woody Allen declarou: “Mais do que em qualquer outra época, estamos numa encruzilhada. Um dos caminhos leva à catástrofe e ao mais terrível desespero. O outro leva à extinção total. Vamos rezar para que façamos a escolha correta”.
Norman Brown, escritor americano, conseguiu ser ainda mais seco: “Até a sobrevivência da humanidade é hoje uma esperança utópica”.
O cristianismo não colore o futuro de tons bonitos porque, ao contrário do Iluminismo – que imaginava as pessoas como naturalmente boas -, ele insiste na doutrina da queda – todos estão presos ao pecado.
Alienados de Deus, homens e mulheres continuarão gerando sistemas perversos. Há alguns anos, acompanhei um fotógrafo norte-americano que documentava a dura realidade da miséria nordestina. Ele já trabalhara para o Washington Post, cobrindo a guerra do Vietnam e conhecia as iníquas entranhas do poder político. Desiludido, sua conclusão sobre a humanidade coincide com a dos evangelhos. “Parece que há forças invisíveis governando os destinos da humanidade; por mais que nos esforcemos e sonhemos com um mundo mais bonito, somos impelidos para a guerra, para a corrupção e para a desgraça”, lamentava ele.
O cristianismo reconhece que sistemas adoecem, que estruturas se satanizam, que gerações inteiras se corrompem, mas identifica o pecado pessoal como a fonte de todos os males. “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15.19). Sem arrependimento e regeneração do indivíduo, a escatologia cristã será sempre cética quanto ao futuro.
João Batista começou pregando que o machado está posto à raiz da árvore (Mt 3.10), portanto, se as pessoas não forem regeneradas pelo poder do Espírito Santo, não conseguirão jamais gestar um futuro promissor.
A escatologia cristã parece ser pessimista também porque espera uma intervenção radical de Deus na história. Os apóstolos questionaram a Cristo antes do dia de Pentecostes: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1.6). Desde então a literatura cristã está farta de idéias apocalípticas. Tanto nos escritos de Paulo, Pedro, João, como nos anseios das comunidades primitivas – que clamavam “Maranata” – acreditava-se que a volta de Cristo seria eminente.
Todas as gerações esperavam que Cristo voltasse para julgar os ímpios, erradicar a maldade e estabelecer seu reino milenar na Terra. Essa expectativa é sintomática. Indica que a comunidade cristã jamais acreditou que as utopias futuras dessem certo. Mesmo em períodos históricos em que houve grande envolvimento político, os cristãos esperaram a invasão apocalíptica do próprio Deus. Thomas More imaginou a ilha da Utopia, Chardin pregou a evolução do ser humano e Marx propôs uma sociedade altruísta e sem desiguais.
Os cristãos, entretanto, embora insistindo no envolvimento de cidadãos na militância política para diminuir o avanço do mal e demonstrar lampejos do reino futuro aqui na Terra, acreditam que só haverá justiça e paz quando Cristo voltar e implantar seu reino. Certa vez, C. S. Lewis disse que na hora em que o autor de uma peça entra no palco do teatro é sinal de que acabou-se o espetáculo.
A escatologia cristã, porém, não se enxerga como pessimista. Primeiro, porque não se frustra com o irrealizável, mas se concentra no que pode ser feito. Não se acomoda, mas antecipa em vidas e comunidades o reino de justiça que ainda está por vir. Forma espaços de vida em meio ao caos. Gera esperança contra a própria esperança. O cristão não é niilista, porque acredita nos desdobramentos da regeneração. Se o coração depravado é potencialmente capaz de monstruosidade, o regenerado pode produzir ondas de bondade com poder de alterar leis, países, gerações inteiras. Robinson Cavalcanti, faz-nos pensar nos desdobramentos de um cristianismo integral.
A missão do cristão regenerado é: “Expor toda a Palavra, interceder por todos os problemas, apoiar todas as vocações, edificar todos os fiéis, combater todo o mal”. Cavalcanti continua sonhando com a possibilidade de concretizar a utopia realizável do Reino com “cristãos que amam não só de palavras, mas de atos.
Atos filantrópicos, atos que apóiem projetos em comunidades carentes, atos que lutem por atacar as causas estruturais de opressão. Igrejas proféticas, cristãos engajados, movimentos de inspiração evangélica. Homens novos comprometidos com um novo mundo, antecipando novidades no mundo: sinais do Reino, marcas do Reino, antecipação do Reino”.
Na igreja de Tessalônica espalhou-se uma heresia apocalíptica. Alguns diziam que Cristo já voltara e que de nada adiantava trabalhar ou ter planos futuros, porque o seu reino seria implantado sem a interferência humana. Outros afirmavam que Ele ainda não tinha voltado, mas que estava às portas. Diziam também que não era mais necessário nenhum projeto humano, pois na sua volta, tudo redundaria em nada. Paulo os corrigiu escrevendo as duas epístolas aos tessalonicenses. Nelas, ele lembra que a volta de Cristo não deve provocar acomodação, indiferença mas um compromisso com a vida. “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5.23).
A profecia cristã não é pessimista, ela convoca os cristãos a se engajarem antecipando e demonstrando lampejos do Reino e a se santificarem esperando “novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça” (2 Pe 3.13). Vem, Senhor Jesus.
Soli Deo Gloria.
Vi no http://betesda.com.br/reflexoes/o-cristao-e-pessimista/
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