quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Juntos na Arca: testemunho de uma comunidade intencional




Uma vez ouvi um pregador dizer que dentro da arca de Noé pode ter sido fedorento e tumultuado, mas as pessoas que estavam lá sabiam que era melhor estar a bordo.

A mesma coisa se estende à convivência na igreja. Viajar com outras pessoas não é sempre fácil mas a arca nos salva de morrer afogado. E ela faz mais do que isso — ela nos dá oportunidade para que aprendamos a conviver.

A nova comunidade monástica da qual minha família faz parte tem providenciado a oportunidade para que cristãos de diferentes tradições aprendam a conviver. Nosso grupo de batistas, pentecostais, metodistas, episcopais e católicos têm encontrado uma maneira de conviver como uma comunidade de cristãos que querem cuidar uns dos outros e de nossos vizinhos (temos feito isso permanecendo membros de nossas denominações).

No século XX, a maioria dos esforços ecumênicos foi direcionada a buscar líderes e professores para sentar e se por de acordo sobre declarações doutrinárias. Estes esforços fizeram alguns progressos, mas a reconciliação nas estruturas eclesiais foi vagarosa para chegar até os bancos das igrejas. O que nós descobrimos na comunidade intencional é que a convivência focada nos aspectos práticos da fé cristã pode nos unir dia a dia em caminhos que transcendem diferenças doutrinárias.

Isso não significa que a doutrina não importa. Todas aquelas questões pelas quais nossos antepassados mataram e morreram são importantes, mesmo se um pouco de distância pode nos ajudar a ver seu significado de uma forma diferente. E mesmo quando aceitamos aquelas questões, ainda temos nossos próprios desentendimentos. Nós não concordamos a respeito de como ler a Bíblia, a relação entre igreja e estado, ética sexual ou escatologia. Discutimos sobre estas coisas e não esperamos quaisquer soluções fáceis.

Continuaremos, enquanto isso, lavando os pratos uns dos outros. Nossa pequena comunidade está unida no compromisso com práticas como acolher estranhos, compartilhar recursos econômicos e perdoar uns aos outros. Temos desenvolvido o que eu gosto de chamar de doutrina da adoção. Seja qual for o significado da história da salvação para a igreja e para o mundo, estamos convencidos que Jesus morreu e ressuscitou para que pudéssemos ser adotados na família de Deus e ter tempo para conviver, mesmo quando discordamos. Enquanto o resto do mundo corre para provar que seus inimigos estão errados, Jesus tem nos dado o presente do tempo para esperar juntos, tolerando o outro na prática da vida em comunhão. Mesmo quando o povo que Deus acolheu “nos dá nos nervos”, estamos convencidos que ser membro nesta família é um presente.

Chamamos nossa comunidade de Casa Rutba por causa de um pequeno vilarejo no deserto oeste do Iraque. Durante a invasão americana do Iraque, minha esposa, Leah, e eu viajamos com Christian Peacemaker Teams (Equipes Cristãs de Ação pela Paz) à Bagdá, acreditando que aquela era a forma pela qual Jesus nos chamava para parar a guerra injusta que nosso país estava iniciando. Três dias depois que aviões americanos bombardearam um hospital infantil em Rutba, um carro no nosso comboio bateu num estilhaço na estrada fora da cidade e caiu num buraco. Iraquianos parados na beira da estrada colocaram nossos amigos ensanguentados nos seus carros e os levaram a um médico em Rutba. "Três dias atrás, seu país bombardeou nosso hospital", disse o médico, "mas nós vamos cuidar de vocês". Ele deu pontos nas suas cabeças e salvou suas vidas.


Para a nossa comunidade, aquela experiência se tornou uma estória do Bom Samaritano dos dias atuais. Um bom iraquiano — e um bom muçulmano — não apenas salvou as vidas dos nossos amigos; ele também nos mostrou como era o amor de Deus. Então, ademais do nosso foco na prática e na doutrina da adoção, sempre nos lembramos que nosso relacionamento com Deus depende de estranhos. Não podemos ser salvos apartados daquele que é estranho, mesmo o estranho que parece ser nosso inimigo. Tão grato quanto estejamos por essa pequena arca que nos mantém flutuando na tempestade que ruge sobre nós, não podemos esquecer que o Deus que nos convidou para entrar deixa a porta aberta. O estranho que chega não é só um exemplo de caridade que merece nossa simpatia. Ele é um companheiro de viagem. Quem sabe ele seja o único que pode nos mostrar como navegar nas águas diante de nós.

Serei o primeiro a admitir que o testemunho das novas comunidades monásticas é pequeno e imperfeito. Dez ou vinte pessoas optando por viver juntas em uma comunidade intencional é dificilmente um modelo para a vida congregacional. Mas se eu tenho aprendido algo de meus amigos beneditinos, é que a vida monástica, embora pequena e aparentemente insignificante, é uma vida vivida para a igreja e o mundo.

Eu tenho um amigo que quase desistiu não apenas do cristianismo mas da sua própria vida por causa do beco sem saída que ele encontrou nas correntes convencionais do cristianismo moderno fragmentado. Criado por missionários conservadores na África, meu amigo sabia que algo estava errado quando ele se sentiu atraído por outros garotos. Como universitário numa faculdade evangélica, ele passou por programas e pediu oração para ser liberto de sua homossexualidade. Mas nada funcionou. Ele era gay e sabia que isso significava que não era bem-vindo na igreja na qual fora criado. Como muitos outros nessa situação, ele deixou a igreja para trás e começou a viver sua vida na comunidade gay. Isto foi confortável por um tempo. Ele encontrou gays cristãos que eram membros de igrejas afirmativas. Mas meu amigo disse que não pode encontrar alguém que fosse capaz de explicá-lo porque ainda sentia sua vida sem significado.

Quase por acidente, ele encontrou casualmente uma comunidade cristã onde havia pessoas cuja fé parecia diferente. Eles estavam tentando viver suas vidas pelo Sermão do Monte. Serviam lado a lado com os pobres e tentavam amar uns aos outros. Adoravam a Deus com entusiasmo mas sua adoração não era apenas no culto de domingo pela manhã. Eram suas vidas inteiras em comunhão.

Talvez esta fosse a resposta, meu amigo pensou. Talvez este tipo de vida comunitária, vivendo da maneira que Jesus ensinou, era para onde ele deveria seguir. A vida comunitária era convincente, mas ele estava cauteloso: O que eles iriam pensar sobre sua homossexualidade? Pedindo um encontro privado, ele colocou a questão para o líder na comunidade. O líder respondeu: "Eu não sei o que tudo isso significará para nossa jornada comum mas eu vou dizer uma coisa: Você é um presente e nós queremos receber você assim."

Vinte anos depois, meu amigo é um líder na mesma pequena comunidade. Ele diz que Deus e as pessoas de lá salvaram sua vida. Claro, a sua é apenas uma vida no contexto de uma pequena comunidade. Sua história não representa uma resposta para a discussão sobre a homossexualidade que ameaça dividir ainda mais uma igreja já fragmentada. Mas sua vida e a comunidade que o cerca são, eu penso, um sinal de esperança, apontando para um novo tipo de cristianismo para o nosso tempo. Enquanto tantos de nós estamos tentando descobrir a postura correta sobre uma questão ética, um comunidade de pessoas imperfeitas teve a graça de receber outro irmão imperfeito como um presente. Fazendo assim, eles não apenas salvaram sua vida; eles salvaram as deles mesmos, se tornando um povo que brilha com a vida que é vida verdadeira.

O monasticismo tem sempre ajudado a igreja a se lembrar de sua verdadeira identidade em tempos de rápidas mudanças sociais. Nos séculos IV e V, os pais e mães do deserto buscaram um jeito de serem fiéis no Império Romano que acabara de se tornar "cristão". Quase em cada crise social importante desde então, o cristianismo tem dado origem a movimentos monásticos. Se há uma mensagem que o novo monasticismo tem para oferecer à igreja no nosso tempo, eu creio que são as boas novas que o cristianismo como um estilo de vida promete novas possibilidades aos debates fatigantes entre esquerda e direita. De fato, ele muda a questão.


Para o meu amigo, a questão real não era se a homossexualidade como um estilo de vida seria condenada ou acolhida. Este modo de colocar a questão centrou toda a identidade do meu amigo na sua homossexualidade. Não importa quanto os conservadores falem sobre "odiar o pecado e amar o pecador", ele não poderia deixar de sentir a condenação de seu estilo de vida como uma condenação dele mesmo. Por outro lado, não importa o quanto uma congregação afirmativa estivesse desejosa de acolher meu amigo como homossexual, ele ainda se sentiria travado com uma identidade que não o estava satisfazendo. Ele não seria criado para algo mais do que para "políticas de identidade"?

No centro do seu ser, meu amigo queria saber quem era e para o quê tinha sido criado. Ele foi salvo por uma pequena comunidade que lhe ofereceu uma nova identidade: ele é um presente de Deus cujo propósito integral na vida é servi-lo com ações de graças nos relacionamentos desordenados da vida comum. Eu oro por uma igreja que possa nos ajudar a entender o que significa receber nossas vidas como um presente e ser transformado pelo refinamento do fogo de outros a quem nós amamos como se eles fossem também presentes de Deus. Eu sou grato pelas pequenas comunidades que criam espaço para experimentar como isso pode se parecer no nosso tempo.

Por Jonathan Wilson-Hartgrove

Publicado originalmente em http://christiancentury.org/article.lasso?id=7468

(Tradução de Flávio Conrado)


Vi no http://www.novosdialogos.com/blog.asp?id=13

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