quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Juro que tentei
Não sei porque alguém algum dia se interessaria em escrever minha biografia. Não consto na agenda do Presidente, nunca almocei com o Secretário Geral das Nações Unidas e nem fui capa de nenhuma revista semanal. Todavia, sempre há algum maluco se especializando em temas excêntricos. Se alguém se interessar em pesquisar minha vida, facilitarei seus estudos.
Biógrafo amigo, advirto-lhe de antemão: você não encontrará em minha história nada fenomenal. Logo aprenderá que não fui gênio em nada, nunca voltei os ponteiros dos relógios, jamais rachei o mar para ninguém andar a pé enxuto, não ganhei nenhum Prêmio Nobel. Juro apenas que sempre tentei!
Tentei ser um poliglota. Alguns meses antes de completar meus treze anos, matriculei-me em cursos de alemão, inglês e esperanto, caso se concretizassem os sonhos de Zamenhof. Cedo notei que meu quociente de inteligência não alcançava o alemão. Também percebi que nenhum grande milionário ou multinacional patrocinava o projeto do idioma que reverteria Babel. “Que grande perda”, ouvi de meu professor quando desertei da língua unificadora da humanidade. Já sabia recitar em Esperanto trechos de Iracema de José de Alencar. Aprendi só o inglês, que hoje me orgulho de dominar com certa facilidade.
Tentei ser atleta. Deus sabe como. Fui vice-campeão cearense infantil de judô – perdi o título de campeão, numa amarga derrota para o Jorge, meu irmão um ano mais novo. Migrei para o basquete. Quando tentei fazer tabelas, ouvi do Luiz, técnico do Maguari Esporte Clube: “Mais cuidado ‘canhoto mongol’”!. Nunca mais voltei aos treinos, já que não conseguia coordenar os três passos permitidos no jogo com um simples arremesso de bola. Voltei-me para a natação e ganhei o terceiro lugar nos Jogos Brasileiros de Escolas Técnicas, estilo peito clássico – havia cinco competidores. Ficou nisso! Não baixava o meu tempo e no ano seguinte, nem me classifiquei. Morando nos Estados Unidos, tentei enganar os americanos. Cheguei lá afirmando que sabia jogar pólo aquático. Alcancei o time principal, mas como goleiro. E você, meu querido biógrafo, sabe o que isso significa, não é?
Tentei ser um diplomata. Contudo, matriculado no curso noturno da Faculdade de Administração de Empresas do Ceará, não dispunha de tempo, dinheiro ou cabedal para enfrentar o Instituto Rio Branco, no Rio de Janeiro. Além de não saber falar francês – só agora vejo que alemão não era grande negócio. Precisei contentar-me com o fantástico cargo de chefe do departamento de tradução de uma empresa filantrópica americana, ajudando meninos pobres do Ceará – traduzíamos cartas de crianças semi-alfabetizadas.
Tentei ser um bom presbiteriano. Só que, não sei porque, Deus me visitou um dia com uma experiência pentecostal. Nessa experiência falei em uma língua que se parecia com soluços espirituais – e que os teólogos denominam de glossolalia. Fui cordialmente convidado a não mais permanecer entre os presbiterianos. Resolvi tentar a Assembléia de Deus. Esforço vão. Eles nunca deixaram de me olhar com suspeita. Não sei explicar a razão. Talvez por nunca admitir que brincos fossem piores do que a vaidade das disputas eleitorais para cargos religiosos. Tentei ser um bom “evangelical”. De novo sem sucesso. Desencantei-me com a fôrma teológica dos irmãos Reformados, com a inoperância da fé dos Protestantes Históricos e com o adesismo à cultura norte-americana dos Fundamentalistas.
Tentei ser um bom pai. Queria não repetir os erros da minha família. Sonhei viver os meus últimos dias perto de meus filhos e netos. Porém, aos cinqüenta anos, quando adiciono os quilômetros que me separam de minha filha e de meu neto e como ela pouco se comunica conosco, percebo o tamanho de meu fracasso.
Tentei ser um bom pastor. Dei-me com todas as minhas forças ao projeto de edificar uma igreja que continuasse a missão de Jesus Cristo, engajada socialmente, amando os pobres e desafortunados; que encarnasse uma humanidade verdadeira. Nunca deixei de comparecer a nenhum acampamento de jovens ou de casais, orei em vigílias até de madrugada, fiz jejuns, preguei com cuidado, preparando-me por horas a fio. Depois de tanto esforço, conto o número de pessoas que hoje poderiam ser minhas amigas e que nem sei por onde andam, vejo o número de casais que já se divorciaram e encontro filhos dos meus amigos rejeitando o cristianismo que tanto amei.
Acatarei o seu duro veredito, biógrafo amigo. Concordo, não fui tão bem sucedido! Todavia, seja gentil, registre pelo menos que tentei. E muito!
Soli Deo Gloria
Vi no http://www.ricardogondim.com.br/50anos/juro-que-tentei-2/
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