Por Hermes C. Fernandes
Como hebreu e legítimo descendente de Abraão, Jesus não se deixava intimidar por fronteiras criadas pelos homens. Ele as transgredia.
O texto sagrado diz que “indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galiléia” (Lc.17:11).
Aquela era uma região conflitosa. A Galiléia era habitada por judeus, e estes, por razões históricas, não aceitavam relacionar-se com samaritanos. Essa raça mista era o triste lembrete de uma época em que seus ancestrais haviam sido levados cativos para a Babilônia.
O clima era sempre tenso naquela região. Havia animosidade em ambos os lados da divisa.
A caminho de Jerusalém, Seu destino final antes de ser crucificado, Jesus atravessa a região conflitosa.
Sua missão estava acima de qualquer zona fronteiriça. Fronteiras raciais, culturais, lingüísticas, religiosas, não se constituem qualquer empecilho aos Seus propósitos.
O texto prossegue:
“Entrando em certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, os quais pararam de longe, e clamaram: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós” (vv.12-13).
A origem de muitos preconceitos é a desinformação. Naquela época, os leprosos eram discriminados e tinham que viver excluídos da sociedade. A lei determinava que se um leproso ousasse aproximar-se menos de dez metros de uma pessoa sã, deveria ser apedrejado até a morte.
Vilas eram construídas fora dos limites dos centros urbanos para abrigar os leprosos. Por perderem o convívio familiar, só lhes restava a companhia de outros leprosos. Por isso, andavam em grupo.
Somos informados pelo texto sagrado, que desses dez leprosos, um era samaritano.
Embora fosse de etnia diferente dos outros nove, algo os tornava semelhantes: a lepra. Todos haviam sido igualmente rejeitados por seus familiares e patrícios. Não fazia sentido nutrir qualquer tipo de preconceito. Só lhes restava a solidariedade.
Talvez isso explique a razão pela qual Deus permite tragédias. Elas nos unem.
Quando, por exemplo, acontece uma enchente como a que abateu o Estado de Santa Catarina recentemente, as águas não escolhem em que casas vão entrar. Elas não respeitam qualquer distinção social. As mesmas águas barrentas que entram no barraco do pobre, também invadem a mansão do rico. E assim, aqueles que antes estavam separados pela fronteira social, agora se unem pelos laços promovidos pela tragédia.
Há um ditado que diz que “pau que dá em Chico, também dá em Francisco”. E vale aqui lembrar o que diz o sábio Salomão: “Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro” (Ec.9:2a).
Que direito temos de nos achar melhores do que os outros? Quem nos constituiu juízes dos homens?
A despeito de nossa posição social ou do nosso credo religioso, há algo que nos une a todos. Trata-se de algo muito pior do que a lepra. O mal de todos os séculos. A lepra é apenas uma pálida analogia de nossa condição espiritual. Todos somos igualmente pecadores. É a lepra do pecado que nos une.
Não há, portanto, lugar pra segregação entre os homens. Cristãos, judeus, hinduístas, muçulmanos, espíritas, ateus, estão todos em um mesmo barco.
A distinção entre passageiros de primeira classe, da classe executiva e da classe econômica, perde completamente o sentido quando o piloto anuncia que o avião está caindo.
Aqueles homens tomaram uma atitude corajosa. Venceram seus medos, entraram na aldeia correndo o risco de serem apedrejados, e clamaram a Jesus.
“Jesus, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. Indo eles, ficaram limpos” (v.14).
Embora Jesus não desse a mínima para certas convenções sociais, Ele Se submetia à Lei. E de acordo com ela, somente os sacerdotes podiam atestar e ratificar a cura de um leproso. Sem o aval sacerdotal, o leproso curado não poderia voltar a viver na sociedade e retornar à sua família.
Interessante notar que em outro episódio, Jesus tocou em um leproso e o curou. Mas neste, Jesus sequer Se aproxima deles. Por quê? Não foi por medo, isso posso garantir. Mas provavelmente por precaução. Um único leproso podia passar despercebido. Mas dez leprosos chamavam muita atenção. Ser visto entre eles poderia trazer sérios problemas, principalmente agora que estava indo pra Jerusalém. Qualquer contacto com um leproso seria suficiente para que Jesus fosse impedido de entrar no Templo. E como sabemos, havia uma missão a cumprir lá, antes de Sua morte.
O que mais chama a atenção aqui é a ordem dada por Jesus: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. Eles foram curados enquanto caminhavam.
Deus age no movimento. Deus opera no caminhar.
Somos todos hebreus. Somos todos caminhantes. Não podemos encruzar os braços à espera de uma intervenção divina. Temos que atravessar as cancelas humanas, transgredir as fronteiras ideológicas, e caminhar livremente, enquanto Deus age.
“Indo eles, ficaram limpos.” Bendito seja o gerúndio que nos serve de cenário para o agir de Deus.
“Um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz, e caiu aos pés de Jesus, com o rosto em terra, dando-lhes graças e este era samaritano” (vv.15-16).
Imagino que enquanto este samaritano caminhava em direção ao templo para apresentar-se ao sacerdote, ele se lembrou de que samaritanos não são bem-vindos em Jerusalém.
Provavelmente, nenhum sacerdote vai querer recebê-lo. Mesmo livre da lepra física, ele não estava livre da lepra do preconceito.
A que sacerdote ele recorreria? A quem ele deveria demonstrar sua gratidão por haver sido curado? A resposta era óbvia: a Jesus.
“Jesus perguntou: Não foram dez os que foram limpos? Onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?” (vv.17-18).
Com esta palavra, Jesus estabelece uma nova fronteira entre os homens. Aos olhos de Deus, eles não estão separados pela raça, pela classe social, ou mesmo pela religião. A Cruz de Cristo derrubou todas as paredes. Seu sangue nos purifica de toda lepra do pecado. Mas agora, os homens se dividem em dois grupos: os gratos e os ingratos.
Os outros nove preferiram recuperar o tempo perdido. Foram correndo para suas famílias. Ou quem sabe, saíram em busca de uma nova oportunidade de constituir família. Mas aquele samaritano reconheceu sua dívida de gratidão para com Aquele que o limpou.
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