1. O Assunto
Poucos assuntos estão tão desgastados no contexto eclesiástico como “dízimos e ofertas”. O legalismo de um lado e o mau caratismo de outro não ajudam em nada a conversarmos sobre esse tema. No meio dos dois grupos fica uma gente que fala cada vez menos sobre “dízimos e ofertas”, porque não quer ser identificada com os legalistas, nem com os aproveitadores.
Há um trauma em relação ao tema, já que existe quem lide com a questão das contribuições da maneira mais irresponsável e demoníaca possível, desgastando o assunto e fazendo com que dízimo seja sinônimo de caça-níquel, igreja como sinônimo de cassino, pastor como sinônimo de malandro e crente como sinônimo de bobão. Dezenas de perguntas, por isso, são feitas, na tentativa de se entender e justificar essa prática comum à tradição judaico-cristã.
2. O Antigo Testamento
Que o Antigo Testamento trata claramente sobre o assunto, é ponto pouco controverso. Antes da lei de Moisés, Caim e Abel apresentaram suas ofertas ao Senhor, e Abraão deu o dízimo dos espólios a Melquisedeque, depois de vencer a luta contra os reis de Sodoma e Gomorra. Depois da constituição de Israel como nação, o dízimo foi estabelecido como obrigatoriedade ao povo de Deus. O sustento da tribo de Levi, sem terra na divisão de Canaã pelas tribos, a manutenção da atividades religiosas, o auxílio ao pobre, à viúva e ao estrangeiro eram mantidos pelos dízimos do povo.
3. O Novo Testamento
Contudo, e no que concerne ao Novo Testamento? Estavam os gentios convertidos a Cristo obrigados a cumprir a lei de Moisés? Fazia, o dízimo, parte da prática da comunidade dos discípulos de Jesus?
Quando o Mestre tratou o assunto nos evangelhos, o fez levando seus ouvintes a perceberem que o dízimo não poderia ser encarado como instrumento de compensação. Os fariseus davam o dízimo de tudo, mas negligenciavam a prática da justiça e da misericórdia. A estes, o Mestre disse: bom seria se vocês fizessem ambos; dessem o dízimo e praticassem a justiça e a misericórdia.
As epístolas, especialmente as paulinas, lançam ainda mais luz sobre a compreensão do assunto. Aos coríntios, Paulo apresentou generosidade, gratidão, disposição, alegria e justiça como princípios estimuladores para a contribuição. Não houve estipulação de valor ou porcentagem. Os romanos, os gálatas, Timóteo e os leitores de João também foram estimulados à generosidade e liberalidade na contribuição. "Cada um contribua segundo tiver proposto no coração", é o famoso conselho do apóstolo Paulo em 2 Coríntios, e o espírito do evangelho no tocante ao assunto.
4. As Reações
Diversas são as reações quando se pensa no assunto nesses termos. Uns recebem a notícia com bons olhos - não por convicção, mas por pensarem no "benefício" de não precisarem dar 10% da renda para a igreja. Outros temem, por acharem que isso afetará a previsão orçamentária da comunidade local, e que já que o Novo Testamento não estabelece uma regra (e nós odiamos viver sem elas), 10% é um valor razoável para se tomar como padrão de contribução.
Ambas as visões são reflexo da mesquinharia do nosso coração. Saber que o Novo Testamento não estipula porcentagem fixa para a contribuição faz o sujeito pensar [e celebrar] que, então, ele não precisa contribuir com 10%. Todavia, quem vê a não estipulação como atenuante de responsabilidade não compreendeu o espírito do evangelho de Cristo. Porque a não fixação em 10% não significa apenas que o sujeito pode contribuir com 1% ou 9%, mas também que, se ele tem disponibilidade, maturidade, alegria e liberalidade para contribuir com 30%, 50% ou 90%, assim também o pode fazer.
5. Os Cuidados
Há alguns cuidados a serem tomados, quando se pensa em dízimos e ofertas:
(5.1) Dízimos e ofertas não são pedágio de alienação – Quem dá 10% para fazer com os 90% restantes o que quiser nunca entendeu nada de contribuição na lógica do evangelho de Cristo. Não é uma taxa de alienação, onde você dá a décima parte para Deus administrar e exige que ele não se meta na administração dos 90% restantes. Tampouco é um carnê que faz compensar a obrigatoriedade religiosa, e libera o indivíduo do compromisso de acudir o necessitado - como se a cota de generosidade dele já tivesse sido cumprida com o recurso "destinado ao reino de Deus".
(5.2) Dízimos e ofertas não são instrumento de barganha – Quem dá como fórmula para receber, possivelmente está alimentando sua ganância e servindo a Mamon. E quem pensa que, porque não contribuiu, Deus não abençoará em retaliação não entendeu o evangelho da graça. Deus nunca trabalhou e nunca trabalhará com barganha.
(5.3) Dízimos e ofertas não são práticas obrigatórias – o que não faz delas práticas dispensáveis – Não se dizima nem se oferta por obrigação, mas por alegria, gratidão, generosidade e justiça. Quem pergunta quanto tem que dar não entendeu, ainda, a liberdade que advém do evangelho de Jesus. Contudo, a não obrigatoriedade não dispensa pertinência da prática. A maturidade cristã faz com que o sujeito, mesmo sem que haja sobre ele uma taxação pré-fixada e específica, tenha prazer em contribuir, e contribuir cada vez mais. Sua consciência diante da compreensão do evangelho fará com que ele durma todas as noites tranquilo porque, dentro de suas possibilidades e ciente das necessidades alheias, ele deu não tudo o que tinha, mas tudo o que podia e entendeu que devia.
6. Palavras Finais
Encerro o texto sem a menor pretensão de esgotar o assunto. Na verdade, trata-se apenas de uma pincelada de tão complexa discussão. Sabedor de que "tudo é impuro para os impuros", um discurso como esse pode ser a carta de alforria para quem quer justificativa para se livrar do peso de ver 10% sairem do seu orçamento para cumprir preceito religioso. Pois que seja! Quem vê contribuição como peso não é digno de colaborar com causa tão nobre como a do evangelho de Cristo.
Mas como também sei que "tudo é puro para o puro", um discurso como esse pode ser ratificador do livre e maduro espírito do evangelho de Jesus. Quem de fato nasceu do Espírito sabe de suas responsabilidades para com a busca pela justiça e dá 8%, 10% ou 90% sabendo que, se pudesse, contribuiria ainda mais pelo privilégio de ver o reino de Deus estabelecido a partir da igreja, na sociedade e nos mais longínquos rincões do mundo.
Por Daniel Guanaes
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