quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Riquezas - para guardar momentos em estojos de cristal

Ricardo Gondim

No Dia dos Pais, meus filhos me presentearam com um verso do Fernando Pessoa: “Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentaria nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens”. Como a Cynthia recortou o cartão artesanalmente, eu o guardo como uma relíquia.

Recentemente, um catedrático da Universidade de São Paulo ganhou uma festa de despedida no dia de sua aposentadoria. Na cerimônia, permitiram que o auditório fizesse algumas perguntas e um amigo aproveitou para indagar o que ele considerava a maior riqueza de um homem com mais de setenta anos. O decano respondeu: “A capacidade de discernir entre o que é importante e o que não possui nenhum valor”.


Realmente! A gente chega a uma idade em que carecemos de siso redobrado para não errar mais. O tempo, uma riqueza não renovável, se torna escasso, e precisamos desfrutar a vida com muito cuidado.

Tento segurar os ponteiros para poder acompanhar meus netos em seus momentos mais inocentes. A Gabriela zomba de minha careca cantando: “Eu vi uma barata na careca do vovô...”. O Naran me desafia para lutas homéricas na cama, em que ele é o Super-Homem e eu não posso passar de um reles Homem Aranha, sem direito a me valer da criptonita. O Felipe é quem mais me dá beijo no mundo e eu me sinto amado como nunca. Eles se tornaram mais importantes que os aplausos aduladores de quem não me conhece, mais valiosos do que as honrarias plásticas que nada significam.


Hoje, recuso-me a adiar qualquer oportunidade de celebrar a vida ao lado da mulher de minha mocidade. Ela é minha Dulcinéia, que caminha ao meu lado e me defende como uma leoa. Sou feliz em ver como ela, obstinadamente, insiste em não permitir que nosso dia-a-dia se torne monótono, zelando para que nosso amor não esmoreça. Nunca entristecemos ao mesmo tempo. Quando ela se cansa, eu a ajudo, e quando me deprimo, acolho suas palavras, que me afirmam carinhosamente.


Depois de tantas decepções, guardo os poucos amigos que me restam no lado esquerdo do peito. Aprendi a valorizar a fidelidade como uma virtude raríssima; sei ser grato pela mão estendida; sinto-me endividado pelo amor gratuito. Como é bom tomar café com pão de queijo perto de quem a gente sente liberdade para rir, chorar e sonhar.


Aprendi a olhar para Deus com menos cobranças religiosas. Sinto que Ele abre as portas de sua casa como um hospedeiro que unge a minha cabeça com óleo e prepara uma mesa na presença de meus inimigos. Abandonei a presunção infantil de exigir que o Senhor me dê uma vida blindada ou que Ele me privilegie com favores especiais. Hoje, desejo municiar-me com os valores do Reino, com as verdades de Jesus para enfrentar a vida com coragem.


Desejo ler as Escrituras com a credulidade infantil, com a sensibilidade poética, com a honestidade bereana e, principalmente, com a verdade do Espírito Santo.


Cheguei à idade em que não me impressiono mais com os arroubos pretensiosos dos religiosos ufanistas. Dou de ombros para os títulos, para as estatísticas elásticas que provam uma dotação carismática. Desdenho o oportunismo do mercadejador de esperanças, que usa o sagrado para enriquecer. Não respeito quem enxerga a igreja como um nicho de mercado.


Existem riquezas que outrora não valorei, mas que agora são importantíssimas. Ler um bom livro e ouvir uma música calma se tornaram valores preciosos. Tardiamente, passei a admirar os tenores eruditos, os poetas contemporâneos e os cronistas que registram o cotidiano.


Viver me enche de entusiasmo. Não tento mais matar o tempo. Quero sorver a vida com tudo o que ela tiver de bom e de ruim. Como um colecionador de borboletas, procurarei guardar, daqui para a frente, todos os meus momentos em estojos de cristal.


A vida é rara, só a experimentamos uma vez. Devemos tratá-la como o dom mais sagrado que recebemos de Deus. Quem não souber valorizá-la, antecipa o inferno. Portanto, meu versículo bíblico predileto passou a ser: “Ensina-me a contar os meus dias, para que meu coração alcance sabedoria” (Sl 90.12).


Soli Deo Gloria.

Fonte: Revista Enfoque

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