Ricardo Gondim
“Somos, pois criaturas nutridas de liberdade há muito tempo, com disposições de cantá-la, amá-la, combater e certamente morrer por ela”.
“Ser livre - como diria o famoso conselheiro... - é não ser escravo; é agir segundo a nossa cabeça e o nosso coração, mesmo tendo que partir esse coração e essa cabeça para encontrar um caminho... Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de autônomo e de teleguiado - é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Supondo que seja isso.)”.
“Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro paredes”. Cecília Meireles.
Acredito que é mister estudar mais sobre conceitos bíblicos e filosóficos da liberdade como ingrediente do propósito último da criação.
Pensamos, sentimos e fazemos escolhas como resultado dessa opção soberana de Deus: criar semelhantes para estabelecer relacionamentos.
C. S. Lewis fez uma pergunta semântica em Cristianismo Puro e Simples (ABU Editora): “Por que Deus deu então o livre-arbítrio?” Ele mesmo respondeu:
“Porque o livre arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é também a única coisa que faz com que todo amor, bondade ou alegria valham a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que trabalhassem como máquinas, não valeria a pena ser criado. A felicidade que Deus destinou as suas criaturas superiores é a felicidade de serem livres e voluntariamente unidas com Ele e entre si mesmas, num êxtase de amor e prazer comparado com qual o amor mais arrebatador desse mundo, entre um homem e uma mulher, não passa de uma coisa insípida. Mas para que isso aconteça, as criaturas têm que ser livres”.
O Novo Testamento faz três declarações absolutas sobre Deus. Deus é espírito (João 4.24); Deus é luz (1João 1.5); e Deus é amor (1João 4.8), e essas três combinadas significam mais, Deus é santo.
Porém, cada uma reflete a maneira como ele se revela aos seres humanos. Quando afirmamos que Deus é espírito, sabemos algo sobre seu ser essencial; quando dizemos que ele é luz, sabemos sobre a integridade de seu caráter; quando falamos que ele é amor, sabemos sobre o jeito como ele deseja relacionar-se com os seres humanos. Se não podemos conter o conhecimento de Deus dentro de categorias racionais, contudo, temos revelação espiritual suficiente para compreender como ele se relaciona com a humanidade. E se ele quer estabelecer relacionamentos genuínos (nunca fictícios, ou com subterfúgios), é necessário que as pessoas sejam livres para praticarem ações virtuosas, pois só assim podem entrar em uma verdadeira interação com a divindade.
Virtude só será verdadeiramente nobre quando se constituir numa escolha em contraposição ao vício. Na ética, o estudo das escolhas é fundamental na determinação do bem, pois as escolhas só podem ser consideradas virtuosas, quando do outro lado, há verdadeira opção.
Se não há verdadeira liberdade nas escolhas, ninguém poderia ser responsabilizado por seus atos – nem criticado ou elogiado. É inimputável qualquer pessoa que age impulsionada por uma força mais forte do que ela mesma. Quem está escravizado precisa de ajuda, nunca de condenação. Sem consciência do que faz, sem um mínimo de controle sobre sua capacidade de responder afirmativa ou negativamente, não há mérito ou dolo.
“Devido a esse conceito, Charles Finney disse que um ser moral é alguém que possui atividade moral: atributos de intelecto (incluindo razão, consciência e autoconsciência), sensibilidade (a faculdade de sentir toda sensação, desejo, emoção, paixão, dor ou prazer), e livre arbítrio (o poder de escolher ou recusar-se a escolher, em qualquer circunstância, com uma obrigação moral). O que tradicionalmente chamamos de livre-arbítrio é o poder de originar e fazer nossas próprias escolhas, e de exercer nossa própria soberania, em todas as circunstâncias de escolha sobre questões morais – de escolher em conformidade com o dever, ou de outra forma, em todos os casos de obrigação moral”.
Winkie Pratney discute o conceito de liberdade em seu excelente “Natureza e o Caráter de Deus” onde afirma:
“Hoje, o conceito de liberdade está sob grande discussão, não apenas nos campos da psicologia e da sociologia, mas até mesmo nas ciências exatas, como a física... A teoria quântica postula que um observador desempenha papel decisivo na natureza dos eventos. Os seres humanos parecem ser capazes de influenciar o universo físico de uma forma que ninguém jamais pensou nos dias de Newton. Por exemplo, no estudo atômico parece que a forma pela qual se decide medir um evento afeta o comportamento real dos elétrons; se eles permanecem estacionários ou se movem parece ser determinado por aquilo que decidimos olhar. A escolha humana parece governar o comportamento atômico! A idéia de escolha criativa, originada no próprio ser do homem, sugere uma causa que não é causada, algo que traz à existência, afeta ou muda algum outro evento, e que não é, em si mesmo, determinado”.
“Por sermos muito parecidos com Deus nessa capacidade de criar escolhas, a questão da liberdade e da moralidade se torna um estudo muito importante. Deus confiou a nós uma dádiva muito significativa: somos genuinamente capazes de afetar o universo ao nosso redor”.
Assim, a favela não foi intencionada e nem fazia parte das intenções criativas de Deus. Toda miséria é um acinte, uma aberração. A destruição ecológica não fora prevista no planejamento pré-histórico. Armas de destruição em massa não cumprem um papel escatológico antecipado. Todo pecado, tudo que é contra a vida, é desvio!
Ao conceder o mandato cultural de cuidar e regar o jardim, Deus convocou a humanidade para que se unisse a ele na construção da história. Assim como no princípio Deus fora o “Deus creator”, mulheres e homens foram convidados a continuar criando como “homo faber”.
Portanto, admitir que não há liberdade é admitir uma história escrita e determinada sem participação humana. Aceitar que a humanidade apenas colhe os efeitos do pecado original, e que não pode responder à graça divina para ser cooperadora com Deus na construção do futuro, é sucumbir a um determinismo asfixiante.
Cada um tem o privilégio e a responsabilidade de ser artesão de um novo amanhã. Não desperdice.
Soli Deo Gloria.
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
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