Dualismo
Não és bom, nem és mau: és triste e humano…
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.
Olavo Bilac
É muito fácil assumirmos que nós estamos do “Lado de Deus”, e outros não. Que estamos seguindo o melhor papel da narrativa que está sendo contada. Que estamos do lado certo do rio. Devido a isso, criamos outras narrativas sobre a fé, o amor, a política, e usamos o tal “Deus” para reforçar nossas suposições, sem nunca permitir que o Deus que vai além do “nosso Deus”, desafie nossas ações, narrativas e crenças. Criamos uma “verdade eterna”, pressuposta num subconsciente que denominamos por “sadio”. Nos esquecemos que conflito é sinônimo de verdade, e que a verdade não é a solução que nos mostra a luz no fim do túnel, ou uma entidade que descobre e desvenda os mistérios da vida. Confundimos a verdade em dualismos e determinamos que ela é parte de uma construção de fatos – Verdade de forma alguma está em conformidade com nossa realidade interior “o aqui”, ou com nossa realidade exterior ” o lá fora”. A verdade simplesmente é!
O fato é que, neste início de século tudo se desvelou, ao menos uma vez tudo mostrou a verdadeira face, tudo se tornou mais real. O cristão se converteu em juiz por vocação, a fé individual, em crime, o pregador se aparelhou com fornalhas teológicas para queimar o espírito humano, numa Igreja, o jogo sujo da lei, na prisão dos fiéis, a necessidade da fé se tornar um ato masturbatório. O ser em si, livre em Deus, ainda depende da crença do anunciador das “boas novas” – A partir das armadilhas das exceções, esse costuma ainda dividir a racionalidade e irracionalidade, como se as duas fossem forças naturais contrárias. Assim, o Deus que pregamos, a religião que defendemos, ou melhor, que dizemos ser a correta, não possui fundamentos nas necessidades reais, mais no incompreensível mundo interior de cada indivíduo; em respostas que a metafísica nem se quer se aventura em responder.
Sem que eu queira, paralelos epistemológicos vêm-me à mente:
- Criacionismo X Evolucionismo.
- Justificação pela fé X Justificação pela prática.
- Iconoclastia reformada X Iluminismo.
- Corpo X Espírito.
- Poderes dominantes X Não-violência.
- Liderança X Comunidade.
- O problema do homossexualismo
Não sei. Sou teólogo, conto com poucas informações, e as que tenho também me parecem excessivas. Não sei se essa visão protestante de Deus é real ou apenas uma impressão do meu ouvido tradicional. Porém, o momento nos propõe, indiscutivelmente, questionar nossas estimulações filosóficas brancas, ou escuras, levando em consideração o que Carl Jung um dia perguntou : Muito bem, mas que espécie de mito vivemos nos dias de hoje?
Entre titãs do Cristo e cavaleiros da dúvida, seguidores e pioneiros, poucos tem tido a coragem de sair do conforto de acreditar no que o pregador diz. De sair da prática sistemática que espera primeiro os heréticos descobrirem algo, para depois reformularem suas teorias, deixando assim de mergulhar no Espírito da narrativa que sempre tem algo melhor para oferecer. Atolados em sofismas filosóficos, em distorções escolásticas, em dogmas frios, muitos ainda abraçam certos traços religiosos que, em meio ao mau cheiro do dualismo, vestem a máscara da cópia absurda teatral, para assolarem uma platéia simples que não consegue observar o Deus que está fora de toda parafernália.
Tudo se torna uma pornografia santa, recheada de admiradores secretos que, se masturbam hoje, e pedem perdão amanhã, claro, tudo às escondidas.
Que tipo de brincadeira é essa? Os horizontes da nossa vida cotidiana são limitados por esses argumentos, argumentos esses que falam – no final – do bem e do mal, e os sons desses sussurros intermináveis acerca do bem e do mal movem nosso mundo. Eles geram prazer em nossa narrativa e ocupam a mente e o coração daqueles que gostam de definir Deus. Por isso que, ainda as palavras do grande artista russo Tchekhov ecoam em meus ouvidos: “ Não sei, juro pela minha alma, pela minha honra, não sei”.
Precisamos desfazer as dualidades que existem em nós, e ao mesmo tempo unificá-las para descobrir as diferentes razões do ser, em busca de servir aquilo que Deus mais ama, o homem. Querendo ou não, a fumaça da pós-modernidade já retirou o firmamento disfarçado das lógicas que impedem tal atitude misericordiosa, e mostrou o escândalo do Caim moderno. Hoje, como na antiga Roma, muitos denunciam os bárbaros, se esquecendo que, quando Roma foi invadida, ela já havia se tornado bárbara por si mesma. Ou seja, os detentores da “verdade”, denunciam os de espírito livre, os relativistas, sem levar em conta que eles, os próprios santos, foram os progenitores daqueles que hoje condenam a fé. Enfim, ninguém quer acabar com a brincadeira!
Já classificou São Tomas de Aquino a masturbação como um pecado contra a natureza. Já disse Hegel que, os que exageram o argumento, prejudicam a causa. Oscar Wilde já constatou que, se quisermos dizer a verdade às pessoas, devemos fazê-las rir; do contrário, elas nos matarão. Enfim, meu grande amigo Peter Rollins, em diversos momentos, sempre fala de um conto Irlandês que acredito que caia bem para essa situação:
Diz a história que certo jovem tinha um bar em Dublin que sempre aconchegava militares da região. Como parte da diversão desses militares, eles sempre faziam tal jovem ficar bêbado – o jovem gostava pois, lhe rendia uns bons trocados e uma cervejinha na faixa. Numa certa hora da noite, alguém do grupo dos militares colocava uma nota de cem euros na mesa, e uma moeda notável que não possuía valor algum. Pediam para o inexperiente menino escolher uma das duas. O jovem, já alcoolizado, escolhia sempre a moeda, invés da nota de cem euros – Todos riam no final devido tal atitude do garoto. Um belo dia, alguém de fora viu e, perguntou ao jovem se ele tinha algum problema, pois ele nunca pegava a nota que representava o maior valor. Então, o jovem respondeu ao questionador: “Eu sei que o papel vale mais do que a moeda, mas se eu pegá-lo, a brincadeira acaba, e eles nunca mais retornam ao meu bar”
Essa é a doença mental e moral que os cristãos ganharam devido aos problemas lingüísticos e morais de hoje. Dualismos, dualismos e mais dualismos. Não tenho a intenção de ser irônico. Pensem no que aconteceu com a teologia nos últimos séculos, no que aconteceu com suas palavras. Ouso dizer que a descoberta inicial e chocante feita por alguns em nosso tempo foi que, o Cristianismo, num mundo aonde apenas mentiras santas são levadas a sério, já não possui ligação alguma com o Cristo. E nisso concordo. Seja como for, mesmo sabendo que muitos se renderam aos prazeres do deux ex machina, ou a experiência farfalhante do Deus Eu-Tu, não me interessa se alguém tem relações sexuais com ovelhas objetivas, ou galinhas neotestamentárias, desde que a mesma não proíba, ou determine como funciona o amor. Mas simplesmente aja!
Deus não é um “Grande Outro” que pode ser amado como no relacionamento entre duas pessoas, mas sim, o próprio amor que permite tal relacionamento. Religião não é algo objetivo ou permanente que proclama as exigências divinas, mas outro nome para os diferentes processos psicológicos para solucionar os conflitos humanos. O truque: Quando falamos de Deus, estamos falando apenas de nós mesmos. Logo, não podemos esquecer que o Criador está estreitamente ligado a nós como um órgão que emite experiências, e não como um ser que nos fala através de nossas especulações teológicas e históricas. Por derradeiro, se queremos eliminar a santa estimulação religiosa de nossas vidas, e nos rendermos a Deus, precisamos de uma religião que abrace todos os lados do paradoxo da realidade humana, da imanência e transcendência divina, e principalmente, que personifique a imagem do Cristo em nós hoje, e não numa eternidade, pois de qualquer forma, Deus nunca foi uma figura do passado, mas sempre uma figura do presente que, em diversas formas sempre se manifestará no futuro!
Vi no http://nelsoncostajr.com/2012/02/masturbacao-religiosa/
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