Tenho a impressão que por muito tempo o olhar de setores da igreja evangélica para a sociedade tem sido como o de alguém que olha de fora, como se separado fosse. Seria um grupo dissociado, não conectado com o todo, que olha para o resto do mundo, mas não se identifica como parte dele.
E o que ela vê? Multidões a serem convertidas ao seu grupo. Ou para serem conquistadas, para usar um termo muito apreciado nesse meio. Almas que precisam ser arrancadas do inferno para povoar o céu. Miseráveis perdidos condenados ao fogo do inferno, esperando o momento de “ouvirem” a boa nova. Caso adiram a essa boa nova serão livres de todo o mal e terão a terra prometida (no futuro – depois da morte), caso a rejeitem, continuarão condenados ao inferno, mas o grupo que proclamou a “verdade” já não tem mais nenhuma responsabilidade ou culpa nisso, pois já cumpriu o seu papel.
Então é isso? É esse o olhar que a igreja e os cristãos devem ter para a sociedade? Entendo que não. Precisamos de um outro olhar.
Esse olhar não pode ser como de alguém que se julga superior. Quem se julga salvo e vê os demais apenas como pecadores destinados à danação corre o risco de enxergar dessa forma.
Também não pode ser indiferente, como o de quem não tem nenhuma responsabilidade para com a dor do outro. O sujeito não se sente causador do sofrimento alheio, logo não tem porque se importar e não precisa fazer nada para mudar a situação. Peca-se pela omissão.
Não pode ser um olhar simplista, porque a sociedade é complexa, diversa. Olhar a todos como uma massa homogênia é desconsiderar as múltiplas características que uma sociedade como a nossa tem e não reconhecer as enormes disparidades e as muitas injustiças sociais existentes.
Não pode ser um olhar como de quem deseja instrumentalizar o povo. Fazer proselitismo com o propósito de afirmar poder institucional, ou ação social com a mal disfarçada intenção de “forçar” a conversão dos beneficiados, são apenas algumas das formas de instrumentalização das pessoas. Quem age assim tem uma ação interesseira que não reflete o amor e graça que devem estar presentes nesse tipo de trabalho.
Também não se pode olhar para a sociedade e “espiritualizar” as mazelas sociais. Por mais absurdo que pareça, isso ainda é muito comum. Por esse raciocínio, a pobreza da África seria culpa dos cultos africanos (e não da espoliação dos colonizadores europeus ou da corrupção imperante). A pobreza de muitas famílias do nordeste seria culpa da idolatria (e não dos coronéis da política que se perpetuam no poder, mas não mudam a situação do povo).
Esse tipo de espiritualização da realidade gera indiferença e cinismo, pois isenta o sujeito de qualquer responsabilidade, já que a causa está numa esfera sobrenatural. Quem assim pensa entende que não há o que fazer, a não ser orar para repreender o “espírito da pobreza”, o “demônio da fome e da corrupção”, etc.
Não, definitivamente não pode ser esse o olhar da igreja para sociedade.
(continua…)
Márcio Rosa da Silva
Vi no http://marciorosa.wordpress.com/2011/07/24/um-olhar-para-a-sociedade/
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