Como eu ia dizendo, a ética ou moral divinas não têm o seu ponto alto no Sinai, mas no Gólgota; não na força da Lei, mas na fraqueza da Cruz. E isso nos perturba deveras, nos confunde.
Hoje, já estamos cansados de saber que Jesus ressuscitou e que subiu ao céus. Estamos até mesmo convictos de que ele, um dia, voltará triunfante em glória. Mas não é essa majestade que nos seduz, que nos conquista: Deus nos cativa pelo fracasso da cruz.
Somos como aquele torcedor que ao ligar a televisão, já no meio do jogo, sem ter simpatia por um ou outro time, de repente, se vê torcendo para o mais fraco. Torcemos por Cristo por causa das chibatadas que levou, por causa da coroa de espinhos, por causa dos cravos em suas mãos e pés. Pelas suas chagas somos sarados.
Essa lucidez é porém abalada quando nos encontramos em crise e estamos vulneráveis à tentação. O Diabo parece nos incitar para que mostremos nosso poder, ou desafiar a que demonstremos o poder de Deus, esquecemos-nos assim, rapidamente, da sedutora fraqueza.
Note a pequena, porém gritante diferença: não negamos o poder, ou a possibilidade de ação e intervenção divinas; o que não se deve é fazer disso um show, uma necessidade. Deus não é um show maker, Deus é um íntimo amante.
As ruas de Nazaré e as poeiras dos caminhos da Galileia assistiram por trinta anos um menino transformar-se em homem, numa forma pacata num viver singelo. Um dia o extraordinário despontou e começou a sacudir aquelas pedras e aqueles rios e lagos. Milagres foram feitos, pessoas foram curadas, comida foi multiplicada, mortos ressuscitaram, demônios foram expulsos, água virou vinho.
Todo palco foi preparado para um ato. Todo poder sobrenatural dos céus foi convocado e exercido durante três anos na preparação de uma cena, a cena do fracasso: Ali no Gólgota homens e ladrões encaram Jesus crucificado e lhe propuseram um sarcástico desafio, “você salvou a tantos, então salve-se a si mesmo”. Todo seu potencial havia se esgotado. Ele se esbarrara em seus próprios limites – se for possível… afaste de mim – não era possível, nem mesmo para o “todo poderoso” Jesus de Nazaré. Ele não podia salvar-se a si mesmo.
Jesus deixou patente que o que lhe prendia àquela cruz era uma força maior que todo poder que Ele já havia demonstrado - e Ele havia mostrado poder de sobra. O fracasso da Cruz é o símbolo de alguém que amou desesperadamente. A ressurreição tem seu peso, mas não seria nada se viesse antes da morte, contornando o calvário. A ascensão ao céus deixaram os homens boquiabertos, mas nada que se compare a loucura ou escândalo da cruz. A segunda volta de Cristo alarga nossos horizontes, mas não chega nem perto da perspectiva insana oferecida pela Cruz.
A fé de um Cristo fracassado, de um Deus nu e morto pendurado no madeiro é o que verdadeiramente impulsiona nossos espíritos a se lançarem sepultura a fora, a deixarem as cadeias do inferno que mordazmente nos acorrenta.
A moral da Cruz, antes de fazer separação entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, ela vem, muito mais, resgatar o verdadeiro e único valor de uma alma, de um ser humano, o real valor de toda e qualquer pessoa, o meu e o seu valor.
Enquanto o Sinai trovejava medo o Gólgota irradiava graça. A morte do Sinai gerava medo e causava pânico, a morte da cruz gera amor e quietude. A ética do Sinai é a ética da força e da condenação, a ética da cruz é a da fraqueza e do perdão. A impotência da Cruz supera a prepotência do Sinai.
O amor lança fora o medo – como todos nós já há muito deveríamos saber.
Por Roger
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