terça-feira, 5 de julho de 2011

Direitos e convicções

Não precisamos defender a homossexualidade para amar os gays, conviver com eles, tê-los como amigos e, acima de tudo, lutar por seus direitos.
Como o Estado é laico, não cabe à Igreja tentar impor sua visão moral e religiosa à sociedade.





No dia 5 de maio último, minha melhor amiga recebeu uma ótima notícia: o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em decisão unânime, a equiparação da união civil homossexual à heterossexual. Às vésperas de seu aniversário, ela não podia estar mais feliz por uma simples razão: minha melhor amiga é gay. E eu, como amigo, cidadão e até cristão, também fiquei feliz com a notícia. Sim, sou a favor da extensão de direitos civis a parceiros homoafetivos, e sou também a favor da legalização do casamento gay. Baseio minha posição em um conceito fundamental para qualquer nação ou sociedade saudável – a laicidade do Estado. E, felizmente, no Brasil, há separação explícita entre a Igreja e o Estado e uma absoluta liberdade religiosa. Como o Estado é laico, não cabe à Igreja tentar impor sua visão moral e religiosa à sociedade. Ela deve, é claro, lutar pelos seus direitos, pela sua liberdade de culto e de atuação; mas não deve impor suas idéias e ideologias aos outros por força de legislação.


Como não existem motivos relevantes e sem base religiosa para proibir direitos igualitários aos homossexuais, eu sou completamente a favor de uma equiparação completa. Agora, questões ligadas a herança, aposentadoria e planos de saúde, entre outras, envolvendo parceiros homossexuais passam a ser tratadas da mesma forma como se envolvessem casais heterossexuais não casados no papel. É um direito básico que apenas o preconceito evitava que fosse exercido. A Igreja e seus membros, antes de se manifestarem contra a decisão, devem se lembrar que a união estável é tão pecado quando o relacionamento homossexual aos olhos de uma leitura tradicional da Bíblia. Portanto, para ser coerente, um cristão terá de ser contra todos os direitos da união estável, seja ela hétero ou homossexual, ou manifestará o mais puro preconceito. Também é importante lembrar que a base da liberdade religiosa é a laicidade do Estado, e que um estado religioso pode ser o primeiro passo para a intolerância religiosa – processo que poderá pender para qualquer lado, inclusive contra a Igreja.


Não se trata de defender a homossexualidade. Mas há que ser tolerante, respeitoso e favorável ao direito daqueles que não professam a mesma fé que nós de levarem sua vida do jeito que quiserem. Neste sentido, C. Everett Koop, autoridade da área de saúde nos Estados Unidos entre 1982 e 1989, é um exemplo a ser seguido. Foi naquele período que a Aids tomou grandes proporções e Koop, um cristão notável, amigo de Francis Schaeffer (foi co-autor com ele do livro Whatever Happened to the Human Race?), debruçou-se por meses em um relatório sobre a doença. Nas suas sugestões para a implantação de políticas públicas acerca do tema, Koop manteve-se absolutamente laico. Mostrou que os homossexuais estavam mais expostos à epidemia porque isso era uma verdade científica, mas defendeu a promoção do uso de preservativos e da educação sexual para crianças, sem se prender a motivos morais. “Eu sou o chefe de Saúde Pública de heterossexuais e homossexuais, de jovens e de velhos, de pessoas morais e imorais”, afirmou. Koop, como qualquer cristão tradicional, condenava abertamente a homossexualidade – mas, como cristão, cidadão e homem público, cuidava dos gays e os defendia. “Você pode odiar o pecado, mas tem de amar o pecador”, dizia o médico.


Ao comentar seu voto na decisão do STF, a ministra Ellen Gracie afirmou: “Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes”. Para mim, esta é versão jurídica de “Amarás ao próximo como a ti mesmo”, um dos mandamentos centrais do cristianismo. E é possível amar os gays e ao mesmo tempo obrigá-los a viver sob a moral de uma fé que não manifestam? Impossível, seria contraditório. Por isso, estou feliz pela minha amiga. Afinal, ela poderá exercer seus direitos de cidadã de forma integral a partir de agora.


A grande verdade é que não precisamos defender a homossexualidade para amar os gays, conviver com eles, tê-los como amigos e, acima de tudo, lutar por seus direitos. C. Everett Koop demonstrou isso na prática e eu tento seguir seu exemplo. Ele, sem dúvida, sabia a diferença entre Igreja e Estado, entre seguir sua fé e impô-la ao próximo. E, como Philip Yancey descreveu muito bem em seu livro Maravihosa graça, “Koop nunca comprometeu seus princípios, mas nenhum evangélico é mais bem recebido do que ele entre homossexuais”. E você? Como os gays o receberiam?


Por Carlo Carrenho


Vi no http://cristianismohoje.com.br/interna.php?subcanal=51

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