Jürgen Moltmann causou espécie. Sua obra, “Teologia da Esperança”, encantou e importunou quando publicada em 1964. Alguns consideraram o livro a concretização de temas que “estavam no ar”, cumprindo assim um kairós (a inevitabilidade do "tempo que chegou").
Na Igreja Católica Romana, o Concílio do Vaticano II propunha a atualização de sua missão, liturgia e teologia. Nos Estados Unidos, o movimento pelos direitos civis ganhava força com Martin Luther King, que levou multidões às ruas. Em Cuba, jovens guerrilheiros tomavam o poder de Batista, um fantoche da máfia, para despertar a esperança dos pobres das Américas. Nesse ambiente, nascia a "Teologia da Esperança".
Releio Moltmann depois de vinte anos. A cada página, pergunto-me: “onde eu estava que não apreendi seus conceitos?”. Ainda na introdução, Moltmann repensa o signficado de “escatologia” – a doutrina das últimas coisas. Para ele, era aceito que “a compreensão da expressão “últimas coisas” englobava eventos, sobre o mundo, a história e a humanidade que irromperiam no fim dos tempos. Entre esses acontecimentos estava a volta de Cristo em glória, o juízo universal e a consumação do reino, a ressurreição universal dos mortos e a nova criação de todas as coisas. Esses acontecimentos finais irromperiam de fora da história para dentro dela e poriam fim à história universal, na qual tudo se move e se agita”.
Moltmann considera, então, que, como esses acontecimentos ficam no limiar do “último dia”, eles tiveram pouca relevância para os “tempos vividos antes do fim”. Escatologia ficou condenada a ser apenas uma aspiração piedosa. Isso explica, segundo ele, porque “as doutrinas do fim vegetavam esterilmente nas últimas páginas da dogmática cristã. Eram como um apêndice meio solto, que definhavam em sua insignificância apócrifa”.
Daí, Moltmann ousa resignificar a escatologia, trazendo-a para o presente. Ele afirma que “a escatologia é idêntica à doutrina da esperança cristã, que abrange tudo aquilo que se espera como o ato de esperar, suscitado por esse objeto”. A escatologia não adia, sine die, o apogeu da história, mas o trás para o presente, porque, “o cristianismo é total e visceralmente escatologia, e não só como apêndice; ele é perspectiva, e tendência para frente, e, por isso mesmo, renovação”.
“O escatológico não é algo que se adiciona ao cristianismo, mas é simplesmente o meio em que se move a fé cristã, aquilo que dá o tom a tudo há nele, as cores da aurora de um novo dia esperado que tingem tudo o que existe”.
Para Moltmann, portanto, a doutrina da “escato-logia” deve ser substituída por uma teologia da esperança: “Mas como falar de um futuro que ainda não existe e de acontecimentos vindouros aos quais ninguém ainda assistiu? Não se trataria aí de sonhos, especulações, desejos e temores, todos necessariamente vagos e indefinidos, já que ninguém pode verificá-los?”.
Ora, se se entende doutrina “como uma coleção de afirmações doutrinárias que se conhecem a partir de experiências que podem ser repetidas e feitas por todos; o termo logos se refere a uma realidade que está aí, que existe sempre e que pode ser conhecida como verdade na palavra que lhe corresponde”.
Concordo com Moltmann, pois também acredito que “não é possível haver logos do futuro, a não ser que o futuro seja a continuação ou retorno periódico e regular do presente. Mas se o futuro traz algo de surpreendente e novo, sobre ele nada podemos afirmar, nem conhecer sobre ele qualquer coisa que tenha sentido, pois a verdade ‘lógica’ (verdade com logos) não pode existir no que acontece no futuro como novo, mas tão somente naquilo que é permanente e retorna regularmente”.
Moltmann desmonta a arrogância do teólogo que se imagina capaz de fixar a realidade, pois “os conceitos teológicos não podem se tornar juízos, os quais fixam a realidade naquilo que ela é, mas tão somente juízos provisórios, os quais descobrem à realidade suas perspectivas e suas possibilidades futuras. Conceitos teológicos não devem fixar a realidade, mas ampliá-la pela esperança e assim antecipar seu futuro. Não devem arrastar-se atrás da realidade, nem olhar para ela com os olhos da coruja de Minerva, mas iluminar a realidade, mostrando-lhe seu futuro”.
Incentivo a leitura de “Teologia da Esperança” (Edições Loyola) de Jürgen Moltmann, seus conceitos são revolucionários:
Deus não está em alguma parte no além, mas ele vem e está presente, como aquele que vem e promete um novo mundo de vida plena, de justiça e de verdade, e com essa promessa põe novamente em questão este mundo. Não porque o mundo nada é para o que espera, mas porque ainda não é aquilo que está colocado à sua frente. Pelo fato de o mundo e a existência humana serem assim questionados, eles se tornam “históricos”, pois são postos em jogo e colocados na crise do futuro prometido. Quando o novo aparece, o velho se manifesta. Quando algo de novo é prometido, o antigo se torna passageiro e superável. Quando é esperado e aguardado algo de novo, o antigo pode ser abandonado. Assim a “história” resulta a partir de seu término, a história daquilo que acontece, o qual é percebido na promessa prévia e iluminadora.
A escatologia não é soterrada pela areia movediça da história, mas, ao contrário, mantém a história viva por meio da crítica e da esperança; ela é, por assim dizer, a própria areia movediça da história que vem do fim. A impressão da transitoriedade universal, que é tão evidente ao triste olhar de quem olha para trás, para o que não pode ser segurado, na realidade nada tem a ver com a história...
A história não engole a escatologia (Albert Schweitzer), nem a escatologia engole a história (Rudolf Bultmann). O logos do eschaton é a promessa daquilo que ainda não existe, e, por isso, faz a história. A promissio, que anuncia o eschaton e na qual o eschaton se anuncia, é o motor, a motivação, a mola propulsora e o tormento da história.
Soli Deo Gloria.
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