“Se alguém tem sede, venha a mim e beba”[João 7.37]
Venho a ti, Mestre das parábolas, com sede de poesia. Viajei por compêndios acadêmicos exatos, perambulei por pensadores herméticos. Li e reli, mas nos recessos da alma permaneço com uma sede insaciável. Entardeço com a angústia do Eclesiastes (6.8): “Que vantagem tem o sábio em relação ao tolo?”. A busca do conhecimento absoluto enlouquece. Repito G. K. Chesterton (1874-1936): “Imaginação não produz a loucura; o que produz a loucura é exatamente a razão. Os poetas não enlouquecem. A poesia é sã porque flutua, facilmente, num mar infinito; a razão procura cruzar o mar infinito para, assim, torná-lo finito”. Em meio à minha carência, prometo prestar mais atenção às tuas estórias, Mestre da narrativa. Quero escutar o inaudível.
Desisto. Dissecar tuas verdades não me conduziu ao mistério. Procurar solucionar o inescrutável, exaure. Só a poesia chega ao pé do arco-íris. Só nas palavras vestidas com alegoria se percebem os meandros do eterno. Anseio por meditar. Quem rumina no insólito, voa acima das nuvens, contempla o mundo do alto e vê santos e vilões, heróis e tímidos, damas e prostitutas como uma só humanidade.
Abandono a meta de querer dar nexo ao paradoxal. Admito, Mestre da imaginação, que o reino pertence aos pequeninos. Sentarei com crianças para intuir o extraordinário.
Quero me embeber com as palavras que fluem com ternura. Só na prosa desarmada é possível desobstruir os ouvidos e perceber o essencial. Quero me deixar irrigar com textos que destilam bondade. Buscarei inundar os fossos do egocentrismo nas entrelinhas da verdade.
Venho a ti, Autor da vida, com sede de humanidade. Confesso-te minha aridez. Sinto-me arfando como a corça perdida. Empolguei-me com bravatas. Iludi-me com impostores. Enfeiticei-me pela riqueza que a ferrugem corrói. Negligenciei Mateus 25. Eu não podia esquecer a mensagem deste capítulo: só entrará no céu quem apresentar carta de recomendação dos pobres. Desumanizar-se não se resume em capitular diante da selvageria. Estão desumanizados os insensíveis à imagem de Deus no próximo. Diante da miséria, quem não transforma sensibilidade em ações também não possui o Espírito de Cristo.
Em minha sede, abraço o mandato de ser empático (em: em, dentro; pathos: sentimento) com os que sofrem. Não posso abrir as portas do meu ser ao cinismo. Como virar o rosto para os porões escuros dos navios de emigrantes africanos? Mestre da vida, ajuda-me a não ser indiferente aos nordestinos que vivem no sertão sem chuva.
Venho a ti, Cristo crucificado, com sede de humildade. Vejo-te esvaziado e me convido ao desapego do poder. Não quero cobrar de mim o que nunca conseguirei ser. Se encantar-me com a capacidade de ser perfeito, serei carrasco de minhas inadequações. Vou procurar aliar-me à Graça para ter mais cautela com o homem que sou. Vejo-te perdoador. Convido o coração a compreender os outros por aquilo que são e não pelo que eu gostaria que se tornassem. Diante da maldade humana muitas vezes hesito em como reagir. Fico entre a violência e o amor humilde. Quero recorrer ao doce e delicado; só os mansos herdarão a terra. Em Ti, a fraqueza do amor se tornou a força mais formidável do universo.
Anseio pela não-violência que inspirou alguns de meus heróis. Farei da paz a pedra de apoio de minha vocação. Relembrarei que tu, Jesus de Nazaré, abriste mão da glória e preferiste a cruz. Em tua morte, o paradoxo da fragilidade do Deus encarnado se transformou na mais alvissareira notícia. Desejo arrancar as vestes da arrogância e me cobrir de gentileza.
Venho a Ti, Viajante do caminho de Emaús, com sede de companhia. Não pretendo encarar as estradas da vida trancado em mim mesmo. Quero cantar: “Amigo é coisa para se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração”. Desejo ser o companheiro que nunca tenta oprimir. Tu, que és o Rei da glória, não quiseste vassalos. Quem sou eu para intimidar amigos? Guardarei Provérbios 17.17 como lema: “Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão”. Mais que amigo, quero ser irmão. Vejo-te em busca da glória do Pai e me lembro que amizade original e perfeita pertence à Trindade -- que convive eternamente preferindo o Outro. Reconheço que os seres humanos foram criados com a eternidade no coração e por isso respeitarei a singularidade de cada um para amar melhor.
Venho a Ti, Fonte de Água Viva, com muitas sedes. Um gole de tua verdade e eu viverei com menos farsa. Por te seguir, guerreio para desmascarar o impostor que habita nos porões do inconsciente. Ele tenta tornar-me estranho diante do homem que vejo no espelho. Teu discípulo, teimosamente rejeitarei armaduras emprestadas. Ousarei comparecer ao grande banquete com os mesmos trajes (respingados com teu sangue, Cordeiro) com que lutei e peregrinei pelas estradas da vida.
O Evangelho avisa que tu sacias a sede de qualquer um. Sendo assim, venho pedir-te: Não permitas que eu permaneça arfando como corça, sem achar os ribeiros da plenitude. Antes que se rompa o fio de prata, dá-me de beber, e do meu interior fluirão rios de água viva.
Vi no http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1087
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