quarta-feira, 1 de abril de 2009

Textos-Provas

Laurence M. Vance - O Outro Lado do Calvinismo
Textos-Provas
Além destas analogias e dos versos relacionados com a salvação e a vontade, o calvinista possui alguns textos-provas adicionais para a doutrina da Depravação Total. Mas ainda que Rose alega que “a doutrina da depravação total não repousa sobre alguns textos esparsos,”[1] sua soma é na verdade bem pouca. E para manter a real natureza de como os calvinistas definem a Depravação Total, nenhum dos textos-provas mencionam a depravação do homem mas, antes, sua suposta incapacidade. Há três tipos de textos bíblicos usados para provar a doutrina calvinista da Depravação Total. Do primeiro tipo são aqueles que mencionam alguém que “não pode” fazer alguma coisa:

Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (Jo 3.3).

Por que não compreendeis a minha linguagem? é porque não podeis ouvir a minha palavra (Jo 8.43).

A saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós (Jo 14.17).

Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus (Rm 8.7-8).

Naturalmente, o calvinista supõe que estes “não podem” fazer alguma coisa por causa do resultado da Depravação Total: a Incapacidade Total.

Em segundo lugar, há aquelas passagens que falam da “incapacidade” de alguém mas com uma razão explícita dada a ela:

Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.44).

E continuou: Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, se pelo Pai lhe não for concedido (Jo 6.65).

Por isso não podiam crer, porque, como disse ainda Isaías: Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e entendam com o coração, e se convertam, e eu os cure (Jo 12.39-40).

E finalmente, há os dois versos supremos usados para provar a doutrina calvinista da Depravação Total:

Não há quem entenda; não há quem busque a Deus (Rm 3.11).

Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente (1Co 2.14).

Todas estas passagens são usualmente empregadas em uma lista de referências de versos após alguma declaração descrevendo a incapacidade do homem para se arrepender e crer no Evangelho. Mas além desta suposição, o calvinista também infere que estas passagens se referem a todos os indivíduos. Mas visto que é óbvio que estes versos são de três diferentes tipos, eles serão tratados conformemente.

Do primeiro tipo de versos usados para provar a verdade da Depravação Total – aqueles que mencionam alguém que “não pode” fazer alguma coisa – a tentativa dos calvinistas para provar a incapacidade do homem para se arrepender e crer no Evangelho é caluniosa, de fato. O verso em questão diz que “se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3). Embora usualmente apenas listado pelos calvinistas numa seqüência de textos-provas,[2] algumas vezes comentários extensos são feitos sobre o verso. Coppes observa: “Os ímpios, à parte do renascimento efetuado pelo Espírito Santo (Jo 3.3, 8), não podem arrepender-se.”[3] Outros vão tão longe a ponto de redefinir a palavra “ver.” Keener a corrige para “perceber” em sua tentativa de provar a Depravação Total.[4] Robert Morey pressupõe: “Cristo coloca a regeneração pelo Espírito como uma exigência antes que alguém possa ‘ver,’ isto é, crer ou ter fé no Reino de Deus. Ele afirma um tanto enfaticamente que um pecador que é nascido da carne não pode crer nas boas novas do Reino até que seja nascido pelo Espírito.”[5] Mas deve ser apontado que ver não é necessariamente crer:

Mas como já vos disse, vós me tendes visto, e contudo não credes (Jo 6.36).

Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram (Jo 20.29).

E não somente a Bíblia diz “ver” e não “crer,” Ela está discutindo “o Reino de Deus,” não “a salvação.” O verso significa exatamente o que diz. Sem o novo nascimento, um pecador não pode nem “ver” (Jo 3.3), nem “entrar” (Jo 3.5) no “Reino de Deus” (Jo 3.3, 5).

A próxima passagem “não pode” é similarmente abusada: “Por que não compreendeis a minha linguagem? é porque não podeis ouvir a minha palavra” (Jo 8.43). Os calvinistas regularmente listam esta passagem no meio de uma série de versos que eles dizem que provam a Depravação Total.[6] Mas, diferente do verso anterior sob discussão, o assunto aqui não é universal. São os judeus incrédulos, aqui tratados duas vezes como “vós,” que estão sob consideração. Eles não podiam ouvir a palavra de Cristo, não porque eles eram, como todos os não-regenerados (At 26.18; Ef 2.2), de seu “pai o Diabo” (Jo 8.44) e “não de Deus” (Jo 8.47), mas adicionalmente, porque eles realizavam os desejos de seu pai (Jo 8.44) e não criam em Cristo quando ele lhes disse “a verdade” (Jo 8.45-46). E não somente era sua “incapacidade” condicional, ela não era também permanente, pois Jesus tinha dito mais cedo que, porque eles eram “de baixo” (Jo 8.23), eles morreriam em seus pecados e não seriam capazes de ir onde ele estava indo (Jo 8.21). Todavia, eles somente morreriam em seus pecados se não cressem (Jo 8.24). O que é ainda mais interessante é que dois calvinistas concordam. Calvino por seu implícito silêncio,[7] e D. A. Carson por sua explicação:

Jesus não diz que eles não conseguem entender sua mensagem porque eles não podem acompanhar sua palavra falada, sua linguagem, mas que eles não conseguem entender sua linguagem precisamente porque eles não podem ‘ouvir’ sua mensagem. Os judeus permanecem responsáveis por seu próprio ‘não podem,’ que, longe de resultar do fiat divino, é determinado por seu próprio desejo (theolusin) de realizar os desejos (tas epithymias) do diabo (Jo 8.44). Este ‘não podem,’ esta escravidão ao pecado (Jo 8.34), surge do pecado pessoal.[8]

Deve também ser apontado que não ser capaz de ouvir a palavra de Deus não é necessariamente equivalente a não ser capaz de se arrepender e crer no Evangelho.

Contrária ao último verso em questão, a próxima referência se aplica a nenhum grupo exceto certos judeus: “A saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós” (Jo 14.17). Vários calvinistas listam este verso como texto-prova da Depravação Total.[9] É óbvio por que. O mundo não pode receber o Espírito Santo porque o mundo não o vê nem o conhece. Em contraste, os discípulos o conhecem porque ele habita com eles. O que isto tem a ver com a incapacidade do mundo de receber o Espírito Santo? O verso não diz que o mundo não pode vê-lo ou conhecê-lo. Ele meramente diz que o mundo não pode recebê-lo “porque não o vê nem o conhece.”

A próxima referência é a última das passagens “não pode” usadas para apoiar a doutrina da Depravação Total: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Rm 8.7-8). Embora seja normalmente apenas listada em uma série de textos-provas para a Depravação Total,[10] os comentaristas calvinistas também têm comentado sobre esta passagem:

A avaliação de Paulo de pessoas à parte de Cristo pode justamente ser somada nas categorias teológicas da ‘depravação total’ e ‘incapacidade total.’[11]

‘A inimizade contra Deus’ não é nada senão a depravação total e o ‘não pode agradar a Deus’ nada menos do que a incapacidade total.[12]

Embora um homem salvo pode “andar segundo a carne” (Rm 8.4), o homem não-regenerado está “na carne” (Rm 8.8). Como conseqüência, os homens não podem fazer qualquer coisa boa que seja fundamentalmente agradável a Deus a fim de merecer seu favor. A carne não pode ser mudada, reformada, treinada, melhorada, ou reconciliada com Deus a menos que e até que Deus a mude. Mas dizer que por causa desta “incapacidade” um homem não pode crer no Evangelho é uma outra questão. A Bíblia fala que Deus se “agradou” de Enoque (Hb 11.5), com o pedido de Salomão (1Re 3.10), com escolhas feitas por eunucos (Is 56.4), em fazer de Israel seu povo (1Sm 12.22), quando Israel foi abençoado (Nm 24.1), por amor da sua justiça (Is 42.21), quando ele revelou Cristo a Paulo (Gl 1.16), com sacrifícios espirituais (Hb 13.16), e especialmente com seu Filho (Is 53.10; Mt 3.17, Mt 17.5; Cl 1.19). Mas há duas outras ocasiões quando é dito que Deus se agradou. A primeira diz respeito ao homem em geral: “Quando os caminhos do homem agradam ao Senhor, faz que até os seus inimigos tenham paz com ele” (Pv 16.7). E mais relevante ao assunto à mão: “Visto como na sabedoria de Deus o mundo pela sua sabedoria não conheceu a Deus, aprouve a Deus salvar pela loucura da pregação os que crêem” (1Co 1.21). Assim, embora o homem tenha a incapacidade em sua carne para agradar a Deus, Deus se agrada quando os pecadores crêem no Evangelho.

A segunda categoria de textos-provas calvinistas para a Depravação Total são aquelas passagens que falam da “incapacidade” de alguém mas com uma razão explícita dada a ela:

Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.44).

E continuou: Por isso vos disse que ninguém pode vir a mim, se pelo Pai lhe não for concedido (Jo 6.65).

Por isso não podiam crer, porque, como disse ainda Isaías: Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e entendam com o coração, e se convertam, e eu os cure (Jo 12.39-40).

Os primeiros dois versos são parte de uma trilogia calvinista em João capítulo 6. O primeiro é na verdade o principal texto-prova para o quarto ponto do Calvinismo: a Graça Irresistível. Por causa disto, ele será analisado nesse capítulo. O segundo é da mesma forma usado para provar o segundo ponto do Calvinismo: a Eleição Incondicional, e será considerado no próximo capítulo. A outra passagem em João relata que a razão por que alguns “não podiam crer” era porque Deus “cegou-lhes os olhos.” Na confusão de termos teológicos calvinistas, isto é chamado “reprovação,” e propriamente se encaixa sob a questão da Eleição Incondicional. Dessa forma, será analisada nesse capítulo.

O primeiro verso usado para provar a doutrina da Depravação Total é parte da grande declaração da depravação universal do homem encontrado em Romanos capítulo 3. Paulo “examinou as Escrituras” (At 17.11), e reuniu de Isaías e dos Salmos a odiosa descrição do homem encontrado nesta seção da palavra de Deus. O calvinista Gerstner corretamente sustenta que “provavelmente não há nenhuma parte de toda a Bíblia que enfatiza a condição arruinada da humanidade mais do que os três primeiros capítulos do Livro de Romanos, e nenhuma parte de Romanos mais do que Rm 3.10-20.”[13] Temos que recorrer, então, ao contexto:

Como está escrito: Não há justo, nem sequer um. Não há quem entenda; não há quem busque a Deus. Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com as suas línguas tratam enganosamente; peçonha de áspides está debaixo dos seus lábios; a sua boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Nos seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante dos seus olhos (Rm 3.10-18).

Há uma frase extraída de um verso nesta seção que é continuamente citada pelos calvinistas como prova de sua doutrina da Depravação Total: “Não há quem busque a Deus” (Rm 3.11).[14]

Antes de analisar a frase em questão, deve ser apontado que os calvinistas estão corretos em alguns aspectos. Sproul afirma que ao invés de buscar a Deus, os homens “buscam os benefícios que somente Deus pode lhes dar.”[15] Ele também perceptivelmente relata uma inferência delusória que é freqüentemente tirada, que “porque as pessoas estão buscando o que somente Deus pode suprir, eles devem estar buscando o próprio Deus.”[16] Os calvinistas são também precisos ao conferir a iniciativa da salvação dos pecadores a Deus:

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16).

Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós (Rm 5.8).

Nós amamos, porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.19).

Mas sustentar de tudo isto que um pecador não pode crer no Evangelho quando defrontado com ele é uma TULIP (tulipa) de uma outra cor. Por isso, há três coisas erradas com o uso desta frase pelos calvinistas para provar a verdade de sua doutrina da Depravação Total: a intenção da passagem não é ensinar a incapacidade do homem, nada é dito sobre alguém não ser capaz de buscar a Deus e o fato que buscar a Deus não é o mesmo que crer no Evangelho.

Em primeiro lugar, o que os calvinistas parecem se esquecer é que Paulo, ao estabelecer a culpa universal dos judeus e gentios (Rm 3.1, 9), cita do Velho Testamento para dar peso aos seus argumentos, não para incriminar cada indivíduo da raça humana em particular com toda acusação, nem para ensinar a incapacidade do homem não-regenerado de crer em Jesus Cristo. Há uma diferença entre estabelecer a depravação universal do homem e acusar homens individuais de pecados. Por exemplo, Cornélio, um pecador não-regenerado (At 11.14), era um “homem justo e temente a Deus e que tem bom testemunho” (At 10.22). Ele era um homem “piedoso e temente a Deus com toda a sua casa” (At 10.2). Isto é até reconhecido pelos calvinistas: “Agora, não devemos pensar que esta passagem está acusando todo membro da raça humana de ter cometido todos estes pecados individuais.”[17]

Em segundo lugar, nada é dito na frase em questão (ou o verso ou o contexto) sobre alguém não ser capaz de buscar a Deus, apesar que seja assim que o calvinista lê. A Bíblia comanda os homens a buscar a Deus:

Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto (Is 55.6).

Pois assim diz o Senhor à casa de Israel: Buscai-me, e vivei (Am 5.4).

Buscai ao Senhor, vós todos os mansos da terra, que tendes posto por obra o seu juizo; buscai a justiça, buscai a mansidão; porventura sereis escondidos no dia da ira do Senhor (Sf 2.3).

Deus estabeleceu os limites das nações para que buscassem a Deus (At 17.26-27). A Bíblia até ordena os homens a “Buscai ao Senhor e a sua força; buscai a sua face continuamente” (1Cr 16.11). Mas não apenas alguns homens são comandados a buscá-lo, Deus declara que aqueles que buscam-no o encontrariam (Jr 29.13-14), e que ele recompensariam os “que o buscam” (Hb 11.6). A Bíblia diz que são abençoados os homens que buscam a Deus “de todo o coração” (Sl 119.2). De fato, é dito ser mal não buscar a Deus (2Cr 12.14) e digno de morte (2Cr 15.13). Estes comandos para buscar a Deus não são em vão: “Não falei em segredo, nem em lugar algum escuro da terra; não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão; eu sou o SENHOR, que falo a justiça, e anuncio coisas retas” (Is 45.19). Isto não significa que um homem que tem rejeitado a Deus será capaz de encontrá-lo sempre que desejar: “Então a mim clamarão, mas eu não responderei; diligentemente me buscarão, mas não me acharão” (Pv 1.28).

E finalmente, buscar a Deus não é a mesma coisa que crer no Evangelho. Buscar a Deus não é suficiente. Um judeu que deseja buscar a Deus sob as ordens do Velho Testamento está exatamente tão perdido quanto o gentio que não busca. A salvação nunca é obtida por buscar a Deus:

Por isso vos disse que morrereis em vossos pecados; porque, se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados (Jo 8.24).

Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim (Jo 14.6).

Se a razão que os homens não buscam a Deus não é porque eles têm a Depravação Total, então qual é? A razão que os homens não buscam a Deus é simples: “Por causa do seu orgulho, o ímpio não o busca; todos os seus pensamentos são: Não há Deus” (Sl 10.4).

O segundo texto usado para provar que um homem tem a incapacidade de se arrepender e crer no Evangelho – a Depravação Total – é claramente interpretado no contexto. O verso em questão diz: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). Como os outros textos-provas calvinistas para a Depravação Total, este verso pode usualmente ser encontrado entre uma série de versos citados como prova da Depravação Total.[18] Entretanto, também tem sido dito em relação ao verso em questão:

Não conseguimos entender como alguém pode ter uma clara concepção do senso comum desta passagem da Escritura e todavia afirmar a doutrina da capacidade humana.[19]

A doutrina da depravação total afirma que a natureza humana caída é moralmente incapaz de responder ao evangelho sem ser induzido a assim fazer pela intervenção divina.[20]

Até que o Espírito de Deus desperta a alma não podemos ouvir.[21]

Calvino concluiu deste verso que “a fé não é algo que depende de nossa decisão, mas é algo dado por Deus.”[22] Garret sustenta que este verso “coloca o hostil pecador em uma posição um tanto desfavorável para executar condições a fim de [ganhar] a vida eterna.”[23] Um calvinista lê o verso desta forma: “Mas o homem natural não recebe Jesus Cristo: pois Cristo é loucura para ele: nem pode ele recebê-lo, pois Cristo se discerne espiritualmente.” Todos os calvinistas, admitam ou não, têm que ler o verso exatamente assim se usarem-no para ensinar sua doutrina da Depravação Total. O uso deste verso prova novamente o fato de que a Depravação Total não tem nada a ver com a depravação do homem. Ela diz respeito à sua suposta incapacidade para se arrepender e crer no Evangelho.

O contexto é claramente coisas, não Jesus Cristo. Isto é infalivelmente determinado simplesmente lendo o capítulo. Coisas são o que está sendo discutido em 1Co 2.9-15. A palavra coisas ocorre pelo menos uma vez em todo verso. Aqueles que têm recebido “o Espírito que provém de Deus” podem compreender as coisas espirituais (1Co 2.12). E como alguém recebe este espírito? “E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gl 4.6). Deus dá o Espírito Santo aos seus filhos para que eles possam ter entendimento espiritual; ele não dá o seu Espírito aos “pecadores hostis” para que eles possam ser capazes de se arrepender e crer no Evangelho. E como alguém se torna um filho de Deus? “Mas, a todos quantos o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1.12). Qualquer um que tem recebido a Jesus Cristo tem o Espírito de Deus: “No qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (Ef 1.13). Os calvinistas querem que acreditemos que, porque o homem natural não pode entender as coisas espirituais, ele não pode receber Jesus Cristo. Mas como os calvinistas Gordon Clark e Charles Hodge comentaram sobre esta passagem:

Quando o verso aqui diz que eles não conhecem a doutrina, ele quer dizer que eles não a conhecem como verdadeira; e a razão é imediatamente dada: pois ela é espiritualmente avaliada.[24]

O que, por essa razão, o apóstolo aqui afirma do homem natural ou do homem não-renovado é que ele não pode discernir a verdade, a excelência, ou a beleza das coisas divinas.[25]

Receber coisas espirituais e receber Jesus Cristo são duas coisas diferentes.

Os três tipos de Escrituras usadas pelos calvinistas para provar a verdade da Depravação Total têm uma coisa em comum: nenhuma delas mencionam a depravação do homem. A Depravação Total é verdadeiramente uma doutrina negativa. As ações pecaminosas positivas do homem – pensamentos pecaminosos, palavras pecaminosas, ações pecaminosas – não estão sob consideração em qualquer um dos versos examinados acima. O calvinista que fala sobre a depravação do homem e então lista estes versos como textos-provas é desonesto. A verdadeira essência da Depravação Total é a Incapacidade Total.

[1] Rose, p. 5.
[2] W. E. Best, Regeneration and Conversion (Houston: W. E. Best Book Missionary Trust, n.d.), p. 11; Boettner, Predestination, p. 81; Tom Ross, Abandoned Truth, p. 43; Spencer, Tulip, p. 26.
[3] Coppes, p. 46.
[4] Keener, p. 51.
[5] Robert A. Morey, Studies in the Atonement (Southbridge: Crowne Publications, 1989), p. 82.
[6] Boettner, Predestination, p. 65; Spencer, Tulip, p. 28; Coppes, p. 45; Gunn, p. 6; Tom Ross, Abandoned Truth, p. 44.
[7] João Calvino, Calvin’s New Testament Commentaries (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1994), p. 227.
[8] D. A. Carson, Divine Sovereignty and Human Responsability (Atlanta: John Knox Press, 1981), p. 166.
[9] Robert W. Yarbrough, “Divine Election in the Gospel of John,” em Schreiner e Ware, eds., The Grace of God, the Bondage of the Will, p. 51; Best, Regeneration, p. 11.
[10] Jay E. Adams, The Grand Demonstration (Santa Barbara: EastGate Publishers, 1991), p. 69; Thomas R. Schreiner, “Does Scripture Teach Prevenient Grace in the Wesleyan Sense?” em Schreiner e Ware, eds., The Grace of God, the Bondage of the Will, p. 368; Boettner, Predestination, p. 71; Gunn, p. 6; Storms, Chosen for Life, p. 42; Palmer, p. 15; Tom Ross, Abandoned Truth, p. 42.
[11] Douglas Moo, The Epistle to the Romans (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1996), p. 488.
[12] John Murray, The Epistle to the Romans (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1959, 1965), vol. 1, p. 287.
[13] Gerstner, Predestination, p. 16.
[14] Keith A. Mathison, Dispensationalism: Rightly Dividing the People of God? (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1995), p. 50; Clark, Predestination, p. 111; Gunn, p. 6; Boettner, Reformed Faith, p. 7; Gerstner, Predestination, p. 19; Tom Ross, Abandoned Truth, p. 53; Beck, p. 9; Spender, Tulip, p. 25; Sproul, Grace Unknown, p. 124.
[15] Sproul, Eleitos de Deus, p. 81.
[16] Sproul, Grace Unknown, p. 125.
[17] Barnhouse, “God’s Wrath,” vol. 1, pp. 216-217.
[18] Gunn, p. 6; Kruithof, p. 35; Storms, Chosen for Life, p. 42; Spencer, Tulip, p. 26; Beck, p. 7; Steele e Thomas, p. 30; Talbot e Crampton, p. 20.
[19] Boettner, Predestination, p. 63.
[20] Wright, p. 111.
[21] Custance, p. 123.
[22] Calvino, Commentaries, vol. 9, p. 62.
[23] Eddie K. Garrett, “The Purpose of the Gospel,” The Hardshell Baptist, dezembro de 1990, p. 1.
[24] Gordon H. Clark, First Corinthians, 2ª. ed. (Jefferson: The Trinity Foundation, 1991), p. 42.
[25] Charles Hodge, A Commentary of 1 & 2 Corinthians (Edinburgo: The Banner of Truth Trust, 1974), p. 43.

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