quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ganhei nova fé





Recebo muitos pedidos para que volte e ser o "Ricardo de antigamente". Impossível voltar ao passado e mais impossível ainda, vestir os andrajos que o tempo corroeu. Muitas coisas perderam ímpeto dentro de mim. Hoje, algumas afirmações se esvaziam antes mesmo de alcançarem meu coração. Certas concepções já não fazem sentido quando organizo a minha existência.




Ganhei nova fé. Não acredito mais na fé como força dirigida a Deus que o induz a agir. Entendo a verdadeira fé como coragem para enfrentar a existência com os valores de Jesus de Nazaré. Fé significa que a verdade vivida e revelada por Cristo basta para que eu encare as contingências do mundo sem desumanizar-me. Minha fé não pretende movimentar o Divino, mas ser pedra de arranque onde impulsiono a caminhada na deslumbrante (e perigosa) aventura de viver.



Já não espero que uma relação com Deus me blinde de percalços. Não acredito, e nem quero, Deus me revestindo com uma armadura impenetrável. Considero um despautério prometer, em meio a tanto sofrimento, que os obedientes e puros passarão pela existência incólumes, sem sofrerem doenças, acidentes, violência.



Ganhei nova fé e considero leviano afirmar que ao orar, mulheres pouparão os filhos de se envolverem com drogas, promiscuidade e outros males. Por que Deus ficaria de mãos atadas ou indiferente diante das opções, muitas vezes atrapalhadas, de rapazes e moças? Seria justo afirmar que se os pais não vigiarem, Deus permitirá a perdição eterna dos filhos? Como Deus induz alguém a se arrepender? Ele força e arrasta, em resposta ao pedido dos pais? Não seria mais responsável ensinar que a "salvação" dos filhos não depende tanto de uma intervenção divina, mas do exemplo dos pais?



Tanto na Bíblia hebraica, o Antigo Testamento, como no ministério terreno de Jesus, há relatos de que Deus se recusa a manipular e coagir para trazer qualquer pessoa para si. Deus é amor. Quem ama se faz vulnerável ao abandono. Um exemplo clássico vem do profeta Oséias que encarnou repudio semelhante ao de Iahvé.



Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho. Mas, quanto mais eu o chamava mais eles se afastavam de mim (11.1).



No Evangelho de Lucas, Jesus lamentou sobre a cidade de Jerusalém que, além de repetir o antigo hábito de perseguir os profetas, agora o rejeitava:



Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! (13.34).



Ganhei nova fé e deixei de acreditar que os que cumprem ritos religiosos vivem um céu de brigadeiro. Não imagino que, ao obedecer corretamente os mandamentos, o mar da vida pare de ser arriscado.



Ganhei uma fé que não precisa orar de olhos fechados, debulhar terços em rezas, pedir ajoelhado, fazer campanhas, interceder ferozmente em vigílias e clamar aos gritos. Sei que o paganismo rodopia nessa lógica, mas agora entendo que Cristo a negou. As vãs repetições acabam expressando a voracidade de uma espiritualidade que contempla ganhar o que outros mortais não conseguiram. Considero esse tipo de devoção puro clientelismo. Murros em ponta de faca, que misturam ilusão com uma esperança bem parecida com os anseios da tartaruga que sonha com as alturas, mas é obrigada a respirar o pó da estrada.



Ganhei uma fé com demandas éticas. Não seria indigno um cristão pedir que Deus lhe ajude a passar em concurso público? Sim, esse tipo de oportunismo em nome de Deus é aberração ética. Em uma enconomia como a latino americana que gera excluídos, não cabe rogar que “o Senhor abra uma porta de emprego”. Não faz sentido conceber que o Todo Poderoso esteja, não se sabe por quais critérios, a recolocar seus eleitos no mercado de trabalho. Ganhei uma fé que luta por mais justiça nos chamados países emergentes, com bolsões miseráveis, onde bilhões sobrevivem com menos de 1 dólar por dia.



Já me indispus com grandes segmentos religiosos. Noto, sim, as idealizações de um movimento que deseja ser tratado como o próprio reino de Deus. Inundado de insinuações de que estou em crise, crisolo, mudo de pele, revisto-me de maturidade. Repito o padrão paulino: "deixo as coisas de menino". Sei que muitos jargões piedosos cumprem o papel ideológico de afastar as pessoas da realidade empurrando-as para o delírio religioso. Mas nesse caso religião e ópio são iguais.



Soli Deo Gloria

 
 
Vi no http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=2163

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