Uma igreja evangélica na região mais boêmia de São Paulo
“Nós não temos medo de errar. Temos medo de não amar.” A frase é proferida pelo designer pernambucano Kleber Freitas, 28 anos. Residente em São Paulo há três anos, Kleber freqüenta nos últimos doze meses a Vineyard Capital, a igreja da Baixa Augusta.
A Rua Augusta é uma das mais conhecidas vias urbanas de São Paulo e sempre se destacou pelo seu caráter boêmio. Repleta de botecos, baladas e boates para todos os gostos, também é famosa por concentrar, desde o final da década de 80, boa parte do meretrício do centro da capital, na região que é conhecida como “Baixa Augusta”. Casas de prostituição com nomes sugestivos como “Babilônia” ou a auto-explicativa “Las Jegas”, compõem o cenário da rua em que algum dia alguém entrou “a 120 por hora”.
Além dos cantores da Jovem Guarda diversas personalidades paulistanas já elegeram a “dona Augusta” como reduto cultural da cidade. É de se estranhar que a região tenha ficado ao abandono durante boa parte dos anos 90, tendo sido invadida pelo tráfico e consumo de drogas, os quais, junto com a crescente prostituição, acabaram por afastar boa parte da população. Porém, a partir do começo da última década, uma iniciativa de admiradores se empenhou em trazer de volta o aspecto cultural, investindo em teatros, cinemas e clubes noturnos “moderninhos”. Restaurantes e redes fast-food de culinária internacional incrementaram a miscelânea urbana que é a Rua Augusta, um lugar onde realmente é possível encontrar todas as tribos de São Paulo. Em menos de dez minutos de caminhada pela área, pode-se encontrar de patricinhas a engraxates, além de homossexuais, moradores de rua, cinéfilos, punks, prostitutas, emos e universitários. Por incrível que pareça, a convivência é pacífica e harmoniosa e a diversidade está totalmente ligada ao espírito do local.
Uma igreja na Augusta?
Talvez a última coisa a se esperar para os que conhecem a região é o fato de que uma igreja cristã tenha se instalado no “point” alternativo mais conhecido da capital. Mais estranho ainda porque, à primeira vista, não é possível distinguir quem é membro da igreja e, quem está apenas “gastando tempo na rua”. Mesmo alguns freqüentadores novatos das reuniões, que sempre acontecem nos domingos à noite, costumam demorar a entender que estão participando de uma igreja. Sidney Silva, 30, conta aos risos: “Teve um cara que ficou uns dois meses participando todos os domingos e foi procurar o pastor. Disse que se sentia bem, que se sentia motivado e perguntou qual seria o próximo passo. Ele queria saber se já estava na hora de procurar uma igreja”.
A quebra de paradigmas é levada a sério. Segundo Kleber, há uma preocupação em ser uma igreja cristã sem que haja a necessidade de controlar a vida das pessoas. “Um dos nossos domínios na internet é ‘Porque eu odeio religião’. Boa parte das pessoas que fundaram a igreja veio de contextos religiosos diversos, após sofrerem por não se encaixar com as normas. Aqui, nós não entendemos o cristianismo como regras a serem seguidas. Não é entrar em uma caixa. A maioria das igrejas prega hoje que você precisa fazer isso ou aquilo para ser cristão e na verdade a única coisa necessária é andar na direção que Jesus ensinou.”
O que é Vineyard?
As comunidades Vineyard existem no Brasil há cerca de 15 anos, mas como o próprio nome denuncia, a proposta original nasceu no exterior. Mais especificamente na Califórnia (Estados Unidos), quando, durante o começo da década de 70, um grupo de hippies recém-convertidos ao cristianismo passou a fazer reuniões semanais de ações de graças. Um pastor, John Wimber, se uniu ao grupo e criou as características (ou como eles preferem, valores) essenciais ao movimento. O grupo se multiplicou e atualmente existem aproximadamente 800 comunidades Vineyard apenas em solo norte-americano. No Brasil, são pouco mais de uma dezena de igrejas espalhadas pelo interior de São Paulo, Rio de Janeiro e alguns estados da Região Norte e Nordeste. Na maior metrópole brasileira, a Vineyard Capital é a primeira igreja representando o movimento.
No final de 2008, em São Paulo, um grupo de jovens cristãos, inconformados com os rumos das igrejas evangélicas, resolveu lançar uma proposta diferente de comunidade. Kleber explica: “Dois amigos, o José Mônaco e o Jota Mossad tiveram a idéia de criar um projeto de uma nova igreja. A primeira coisa lançada foi um site, o Proibido Pessoas Perfeitas. A partir daí a coisa começou a tomar forma e pouco tempo depois marcamos a primeira reunião”. Segundo o designer, desde o início da proposta já havia uma definição de que a igreja seria na Rua Augusta. “O nosso grupo já se identificava com a Augusta. Toda a loucura, caos, mistura. Sem contar que igrejas cristãs mais tradicionais nunca tiveram interesse no local. Então, ao invés de competir por espaço, quisemos realmente começar algo novo.” Quando questionados sobre esta predileção pelo local para se formar uma nova igreja, Jota Mossad, um dos fundadores, simplesmente coloca: “E porque não na Rua Augusta?”. Alguns dos membros, explicam sua visão particular a respeito da necessidade de uma igreja na região: “A Baixa Augusta é conhecida por abrigar prostitutas e moradores de rua, ou seja, pessoas que são “esquecidas” pela sociedade. E, teoricamente, o que uma igreja deve fazer é acolher essas pessoas e mostrar que elas também são importantes e amadas”, explica a sorridente Cíntia Rodrigues, cantora profissional, membro da igreja há quatro meses.
Igreja colaborativa
Em março de 2009, o grupo oficialmente abriu suas portas. Por falta de um local próprio, a igreja funciona no salão de um hotel. “É bom porque nossa única despesa é o aluguel. Aqui nosso foco não é pedir dinheiro para manter a igreja. Queremos nos esforçar junto com as pessoas para aprendermos sobre generosidade. O dinheiro de cada um pode ser investido onde bem entender e incentivamos que elas o usem sempre com consciência e pensando no amor ao próximo”, explica Kleber. Segundo os líderes, praticamente tudo que a igreja possui foi adquirido por meio de doação. E improvisar é imprescindível. O “púlpito” são apenas duas caixas de maçã, sobrepostas. Na porta, garrafas de água mineral ficam ao lado de copinhos descartáveis, canetas e uma placa que incentiva os presentes a anotarem o nome nos copos, diminuindo, assim, o desperdício.
A preocupação com a sustentabilidade não é a única questão “moderninha” na pauta. A maior parte dos participantes conheceu o movimento através da internet. A maioria possui curso superior e alguns se assumem como nerds. Na rede, a igreja possui site, blog e perfil em redes sociais como Orkut e Twitter. Uma série de vídeos online, com gravações sobre sexualidade e romance, chegou a contabilizar aproximadamente 20.000 acessos, quase cem vezes o número de freqüentadores da igreja. Todos os sermões são gravados e distribuídos gratuitamente em podcasts. Há planos para que em breve seja disponibilizado um álbum de músicas, que poderá ser adquirido gratuitamente, também pela internet. O público da igreja é formado majoritariamente por jovens da chamada geração Y, nascidos entre 1978 até o começo da década de 1990. Apesar disso, Kleber ressalta: “Não fechamos as portas para ninguém. Queremos acolher pessoas idosas e queremos acolher meninos de rua. Queremos caminhar com empresários e com prostitutas. Queremos receber pitboys e também homossexuais. Nossa preocupação realmente é com pessoas imperfeitas, que reconheçam suas limitações. A Augusta é assim, heterogênea. E queremos que aqui também seja um espaço para convivência, um lugar em que sejamos incentivados a vencer preconceitos.”
O futuro
Sobre os planos para o futuro, Kleber explica que a preocupação social está presente nas reuniões da igreja. “Jesus se misturava com as pessoas, interagia com elas e buscava ajudar em suas necessidades. Queremos demonstrar amor para as pessoas da Augusta, principalmente os moradores.” Jota enfatiza: “A igreja só terá alguma relevância quando os cristãos saírem das quatro paredes e agirem socialmente, culturalmente, ali na região. Socialmente, queremos encontrar formas de atingir todas as pessoas que precisam de ajuda ali, mendigos e prostitutas, pessoas que precisam de mais do que simplesmente uma igreja ali. E culturalmente, a gente pode ajudar ou se associar com as pessoas que já estão ali nas baladas, centros culturais e afins”. Perguntado sobre qual é seu grande sonho para a Vineyard Capital, ele não pensa duas vezes. “O término. Não sonho com um grande templo, com muitas pessoas cantando e tal. Não queremos pessoas vindo aqui domingo a pós domingo apenas preocupadas consigo mesmas, sem olhar para o próximo. Deus não quer isso. Ele quer o ser humano, por inteiro, quer todos os seres humanos. Ele não precisa de um templo. Ele deseja habitar em nós.”
Por Daniel Gonçalves de Souza
Vi no http://solomon1.com/a/
0 comentários:
Postar um comentário