Jack Cottrell[2]
QUESTIONAMENTO: Será que todos os dias de nossa vida já foram planejados ou estabelecidos por Deus? Se Deus “estabeleceu” todos os dias de nossas vidas, será que o nosso livre-arbítrio muda isso? Por exemplo, quando um bebê é abortado, será que o aborto muda o que Deus tinha originalmente estabelecido para essa vida? Quando abusamos de nossos próprios corpos (por exemplo, através do tabagismo, bebedeiras, glutonaria, etc.), será que esse comportamento muda o que Ele tinha estabelecido para nós? Ou será que Ele de alguma maneira trabalhou isso em seu plano?
RESPOSTA: É muito comum perceber a crença de que Deus realmente tem um plano estabelecido para a vida de cada indivíduo. Existem duas versões desta ideia. Uma delas é o ponto de vista calvinista, o qual diz que Deus, desde toda a eternidade, já predeterminou (predestinou) “o que quer que venha a acontecer”, incluindo cada detalhe da vida de cada pessoa. Nós não temos escolha real sobre o assunto. Se houver um aborto ou se prejudicarmos a nossa saúde através do fumo ou da glutonaria, isso simplesmente já faz parte do que Deus preordenou que irá acontecer. Esse É o seu “plano estabelecido”.
J. G. Howard diz desta forma: “A Escritura nos ensina que Deus tem um plano pré-determinado para cada vida. É ele que IRÁ ACONTECER. É inevitável, incondicional, imutável, irresistível, abrangente e intencional. É, também, na sua maior parte, imprevisível. Ele inclui tudo – até mesmo o pecado e o sofrimento. Envolve tudo – até mesmo a responsabilidade e as decisões humanas”.[3] Até as pessoas que não são calvinistas por vezes assumem que algo parecido com isso é verdadeiro. É comum ouvirmos coisas como: “Tudo acontece por uma razão”. “Há um propósito para tudo”. Depois que o New Orleans Saints venceu o Super Bowl em 2010, o quarterback vencedor Drew Brees exultou: “Estou me sentindo como se tudo estivesse predestinado a ser como foi”.
Isso simplesmente não é verdadeiro. Deus NÃO predeterminou tudo o que vai acontecer. Ele criou os seres humanos com livre-arbítrio, e nos diz em sua Palavra quais escolhas Ele quer que façamos. Porém, Ele não faz as escolhas por nós; isso iria contra seu objetivo de criar seres com livre-arbítrio em primeiro lugar. Ele não estabelece ou planeja os nossos dias por nós. Via sua vontade permissiva, Ele nos permite fazer nossas próprias escolhas, até mesmo aquelas que vão contra os seus mandamentos e desejos. Por causa de sua onisciência, Deus PRÉ-CONHECE todas as escolhas que faremos com o nosso livre-arbítrio, então Ele pré-planeja suas próprias respostas a essas escolhas; Ele, porém, de forma causal, não nos leva a fazer nada.
Mas Davi não louvou a Deus, enquanto ainda estava no ventre de sua mãe, “os Teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no Teu livro todas estas coisas foram escritas; os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia nenhum deles” (Sl 139.16)? Deus não disse de Jeremias: “Antes de Te formar no ventre eu te conheci, e antes de você nascer eu Te consagrei; e Te dei por profeta às nações” (Jr 1.5)? Paulo não testemunhou que Deus o tinha separado, já desde o ventre de sua mãe (Gl 1.15)? Sim, através de Seu pré-conhecimento e sua intervenção providencial na vida destes homens (veja At 2.23), Deus realmente tinha um plano para eles e um propósito definido e estabelecido para suas vidas. Mas não devemos presumir que o mesmo é verdadeiro para cada vida; não somos autorizados a universalizar essas observações que foram feitas sobre certos indivíduos específicos que Deus preparou para papéis especiais em seu plano redentor.
A segunda versão dessa ideia de que Deus tem um plano estabelecido para a vida de cada pessoa diz que Deus tem um plano ideal todo arquitetado para cada indivíduo, mas Ele nos deixa completamente livres para DESCOBRIR qual o plano ideal e EXECUTÁ-LO por nós mesmos. Isso se aplica às decisões importantes, como a escolha do nosso cônjuge, ou vocação, ou faculdade; alguns pensam que se aplica a cada decisão que tomamos todos os dias, como a escolha do que vestir, o que comer no café da manhã ou qual caminho tomar para o trabalho. Uma vez que Deus não nos diz qual é o seu plano para nós, muitas pessoas conscienciosas se agonizam sobre se fizeram as decisões certas ou têm sido omissas à vontade de Deus sobre alguma coisa em particular.
Embora este não seja um erro tão grave quanto o Calvinismo, ainda é uma postura errada quanto à questão de saber se estamos ou não em conformidade com o “plano estabelecido” por Deus para as nossas vidas. Além dos indivíduos relativamente poucos na história bíblica, os quais Ele escolheu para papéis especiais em seu plano de redenção, Deus realmente não tem um “plano estabelecido” ou “plano ideal”, individual, único e específico para cada pessoa. Ele tem um plano GERAL para todos nós, como revelou em sua Palavra inspirada, a Bíblia. Este plano está contido nos códigos de leis que se aplicam em épocas específicas da história. Seu plano é que cada um de nós seja santo, como Ele é santo (1Pe 1.15-16). Nosso código de leis no Novo Pacto nos diz como realizar isso. Chamamos isso de sua vontade preceptiva, e ela se aplica igualmente a todos. Seu plano geral para todos nós também inclui o desejo de que todos sejam salvos (Mt 23.37; 1Ti 2.4, 2Pe 3.9).
Não obstante Deus QUEIRA que todos nós façamos todas essas coisas, Ele, de forma causal, não nos leva a fazê-las. Ele nos deixa completamente livres com nossa iniciativa de estudar a sua Palavra e descobrir os seus mandamentos e seus desejos para nós, que são os mesmos para todos. Ele também nos deixa completamente livres com nossas escolhas oriundas do livre-arbítrio para conformar ou não as nossas vidas com a sua vontade nesses assuntos.
Mas, e quanto às decisões que não são diretamente abrangidas por sua vontade revelada, como com quem casar ou qual vocação perseguir ou qual carro comprar? Dois comentários satisfazem. Em primeiro lugar, em sua vontade preceptiva revelada nas Escrituras, há PRINCÍPIOS GERAIS que somos obrigados a aplicar, os quais são relevantes para a maioria das decisões que teremos de fazer. Por exemplo, em relação ao casamento, a Palavra de Deus ensina que devemos manter o sexo dentro do casamento, que o casamento é entre um homem e uma mulher, e que cristãos devem casar-se com cristãos. Sobre o que cozinhar para o jantar, a Palavra de Deus ensina que alguém deve prover para a sua família (1Ti 5.8) e prover o alimento que irá promover a boa saúde e a vida (e, portanto, não quebrar o sexto mandamento).
Meu segundo comentário é este. Embora Deus tenha traçado alguns limites gerais que se aplicam à maioria das questões, enquanto ficamos dentro desses limites, Deus NÃO SE IMPORTA com quais escolhas específicas nós fazemos. Enquanto cumprirmos seus requisitos gerais para as nossas vidas, a maioria das decisões específicas NÃO IMPORTA. Deus não tem nenhuma “vontade definida” ou “plano estabelecido” para a pessoa específica com quem nós devemos casar, por exemplo. Enquanto ficamos sob a égide dos ensinamentos tais como os mencionados acima, podemos nos casar com quem quisermos (e com quem quiser casar conosco!).
(Para uma discussão mais completa sobre o tema, ver o meu livro, “Deus, o Soberano”, no capítulo sobre “A vontade de Deus”.[4])
Tradução: Cloves Rocha dos Santos
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[1] Nota do tradutor: Este artigo foi publicado por Jack Cottrell no dia 12 de fevereiro de 2010, na sua página do Facebook, na aba NOTES (NOTAS), onde ele, de forma fraterna, responde a várias perguntas relacionadas à vida cristã e também às dificuldades bíblicas por parte daqueles que visitam a sua página e se interessam pela sua opinião nos assuntos abordados.
[2] Nota do tradutor: Jack Warren Cottrell é um autor e teólogo cristão associado às Igrejas Cristãs Independentes/Igrejas de Cristo, as quais fazem parte do Movimento de Restauração Stone-Campbell. Ele tem sido professor de Teologia na Universidade Cristã de Cincinnati desde 1967. Ele é autor de numerosos livros sobre a Doutrina e Teologia Cristã. Jack Cottrell nasceu em Kentucky e foi criado em Stamping Ground, Kentucky. Casou-se com sua esposa, Barbara, em 1958. Cottrell ganhou um Bacharel em Artes (B.A.) da Universidade Cristã de Cincinnati em 1959. Em seguida, ele ganhou um Mestrado em Divindade (Mdiv) do Seminário Teológico de Westminster e o doutorado em Filosofia (PhD) do Seminário Teológico de Princeton. Cottrell retornou à Universidade Cristã de Cincinnati em 1967 como professor de Bíblia e Teologia. Desde então, escreveu mais de 20 livros sobre Doutrina e Teologia Cristã. Os tópicos frequentes abordados por ele incluem a graça, fé, batismo, exatidão bíblica, bem como a natureza de Deus. Ele também já abordou questões como liderança e teologia feminista no Cristianismo. Cottrell tem adicionalmente escrito diversos comentários bíblicos. As visões teológicas de Cottrell são semelhantes à opinião majoritária das Igrejas Cristãs Independentes/Igrejas de Cristo. Ele crê na inerrância da Bíblia. Ele também crê que o batismo por imersão é o momento no qual os pecados individuais são perdoados. Devido à sua formação dentro dos círculos reformados, Jack Cottrell tem sido um crítico convicto do Calvinismo. Cottrell está casado com sua bela esposa Barbara por mais de 50 anos. Eles ministram na Igreja Cristã da cidade de Bright, no estado de Indiana, nos EUA, e vive na cidade de Lawrenceburg, Indiana. Ele e Bárbara têm três filhos e quatro netos (fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_Cottrell)
[3] J. G. Howard, Knowing God’s Will – and Doing It! – Conhecendo a Vontade de Deus – E a Fazendo! (Zondervan, 1976), página 12.
[4] Nota do tradutor: Jack Cottrell, What the Bible Says About God the Ruler – O Que a Bíblia diz Sobre Deus, o Soberano (College Press, 1984; reimpressão, Wipf e Stock, 465 páginas).
Vi no http://www.arminianismo.com/
1 comentários:
Caríssimo irmão,
como bom calvinista que sou, li seu artigo com interesse. Algumas afirmações suas não se pode padronizar com o VT e o NT portanto é muito complexo o tema. Precisamos ler mais a Palavra de Deus e orar pedindo orientação ao Espírito Santo. Cito como exemplo o "Livre arbítrio" que ainda não encontrei tal versículo que o cite uma só vez; talvez porque tal expressão não exista em toda a Bíblia. Não acha que se fosse real e existisse e tão importante não teria sido falado pelos apóstolos e profetas de Deus ? Depois de muita leitura e alguns anos de estudo minha posição é que Deus é totalmente Soberano mas também o homem é totalmente responsável pelos seus atos. As duas coisas são duas verdades constantes na Palavra do início ao fim. As duas afirmações são verdadeiras. Deus o abençõe em nome de Jesus.
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