“A quem, pois, compararei os homens desta geração, e a quem são semelhantes? São semelhantes aos meninos que, assentados nas praças, clamam uns aos outros: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamos lamentações, e não chorastes.” Lucas 7:31-32
Com estas palavras, Jesus denunciou a apatia daquela geração, que não se satisfazia com nada, mas que sempre buscava motivos para criticar, zombar, escarnecer. Ele diz mais: “Pois veio João Batista, que não comia pão nem bebia vinho, e dizeis: Tem demônio. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis: Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores” (vv.33-34). Repare nisso: nem mesmo Jesus, o homem perfeito, justo, foi capaz de agradá-los.
Parece-me que aquela geração não é muito diferente da nossa. As pessoas nunca se contentam com o que têm, ou mesmo com o que são. Isso ocorre também no campo dos relacionamentos. É mais fácil apontar os defeitos, do que identificar as virtudes. Fulano não serve porque é muito devagar. O outro não serve porque é atirado demais. Ela é bonita, mas não é prendada. Ou ela é do tipo Amélia, mas não é bonita. A gente sempre destaca os pontos negativos, esquecendo que também não somos perfeitos. Que bom que sempre há um chileno velho para um pé torto…rs
Para que um relacionamento amoroso funcione, não é necessário que encontremos a pessoa ideal, mas que aprendamos a conviver com a pessoal real.
A vida é um salão de dança. Começar um relacionamento é como tirar alguém pra dançar. A gente passa os olhos, verifica se ainda há alguém sem par, se aproxima pra ver se a pessoa é interessante, lança um olhar pra ver se fisga… estende a mão, e a convida para a próxima dança.
Aquela dança tem tudo pra dar errado. Mas também tem tudo pra dar certo. Tudo vai depender da habilidade de ambos em acompanhar os passos um do outro.
A primeira coisa a ser considerada quando se começa a dançar é a música. Seus passos precisam estar no compasso do seu ritmo. Imagine se um dos parceiros estiver com um fone no ouvido, ouvindo outra canção. Seus passos vão acompanhar a canção do fone, enquanto os do seu companheiro acompanharão a do salão. Um acidente será inevitável. E se a música que ela estiver ouvindo no fone for lenta, e a que estiver tocando no salão for animada? Imagine o descompasso…
Assim é o relacionamento a dois. Tem que ter a mesma trilha sonora. Isto é, ambos precisam estar sentimentalmente sintonizados. Se forem dirigidos por interesses diferentes, será como se cada um dançasse sua própria música. Se a mulher é romântica, enquanto seu parceiro está pensando somente naquilo, será como se ela dançasse valsa e ele tango. É claro que de vez em quando, troca-se a música, e isso requererá que os dançarinos acertem os passos. Há momentos para valsa, e há momentos para um tango bem assanhado. Há momentos de dançarmos uma música bem animada, e há outros de dançarmos coladinhos. O que não podemos é perder a sintonia com o outro.
É sobre os diversos ritmos da vida que o escritor de Eclesiastes fala: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu (…) tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar” (Ec.3:1,4-5). O problema começa quando para um é tempo de chorar, enquanto para o outro é tempo de rir. Um quer abraçar, o outro prefere ficar sozinho. Nestas horas, temos que acertar os passos, para não tropeçarmos no outro.
Veja a recomendação de Paulo:
“Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos a mesma coisa, e que não haja entre vós divisões, para que sejais unidos no mesmo sentido e no mesmo parecer” (1 Co.1:10).
Não basta dançar a mesma música, tem que acompanhar os passos de quem está guiando. As Escrituras ensinam que compete ao marido a liderança do lar. Portanto, nesta dança, ele é o guia. A mulher precisa relaxar e confiar, seguindo os passos do seu par. Se ele a conduz para um lado, mas ela o empurra para outro lado, o que deveria ser uma dança harmônica, se tornará num “samba do crioulo doido”.
Mesmo estando a cargo da liderança da família, nada impede que o marido ouça a opinião de sua amada, e atenda aos anseios do seu coração. Poderia dizer-se que o marido dá a direção, o sentido, mas a mulher dá a cadência, o ritmo. Diz-se que se o homem é o cabeça, a mulher é o coração.
Veja ainda outra recomendação do apóstolo:
“Completai a minha alegria, para que tenhais o mesmo modo de pensar, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, pensando a mesma coisa. Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” (Fp.2:2-5).
Não se trata de uma competição pra ver quem se sai melhor no salão. Embora cada um tenha seu próprio espaço, e que deve ser respeitado pelo outro, eles estão dançando juntos. São parceiros, não adversários. Portanto, há que se ter cuidado para não pisar no pé do outro, nem fazer movimentos bruscos ou empurrar. Se um se atrapalha, o outro também sai perdendo. Por isso, em vez de competir, coopere. Em vez de criticar, encoraje. Em vez de interromper o fluxo, dê-lhe vazão.
Isaías, profetizando acerca de Cristo, diz que Ele “não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a sua voz na praça. A cana ferida não quebrará, e não apagará o pavio que fumega” (Is.42:2-3). Em outras palavras, Jesus não corta o barato de ninguém. Ele prefere animar, estimular, impulsionar. Que bom seria se O tomássemos como exemplo em nossos relacionamentos. Se há algum fogo, não o apague, antes, alimente-o. Se o que restou de seu casamento for água, transforme-a em vinho. Não seja um estraga-prazer.
Dançar é saber administrar o espaço. Quando um dá um passo à frente, o outro dá um passo atrás, num vai e vem interminável. O espaço do outro deve ser respeitado, jamais invadido. A privacidade deve ser um bem cultivado. Há momentos em que precisamos ficar só. É como a dança em que os corpos se afastam um do outro, para depois se reencontrar.
Dançar também é arte de promover o encontro. Não apenas o encontro de corpos, mas também de almas, de sentimento, de propósito. Para isso, o salão precisa ter alguma luz. Se as luzes estiverem todas apagadas, os dançarinos correm o risco de se colidirem. João diz em primeira epístola que “aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não há nenhum tropeço” (1 Jo.2:10). É o amor o holofote que ilumina o salão, promovendo encontros, e não colisões.
Às vezes ocorrem pequenos acidentes. Num momento de distração, pisamos no pé da pessoa amada, magoamos seu coração. Mas não é preciso parar de dançar pra consertar o erro. Basta um elegante pedido de desculpas, sussurrado no pé do ouvido, e pronto, a dança continua.
Hermes C. Fernandes
Vi no http://www.hermesfernandes.com/
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