O jovem Huw Tyler, de 23 anos, ia apressado de metrô para Camden Town, bairro de Londres, na Inglaterra, vestindo a camisa azul do Pentecost Festival e o crachá que o identificava como designer gráfico. Durante dez meses, ele trabalhou voluntariamente num imenso prospecto com o mapa dos acontecimentos pela cidade. E agora estava tudo acontecendo, em apenas um fim de semana. Depois de quase dois anos de planejamento envolvendo mais de duzentas igrejas, a capital britânica presenciou, entre os dias 10 e 12 de maio, mais de 100 eventos com um só objetivo: mostrar que a Igreja de Jesus está viva e é culturalmente relevante. No espírito de Pentecostes, o festival procurou usar todas as linguagens possíveis – música ao vivo, exposição de artes plásticas, danças, competições de esportes radicais, peças teatrais, debates e palestras, além de muita oração e adoração pelas ruas. De show de hip-hop a palestra do teólogo e cientista Alister McGrath, que participou da seqüência de eventos com uma aula na University College London para refutar as teorias ateístas de Richard Dawkins.
“A igreja deixou seus edifícios”, dizia o slogan do festival, continuamente repetido por Andy Frost, de 29 anos. Dirigente da Share Jesus International (SJI), uma entidade paraeclesiástica com cara de agência evangelística, Frost herdou de seu pai, Rob, pastor metodista falecido em novembro do ano passado, o projeto de promover eventos fora dos espaços a que a Igreja Evangélica parece ter ficado confinada na Inglaterra. Quem olha para sua cara de surfista descolado – há seis anos ele esteve no Brasil e surfou no Rio de Janeiro e na Bahia – não imagina de pronto que ele seja crente. “Queremos mudar a percepção que as pessoas têm da Igreja, quebrar os estereótipos e representar Jesus”, enumera. Ele comanda um time em que quase todos são voluntários, de várias profissões, com média de idade abaixo dos 30 anos. A ordem é exercitar a criatividade ao máximo, quebrando resistências tanto das igrejas quando da cultura secular.
Frost bateu nas portas de praticamente todo mundo. E viu a Abadia de Westminster, sede da Igreja Anglicana, dizer sim, para sua surpresa. Eles cederam espaço para uma apresentação teatral. E muitas outras denominações toparam se integrar às ações. Aos oficiais responsáveis pela segurança da cidade, de sete milhões de habitantes, o evangelista levou os planos de eventos em parques, praças e ruas importantes. Outra surpresa: a reação foi a melhor possível, e ele conseguiu quase tudo que pediu. “Em Londres temos festival hindu, festival muçulmano, festival budista; por que não um festival cristão?”, concordou um dos policiais. O rapaz conseguiu também envolver no projeto diversas instituições de ação social, como Compassion e Christian Aid. O dinheiro recolhido nos eventos pagos foi revertido a obras beneficentes. A Bible Society comprou a idéia e participou ativamente, organizando, entre outras atividades, um debate com políticos cristãos.
Oração na praça – Na sacada de um restaurante em frente à Leicester Square, palco de apresentações musicais do evento, Frost e parte de sua equipe receberam, em clima descontraído, vários jornalistas para contar o que ia acontecer. Dias depois, ele não escondia uma ponta de decepção quanto à cobertura. “Há um preconceito contra os cristãos. A mídia gosta de contar histórias ruins sobre a Igreja. Não as boas”, lamenta, lembrando dos muitos trabalhos sociais realizados pelos evangélicos britânicos que costumam ser ignorados pelos meios de comunicação. Uma entrevista sua para a BBC acabou não indo ao ar no jornal noturno. A matéria saiu para dar mais tempo a um caso de homicídio.
A resposta pode ser mesmo deixar os templos e ir para as ruas. Na saída do metrô de Leicester Square, área coalhada de teatros e turistas, o estudante de medicina David Scheepers, de 28 anos, membro de uma comunidade anglicana, distribuía panfletos e convidava o povo a assistir às apresentações de música no palco montado na praça. Andando uma quadra, já era possível ouvir músicas de louvor executadas por vários grupos evangélicos. Amazing grace ecoava enquanto as pessoas sentavam na grama da praça para ouvir, no sábado ensolarado. Os crentes oravam e aconselhavam ali mesmo. De acordo com os relatórios obtidos depois dos eventos, sete em cada dez pessoas abordadas aceitaram receber orações. “Fomos bem acolhidos. Nossa intenção inicial era interceder, mas as pessoas se aproximavam, perguntavam sobre a fé e recebiam ministração”, disse, ofegante, a seminarista batista Vicki Patman, de 30 anos, ao retornar de uma longa caminhada de evangélicos em pontos-chave da cidade.
As expressões de fé foram muitas. David Landrum, que atua oficialmente no Parlamento inglês pela Bible Society, conduziu um grupo de intercessão ao redor dos prédios da Câmara dos Lordes e da Câmara dos Comuns. “A oração pelo Parlamento acontece há cinco anos e desta vez programamos para que acontecesse junto com o Pentecost Festival”, explicou. Em meio aos turistas que miravam com suas câmeras o imponente Big Ben, Landrum pedia a Deus, com seu grupo, um reavivamento na Inglaterra. Parou também junto a um monumento em memória da Sociedade Anti-escravista, fundada em 1787 por William Wilberforce, e dali clamou a Deus por leis justas. Sua preocupação mais imediata era a discussão de uma lei, aprovada alguns dias depois, que permite experiências com embriões híbridos usando DNA humano e animal. Uma tentativa de eliminar o projeto, capitaneada por parlamentares cristãos, foi derrotada por 336 votos contra 176.
Adoração artística – Enquanto alguns se manifestavam por meio da oração, outros o faziam pela arte. A escultora Sue-Jane Mott, 40, foi uma das artistas a expor suas obras na Igreja Metodista Central Hall. O cenário tem história – foi ali, em 1946, logo após a Segunda Guerra Mundial, que aconteceu a primeira reunião da Organização das Nações Unidas. Entre as obras mais marcantes, os criativos e delicados potes de cerâmica que representam as lágrimas dos justos, em referência ao texto de Apocalipse. “Minha arte é parte do que sou e da relação que tenho com Deus. Também é adoração. Algumas vezes me inspiro nas Escrituras; outras na natureza”, explicou Sue. Longe dali, em um pub de Camden Town, o artista gráfico Ajinbayo Akinsiku, o Siku, de 43 anos, britânico de origem nigeriana, ensinava suas técnicas de quadrinhos, que seguem o estilo japonês mangá. Deixando de lado o medo de errar, ele publicou com sucesso a Bíblia mangá, uma versão em quadrinhos para as Escrituras. Siku distribuía autógrafos e incentivava os crentes a criarem livremente sua própria arte.
”Representar é bom, e se for para Deus, é dez vezes melhor”, disse, por sua vez, a atriz iniciante Emma Frank, de 18 anos. Ela participa do musical Luv Esther, uma versão teatral, com roupagem pop, para o livro bíblico de Ester. Ao seu lado, o brasileiro Ricardo Castro, 20, que também participa da peça, mostrava entusiasmo: “A apresentação causa impacto. Falamos na língua do mundo para sermos compreendidos”. O espetáculo, montado pela missão NGM, que também faz as vezes de companhia teatral, teve apresentação vinculada ao Pentecost Festival, com arrecadação destinada ao combate à Aids na África do Sul.
A maratona com os mais de 100 eventos culminou com o encontro do Dia Global de Oração, que teve a maior concentração no pequeno estádio de futebol do Millwall, ao sul da cidade. Cerca de 11 mil pessoas foram para lá, animadas pelo domingo ensolarado. Famílias inteiras curtiram muita música cristã e oraram por motivos diversos, entre palavras de incentivo de vários pastores. O recém-eleito prefeito de Londres, Boris Johnson, apareceu de surpresa e pediu intercessão pela sua administração e pelo combate à violência em Londres. Ao mesmo tempo, um telão mostrava os rostos de adolescentes ingleses mortos em decorrência da ação de gangues, traficantes de drogas e assaltantes.
Em meio à multidão, James Elton, de 24 anos, vestia uma camisa da seleção brasileira. “Presente de um amigo que resolveu ser missionário no Brasil”, explicou. “É muito bom estar aqui com toda essa gente, clamando por todas as nações”, continuou, lembrando que a campanha de intercessão acontecia simultaneamente no mundo inteiro. Cheio de esperança de um novo vigor para a Igreja inglesa, o jovem britânico não titubeou: “A oração tem poder!” É com isso que contam os organizadores do Pentecost Festival. Na sede do SJI, em meio ao time de colaboradores, Frost fazia um balanço dos acontecimentos, já de olho no ano que vem. “Contaremos com o apoio de mil igrejas e vamos fazer muito mais eventos”, antecipa. O objetivo, garante, é manter a Igreja de Cristo atuando fora dos templos. “Precisamos parar de erigir impérios e construir o Reino de Deus”, sentencia.
Treici Schwengber e Valter Gonçalves Jr, de Londres
Vi no http://solomon1.com/a/2009/03/uma-igreja-fora-dos-templos/
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